Avaliação da presença de anemia e de deficiência de ferritina em crianças

Evaluation of the presence of anemia and ferritin deficiency in children

 

 

Ana Carolliny Fernandes Faria1 

Letícia Gonçalves Resende Pereira2

Pâmela Alves Silva1

Roberta Angélica da Silva Heitor1

Wander Valadares de Oliveira Júnior2

Caroline Pereira Domingueti3

 

 

1 Graduada em Farmácia. Universidade Federal de São João Del Rei UFSJ – Campus Centro Oeste Dona Lindu – Divinópolis-MG,

 Brasil.

Mestrado. Universidade Federal de São João Del Rei –  UFSJ – Campus Centro Oeste Dona Lindu – Divinópolis-MG, Brasil.

Doutorado. Docente da Unidade Curricular Bioquímica Clínica do Curso de Farmácia da Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ – Divinópolis-MG, Brasil.

Instituição: Universidade Federal de São João Del Rei – Campus Centro Oeste Dona Lindu – Divinópolis, MG, Brasil.

Conflito de interesses: Não há conflito de interesses.

Artigo recebido em 27/06/2017

Artigo aprovado em 19/09/2017

DOI: 10.21877/2448-3877.201700591

 

 

Resumo

Objetivo: O objetivo deste estudo foi comparar a presença de anemia definida por níveis reduzidos de hemoglobina com a deficiência de ferritina em crianças. Métodos: Foram incluídas 124 crianças com idade entre 6 e 8 anos, estudantes do ensino fundamental das escolas municipais de Divinópolis-MG. Foram determinados os níveis de hemoglobina e ferro sérico por método colorimétrico e os níveis de ferritina por turbidimetria, e foi avaliado o hematócrito. Resultados: Dentre as crianças avaliadas, 25% apresentaram anemia, definida por níveis de hemoglobina inferiores a 11,5 g/dL, e 18% apresentaram níveis de ferritina inferiores a 7 µg/L, o que caracteriza deficiência de ferro. Foi observada uma proporção significativa de crianças com hemoglobina abaixo de 11,5 g/dL que possuem níveis normais de ferritina, o que pode ser explicado pela presença de outras anemias comuns na infância. Também foi observada uma proporção significativa de crianças com níveis de ferritina abaixo de 7 µg/L que possuem níveis normais de hemoglobina, o que se justifica pelo fato de que a ferritina consiste em um marcador mais sensível para a detecção dos estágios iniciais da deficiência de ferro. Conclusão: Como a ferritina consiste em um marcador mais sensível e mais específico para avaliação da deficiência de ferro do que a dosagem da hemoglobina, seria importante incluí-la na avaliação da anemia ferropriva em crianças.

 

Palavras-chave

Anemia ferropriva; Criança; Ferritinas; Hemoglobinas

 

INTRODUÇÃO

A anemia ferropriva é a causa mais comum de anemia nutricional. É definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a condição na qual o conteúdo de hemoglobina do sangue está abaixo dos valores considerados normais para a idade, o sexo, o estado fisiológico e a altura, sem considerar a causa da deficiência.(1) Essa anemia se caracteriza pela diminuição ou ausência das reservas de ferro, baixa concentração férrica no soro, fraca saturação da transferrina, concentração escassa de hemoglobina e redução do hematócrito, o que reflete em microcitose e hipocromia, causando distúrbio no mecanismo de transporte de oxigênio.(2)

Após seis meses de idade, as crianças são mais vulneráveis à anemia ferropriva devido ao esgotamento das reservas de ferro provenientes da gestação e da baixa ingestão pela dieta. Nesse período, há aumento da demanda orgânica por ferro em virtude do acelerado ritmo de crescimento, especialmente nos primeiros dois anos de vida.(3)

O déficit de ferro pode levar a alterações de pele e mucosas, baixo peso para a idade, alterações gastro­intestinais, redução da capacidade física e mental devido à limitação do transporte de oxigênio, perda do apetite e diminuição da função imunitária. Além disso, a deficiência de ferro pode causar alterações na função cerebral, dependendo da idade do paciente, duração e gravidade do quadro anêmico, repercutindo em um prejuízo no desenvolvimento psicológico e cognitivo.(3)

