Avaliação in vitro da atividade antibacteriana de sucos de cranberry (Vaccinium macrocarpon) sobre cepas de Escherichia coli responsáveis por infecção urinária

Evaluation of the antibacterial activity of cranberry juices (Vaccinium macrocarpon) on Escherichia coli strains responsible for urinary infection

 

Ludmila Pini Simões1

Louremi Bianchi Gualda de Souza1

1Farmacêutica / UniCesumar. Mestranda em Ciências Farmacêuticas – Universidade Estadual de Maringá (URM) – Maringá-PR, Brasil.
2Farmacêutica/UEM e mestre em Ciências de Alimento – Universidade Estadual de Londrina (UEL) – Londrina-PR, Brasil.

Instituição: Centro Universitário de Maringá – UniCesumar – Maringá-PR, Brasil.

Recebido em 12/06/2018
Artigo aprovado em 27/06/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900745

INTRODUÇÃO

O presente estudo é de caráter experimental, visando descrever a eficiência da Vaccinium macrocarpon sobre o crescimento de cepas de Escherichia coli (E. coli), analisando a possibilidade de sua característica bactericida.

A infecção do trato urinário é uma patologia que consiste na colonização da urina por bactérias e consequente invasão dos tecidos da estrutura do trato urinário. É uma patologia que tem prevalência em todas as populações, porém atinge principalmente o sexo feminino.(1) Aproximadamente 50% a 70% das mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU em suas vidas, sendo que 20% a 30% destas apresentam episódios recorrentes. No entanto, a real incidência de ITU é provavelmente subestimada, porque pelo menos metade de todas as infecções urinárias se resolve sem atenção médica.(2)

Do ponto de vista clínico, as infecções do trato urinário (ITUs) são divididas em inferiores, quando atingem somente a bexiga, e superiores, que chegam ao parênquima renal, sendo que a contaminação pode ocorrer por três vias: a via ascendente, que seria a partir da flora fecal e uretral; a via hematogênica, em que a bactéria contamina o sangue e infecta secundariamente o trato urinário, e, por último, a via linfática.(3)

O agente etiológico mais comum nas ITUs é a Escherichia coli, mas também existem outras bactérias frequentemente isoladas, como Klebsiella spp., e outras, como  Enterobacteriacea e Staphylococcus saprofiticus.(3) Segundo Blatt e Miranda (2005),(4) em pacientes hospitalizados a E. coli se apresentou como agente etiológico em 40% dos casos de infecções do trato urinário.

A E. coli provoca infecções do trato urinário consideradas mais simples, e sua virulência está ligada a forte adesão de suas fímbrias ao epitélio urinário.(5) Mulheres se contaminam com maior frequência por apresentarem uretra mais curta e assim ascendência de bactérias à bexiga.(6)

A E. coli adquiriu com o passar do tempo grande resistência à maioria dos antibióticos, como as ampicilinas, tetraciclinas, estreptomicinas, sulfametoxazoles e carbeni­cilinas. Ainda que a resistência a antimicrobianos como nitrofurantoína e fluoroquinolonas tenha permanecido baixa, já se tem observado um visível aumento, o que pode ser explicado pelo uso indiscriminado desses antibióticos.(7)

A Vaccinium macrocarpon, conhecida popularmente como cranberry, arado-vermelho ou oxicoco, é um fruto pequeno, globoso e vermelho.(7) É composto por água, alguns ácidos orgânicos, glicose, acido ascórbico, frutose e pro­antocianidinas.(8) Vem sendo utilizado comumente na profilaxia das ITU`s, e seu uso esta relacionado principalmente a duas atividades dos compostos do fruto: a inibição da aderência das fímbrias da E. coli a um dissacarídeo específico da galactose presente nas células uroepiteliais e a acidificação da urina, inibindo o crescimento de pató­genos.(9) Seu uso é profilático e principalmente usado no caso de reinfecções sucessivas, com falhas na antibioti­coterapia.(7)

O presente trabalho tem como objetivo analisar o efeito antimicrobiano do suco de cranberry contra E. coli. O estudo do efeito antimicrobiano possibilita fundamentar a terapia profilática com cranberry, possibilitando assim uma alternativa ao uso de antimicrobianos, por meio de experimentos microbiológicos testando a cepa E. coli com o suco.