A deficiência de ferro desenvolve-se no organismo em três estágios. No primeiro estágio, há diminuição da ferritina sérica, que está diretamente relacionada com as reservas de ferro. No segundo estágio, há um declínio da concentração do ferro sérico e aumento da capacidade de ligação do ferro. Quando há restrição na síntese de hemoglobina, ocorre o terceiro estágio, podendo se instalar a anemia. O melhor exame para estimar o ferro total do organismo, particularmente o dos depósitos, é a ferritina sérica.(4)

Ferritina é uma proteína do mecanismo primário de armazenamento de ferro e é fundamental para a home­ostase do mesmo. A ferritina torna o ferro disponível para os processos celulares críticos, enquanto protege lipídios, DNA e proteínas dos efeitos potencialmente tóxicos do ferro. Alterações na mesma são comumente observadas na prática clínica, refletindo muitas vezes perturbações na homeostase do ferro ou do metabolismo. A ferritina também desempenha um papel numa variedade de outras condições inflamatórias, incluindo doenças neurodegenerativas e malignas.(5)

A determinação dos níveis de ferritina no plasma fornece aos clínicos um meio conveniente de avaliação do equilíbrio de ferro. A medição tem sido amplamente utilizada para avaliar as reservas de ferro do corpo, particularmente na detecção da deficiência e sobrecarga de ferro.(6) Na maioria das circunstâncias, a ferritina no soro é considerada como o mais sensível e específico dentre os vários testes sanguíneos disponíveis para o diagnóstico da deficiência de ferro.(7)

O diagnóstico da anemia ferropriva é amplamente realizado pelos sistemas de saúde no Brasil por meio da dosagem de hemoglobina, a qual é relativamente barata.(8,9) Contudo, tem sido demonstrado que a ferritina pode possibilitar a detecção precoce da deficiência de ferro no organismo, de modo que sua dosagem pode ser vantajosa, podendo contribuir para o diagnóstico precoce e a prevenção da anemia ferropriva na infância, quando essa deficiência pode acarretar graves consequências para o desenvolvimento físico e cognitivo.(3,8,9) Portanto, este estudo teve como objetivo avaliar a associação entre os níveis de ferritina e os níveis de hemoglobina em crianças, o que é necessário para verificar se a ferritina realmente apresenta maior eficácia para o diagnóstico precoce da anemia ferropriva na infância.

MATERIAl E MÉTODOS

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSJ (CAAE 43795115.4.0000.5545). Todos os responsáveis pelos participantes selecionados assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e todos os escolares selecionados assinaram o termo de assentimento livre e esclarecido (TALE).

Foram selecionadas aleatoriamente 8 dentre as 33 escolas municipais de Divinópolis para participar do estudo. Dentre os 573 alunos do primeiro e do segundo ano do ensino fundamental com idade entre 6 e 8 anos das escolas selecionadas, 165 tiveram autorização dos pais para participar do estudo e, dentre estes, 124 aceitaram participar do estudo e tiveram a amostra de sangue coletada.

Os critérios de exclusão consistiram na presença de qualquer uma das seguintes condições: doença crônica, anemia falciforme ou talassemia relatada pelos pais, febre ou infecção nas três semanas antecedentes à coleta, doença hepática, doença renal. Contudo, nenhuma das 124 crianças apresentava alguma destas condições clínicas, de modo que todas elas foram incluídas no estudo.

Foram coletadas de cada participante do estudo, amostras de sangue venoso de 4,0 mL em anticoagulante EDTA para dosagem dos níveis de hemoglobina e para determinação do hematócrito, e amostras de sangue venoso de 4,0 mL sem anticoagulante, as quais foram centrifugadas a 3.000 rotações por minuto durante 15 minutos para obtenção do soro, o qual foi utilizado para dosagem dos níveis de ferro e ferritina.

A determinação do hematócrito foi realizada utilizando-se tubos capilares e a centrífuga de microhematócrito. Os níveis de hemoglobina e os níveis séricos de ferro foram determinados por método colorimétrico, utilizando-se os kits Hemoglobina K023 (Bioclin®) e Ferro Sérico K017 (Bioclin®), respectivamente. Os níveis séricos de ferritina foram determinados pelo método de turbidimetria utilizando-se o kit Ferritina K081 (Bioclin®).

A presença de anemia foi definida de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde como níveis de hemoglobina inferiores a 11,5 g/dL para a faixa etária de 6 a 12 anos.(10) As deficiências de ferritina e de ferro foram definidas por níveis inferiores a 7 µg/L e 50 µg/dL, respectivamente, e um hematócrito inferior a 35% foi considerado reduzido.(11,12) As crianças foram classificadas de acordo com a presença ou não de anemia e de acordo com a presença ou não de deficiência de ferritina.

Os resultados obtidos foram analisados utilizando-se o programa estatístico SPSS 20.0. Realizou-se o teste de normalidade Shapiro-Wilk para as variáveis contínuas. Para as variáveis que apresentaram distribuição normal foram calculados os valores de média e desvio-padrão, e foi empregado o teste T de Student para comparação entre os grupos. Para as variáveis que não apresentaram distribuição normal calcularam-se a mediana e os percentis 25% e 75% e foi empregado o teste Mann Whitney U para comparação entre os grupos. Para as variáveis categóricas, calcularam-se as frequências absolutas e relativas e foi utilizado o teste Qui-Quadrado para comparação entre os grupos. Foi considerado significativo o valor p < 0,05.

RESULTADOS

Na Tabela 1 são mostradas as características clínicas e laboratoriais das crianças incluídas no estudo, sendo 66 crianças do sexo masculino e com média de idade de 79 meses (6,6 anos).

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As características laboratoriais das crianças classificadas de acordo com a presença ou não de anemia definida por níveis de hemoglobina inferiores a 11,5 g/dL estão expressas na Tabela 2.

Observa-se que os níveis de hematócrito e ferro foram significativamente menores e que a proporção de crianças com níveis de hematócrito inferiores a 35% foi maior entre as crianças com anemia em comparação com aquelas sem anemia (p = 0,001, p = 0,019 e p = 0,006, respectivamente) e que não houve diferença significativa para os níveis de ferritina e para as frequências de deficiência de ferro e de ferritina.

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A Tabela 3 apresenta as características laboratoriais das crianças classificadas de acordo com a presença ou não de níveis de ferritina inferiores a 7 µg/L. Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos de crianças para os níveis de hemoglobina, hematócrito e ferro, e nem para as frequências de anemia, deficiência de ferro e níveis reduzidos de hematócrito.

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DISCUSSÃO

A anemia é definida como a diminuição na concentração de hemoglobina e, consequentemente, a diminuição concomitante da capacidade para transportar oxigênio. Possui vários fatores precipitantes que podem ocorrer isoladamente, mas mais frequentemente ocorrem simultanea­mente. Estes fatores podem ser genéticos, tais como hemoglobinopatias; infecciosos, como a malária, helmintos intestinais e infecção crônica; ou nutricionais, que incluem a deficiência de ferro, assim como deficiências de outras vitaminas e minerais, tais como ácido fólico, vitaminas A e B12, e cobre.(13)

A redução da concentração de hemoglobina sanguínea, comprometendo o transporte de oxigênio para os tecidos, tem como principais sinais e sintomas as alterações da pele e das mucosas (palidez, glossite), alterações gastrintestinais (estomatite, disfagia), fadiga, fraqueza, palpitação, redução da função cognitiva, do crescimento e do desenvolvimento psicomotor, além de afetar a termor­regulação e a imunidade da criança.(2) A anemia é a segunda principal causa mundial de incapacidade e, portanto, um dos mais graves problemas de saúde pública no mundo. A anemia ferropriva, que é a mais prevalente, afeta mais da metade das crianças em idade pré-escolar em países em desenvolvimento e em torno de 30% a 40% nos países industrializados.(14)

A anemia ferropriva consiste na anemia por deficiência de ferro e é mais prevalente e grave em crianças pequenas (6-24 meses) e mulheres em idade reprodutiva. O ferro é um mineral vital para a homeostase celular e é utilizado principalmente na síntese da hemoglobina nos eritroblastos. Ele é incorporado ao anel de protoporfirina formando o heme, que, em combinação com as cadeias de globina, formarão a molécula de hemoglobina.(15) Essa deficiência ocorre quando os estoques de ferro estão esgotados e há comprometimento de seu fornecimento para os tecidos. Ferritina sérica, saturação de transferrina, receptor de transferrina e protoporfirina eritrocitária são indicadores usados como evidências bioquímicas desta deficiência. As principais causas de deficiência de ferro são a depleção dos estoques de ferro no nascimento, o decréscimo da sua ingestão, o aumento das perdas de ferro orgânico, a redução na sua absorção e o aumento da demanda.(2)

A anemia por deficiência de ferro ocorre quando a quantidade total de ferro no organismo está diminuída, sendo caracterizada pela diminuição da concentração de hemo­globina. Além desta, a medida dos níveis de ferritina tem sido recomendada no diagnóstico de deficiência de ferro, sendo esta considerada o marcador mais sensível para se detectar a deficiência de ferro precocemente.(9,10) O ferro fica estocado nas células reticuloendoteliais do fígado, baço e medula óssea, nas formas de ferritina e hemossiderina. Esta corresponde à forma degradada da ferritina, em que a concha proteica foi parcialmente desintegrada, permitindo que o ferro forme agregados, e a ferritina é a forma solúvel de armazenamento.(15)

No presente estudo, as medianas dos níveis de hemoglobina, hematócrito, ferro e ferritina das crianças se encontraram dentro dos valores de referência, apesar de ter sido observado que algumas delas apresentaram níveis destes marcadores abaixo da normalidade. Foi observado que 26% das crianças apresentavam anemia e que 18% das crianças apresentavam deficiência de ferritina. Segundo Moura et al.,(11) e a World Health Organization (WHO)(14) aproximadamente uma a cada cinco crianças apresentam anemia por deficiência de ferro, resultado bastante semelhante ao obtido nesse estudo.

Os níveis de hematócrito foram menores nas crianças com níveis de hemoglobina inferiores do 11,5 g/dL do que naquelas com níveis normais de hemoglobina, e a proporção de crianças com níveis de hematócrito abaixo de 35% foi maior entre aquelas com níveis reduzidos de hemo­globina, o que é condizente com o quadro clínico de anemia. De acordo com Osório,(2) a anemia caracteriza-se como o estágio mais avançado da anemia ferropriva, onde há diminuição dos níveis de hematócrito e hemoglobina.

Apesar de terem sido observados níveis menores de ferro sérico nas crianças com anemia, a frequência de crianças com níveis de ferro abaixo de 50 µg/dL não diferiu entre os grupos com e sem anemia. Esta divergência pode ser explicada por uma deficiência limítrofe nos níveis de ferro de muitas das crianças com anemia, de modo que estas apresentaram níveis menores de ferro do que as crianças sem anemia, mas poucas delas apresentaram níveis de ferro abaixo dos valores de referência. Isso pode ocorrer devido a inadequadas práticas alimentares, o que resulta em menor consumo e biodisponibilidade de ferro, crescimento acelerado e infecções recorrentes.(14,16)

Os níveis menores de ferro nas crianças com anemia não foram acompanhados por níveis menores de ferritina, e, ao contrário disso, os níveis de ferritina foram maiores nas crianças com níveis menores de hemoglobina, apesar da diferença não ter sido significativa. A frequência de crianças com níveis de ferritina abaixo de 7 µg/L não diferiu entre os grupos com e sem anemia, o que pode ser explicado pelos níveis maiores de ferritina no grupo de crianças com anemia. Estes achados indicam uma possível anemia ferropriva funcional, a qual consiste em um distúrbio no qual o total das reservas de ferro do corpo é normal ou aumentado, mas o fornecimento de ferro à medula óssea não é suficiente.(17) Em seu sentido mais amplo, essa definição engloba o bloqueio parcial no transporte de ferro para o eritroblasto para a síntese de eritrócito, o que é observado em indivíduos com infecções, inflamações e doenças malignas e consiste em um dos principais componentes da anemia de doença crônica.(18) O fato de as crianças com níveis de ferritina inferiores a 7 µ/L não terem apresentado uma maior frequência de deficiência de ferro é mais um indício da possível anemia ferropriva funcional.

Além disso, como a ferritina consiste em uma proteína de fase aguda, seus níveis podem se elevar nas condições clínicas inflamatórias e infecciosas, interferindo na análise da deficiência dos estoques de ferro no organismo.(9,19 Nestas situações, é recomendado ajustar os valores de ferritina, de modo a possibilitar o diagnóstico da anemia ferropriva concomitante à inflamação ou infecção.(20) Crianças com infecções ou inflamações foram excluídas do presente estudo por meio de questionário preenchido pelos pais. Contudo, é possível que algumas crianças apresentassem um quadro infeccioso ou inflamatório mais leve ou inicial, o qual pode ter passado despercebido pelos pais.

A maior proporção de crianças com níveis de hemo­globina abaixo de 11,5 g/dL que possuem níveis normais de ferritina também pode ser explicada pela presença de outras anemias comuns na infância como a anemia mega­loblástica, onde ocorre a deficiência de ácido fólico e vitamina B12, que são essenciais para o amadurecimento celular, sendo um tipo de anemia carencial, ou as anemias hereditárias que estão entre as doenças mais comuns determinadas geneticamente e possuem frequência comum na população brasileira, com consequente dispersão de genes anormais, que resultam em doenças como hemo­globinopatias e talassemias.(21) Crianças com hemoglobi­nopatias ou talassemias foram excluídas do presente estudo por meio de questionário preenchido pelos pais. Contudo, é possível que algumas crianças apresentassem traço talassêmico ou falcêmico, o qual é assintomático e pode não ter sido diagnosticado.

Neste estudo, não foi observada diferença significativa entre as crianças com níveis de ferritina inferiores a 7 µg/L e aquelas com níveis normais de ferritina para os níveis de hemoglobina, hematócrito e ferro. Além disso, foi observada uma maior proporção de crianças com níveis de ferritina menores que 7 µg/L que apresentaram níveis de hemoglobina maiores ou iguais a 11,5 g/dL e níveis de hematócrito maiores ou iguais a 35% do que inferiores a estes valores. Este achado é consistente se analisado na perspectiva natural da carência, onde ocorreria inicialmente a diminuição das reservas corporais do ferro, e a redução nos níveis de hemoglobina e hematócrito se instalaria apenas em um estágio mais tardio.

Na evolução da anemia ferropriva, inicialmente, as formas de reserva de ferro, ferritina e hemossiderina diminuem, persistindo normais os níveis de hematócrito e de hemoglobina. A seguir, o nível sérico de ferro diminui e, concomitantemente, a capacidade de ligação do ferro na transferrina aumenta, resultando em um decréscimo da porcentagem de saturação do ferro na transferrina. Com isso, ocorre um ligeiro decréscimo da circulação das células vermelhas. Essa fase pode ser denominada como deficiência de ferro sem anemia. A anemia por deficiência de ferro representa o estágio mais avançado com a acentuada depleção dos estoques do mineral, caracterizando-se pela diminuição da hemoglobina e do hematócrito, que se reflete em mudanças na citomorfologia eritrocitária, apresentando microcitose e hipocromia e causando distúrbio no mecanismo de transporte de oxigênio.(2)

Portanto, como a ferritina consiste em um marcador mais sensível para a detecção precoce da anemia ferro­priva, é possível sugerir que as crianças que apresentam níveis reduzidos de ferritina, mas níveis normais de hemoglobina e de hematócrito possam apresentar um estágio inicial da carência de ferro no organismo, podendo futuramente evoluir para um quadro clínico com níveis de hemoglobina abaixo dos valores de referência. A proporção de crianças com níveis de ferritina inferiores a 7 µg/L que apresentaram níveis de ferro sérico abaixo dos valores de referência foi maior do que a de crianças com níveis de ferritina inferiores a 7 µg/L, que apresentaram níveis de hemoglobina ou hematócrito abaixo dos valores de referência, o que também está de acordo com o curso natural da carência de ferro no organismo.

Esses resultados chamam a atenção para outras causas e outros tipos de anemias na infância além da anemia ferropriva, sendo muito importante que os profissionais da área da saúde apresentem um olhar mais atento e crítico no momento de fornecer o diagnóstico, solicitando exames complementares à dosagem dos níveis de hemoglobina, tais como a determinação dos níveis séricos de ferro, capacidade de ligação do ferro à transferrina, saturação da transferrina e, principalmente, de ferritina, para se ter certeza do diagnóstico da anemia ferropriva, de modo a se instituir o tratamento adequado. Além de ser um marcador bastante específico da anemia ferropriva, a dosagem de ferritina sérica consiste no marcador mais sensível para o diagnóstico precoce da carência de ferro no organismo, sendo fundamental que este exame seja solicitado com maior frequência para detecção dos estágios iniciais da deficiência de ferro na infância, de modo que o tratamento possa ser iniciado precocemente, evitando o desenvolvimento da anemia e de suas complicações.

 

CONCLUSÃO

Neste estudo, algumas crianças apresentaram níveis baixos de ferritina, mas níveis normais de hemoglobina, indicando a presença de um estágio inicial de carência de ferro no organismo, já que a ferritina consiste em um marcador mais sensível para o diagnóstico precoce da deficiência de ferro. Por outro lado, algumas crianças tiveram níveis baixos de hemoglobina, mas níveis normais de ferritina, indicando a presença de outras causas de anemia que não a ferropriva, já que a ferritina consiste em um marcador mais específico para o diagnóstico da anemia ferropriva do que a dosagem dos níveis de hemoglobina. Portanto, como a ferritina consiste em um marcador mais sensível e mais específico para avaliação da deficiência de ferro do que a dosagem da hemoglobina, seria importante incluir a sua dosagem mais frequentemente na avaliação da anemia ferropriva em crianças.

Agradecimentos

Agradecemos à Universidade Federal de São João Del Rei – Campus Centro Oeste Dona Lindu, ao laboratório de Bioquímica Clínica e à Bioclin.

Abstract

Objective: The aim of this study was to compare the presence of anemia evaluated by reduced levels of hemoglobin with ferritin deficiency in children. Methods: It was included 124 children aged between 6 and 8 years old, students of public elementary schools in Divinópolis-MG. Hemoglobin and serum iron levels were determined by colorimetric method and ferritin levels by turbidimetry, and hematocrit was evaluated. Results: Among the children evaluated, 25% had anemia, defined by hemoglobin levels below 11.5 g/dL, and 18% had ferritin levels below 7 µg/L, which characterizes iron deficiency. It was observed a significant proportion of children with hemoglobin levels under 11.5 g/dL who have normal ferritin levels, which can be explained by the presence of other common childhood anemias. It was also observed a significant proportion of children with ferritin levels under 7 µg/L who have normal levels of hemoglobin, which is justified by the fact that ferritin consists of a more sensitive biomarker for the detection of early stages of iron deficiency. Conclusion: As ferritin consists of a more sensitive and specific biomarker for iron deficiency evaluation than the hemoglobin dosage, it is important to include it in the evaluation of iron deficiency anemia in children.

Keywords

Anemia, Iron-deficiency; Child; Ferritins; Hemoglobins

 

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Correspondência

Caroline Pereira Domingueti

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