 

material e métodoS

 

Para o processo de padronização da suspensão bacteriana, utilizou-se como microrganismo de referência a cepa de Escherichia coli, ATCC 25922, pura. Em salina estéril, padronizou-se a suspensão bacteriana até atingir uma turvação equivalente ao tubo 0,5 da escala MacFarland, que corresponde aproximadamente a 108 Unidades Formadoras de Colônias por mL (UFC/mL). Para o teste de micro­diluição, essa suspensão foi diluída em salina estéril a 1/10, correspondendo assim a 107UFC/mL.

Sequencialmente utilizou-se o processo de preparo da solução para controle positivo das técnicas, preparando-se uma suspensão de ciprofloxacina 2 mg/mL, sendo diluída 1/100 duas vezes, logo após tendo uma diluição 1/50 em soro fisiológico estéril obtendo-se a concentração de 0,004 µg/mL.

As amostras foram obtidas em uma rede atacadista de alimentos na cidade de Maringá, PR.

Para os testes antibacterianos, utilizaram-se os métodos de difusão Agar I e II, sendo que, para o primeiro, durante a avaliação do suco, foram inseridos 10 µL do mesmo em cada disco, sem realizar diluições. Inoculou-se assep­tica­mente e uniformemente, com o auxílio de swab, cepa de E. coli (108UFC/mL) em placas com Ágar Muller-Hinton (AMH),  sendo inoculados três discos por placa. Para controle também foram submetidos discos dos antimi­crobianos ciproflo­xacino e sulfametoxazol + trime­tropim disponíveis no mercado, em todas as placas, totalizando nove placas de testes. Incubaram-se as placas a 36°C por 24 horas. Após incubação foram realizadas as interpretações dos halos de inibição de crescimento ao redor do disco, medidos em mm, e para o segundo (difusão Ágar II) utilizaram-se nove placas de Ágar Muller-Hinton, inoculando-se cepa de E. coli (10 UFC/mL) pela mesma técnica anteriormente descrita. Em seguida, foram perfurados três poços para as placas de avaliação do suco, de aproximadamente 6,0 mm, permitindo um espaço de 30 mm entre cada poço. Volumes fixos do suco (0,1mL) foram então introduzidos nos orifícios da placa. Em cada placa utilizou-se um poço com ciprofloxacina 0,004 mg/mL como controle positivo, e como controle negativo usou-se salina.

Em seguida, as placas foram deixadas na bancada do laboratório por 40 minutos, para pré-difusão das diluições do suco e do antimicrobiano. Posteriormente foram incubadas a 36°C por 24 horas. A obtenção dos resultados foi realizada através da determinação do halo de inibição de crescimento ao redor do poço, medidos em mm.

O método em microplaca, onde aos orifícios da coluna 1 da linha A ao H foram adicionados 100 mL da solução de ciprofloxacina 0,004 mg/mL + meio de cultura Muller- Hinton, apresentou controle positivo. Para o controle negativo foi usado somente meio de cultura Muller-Hinton + salina estéril. Para o teste com o suco pronto para o consumo, adicionaram-se100 mL em todos os orifícios nas colunas 3 a 11, da linha A à H, sem realizar diluições, sendo que nas colunas 3, 4 e 5 foi utilizado o suco 1; nas colunas 6, 7 e 8 o suco 2; e nas colunas 9,10 e 11 o suco 3.

 

RESULTADOS

 

Para os métodos testados, pode-se observar que na difusão em Ágar I, nenhuma das três amostras de suco testadas apresentou efeito significativo sobre o crescimento bacteriano, visto que não houve formação de halo inibitório, demonstrando inatividade sobre a bactéria testada. O teste foi validado, uma vez que os controles positivos apresentaram efeito satisfatório sobre a cepa utilizada; da mesma forma, o controle negativo não demonstrou atividade alguma.

Em mesma análise, considerando a metodologia utilizada na difusão Ágar II, sua interpretação foi de que o crescimento bacteriano sem formação de halo inibitório em torno dos poços contendo as amostras testadas indica ausência de atividade antimicrobiana, dado que o controle positivo apresentou halo de inibição sobre o crescimento bacteriano.

Por fim, o método em microplaca indicou que o suco da fruta cranberry não tem nenhuma atividade antibacteriana, pois nos poços onde foram colocadas as três amostras de suco houve turvação e precipitação indicando crescimento bacteriano. O teste foi validado visto que o controle positivo não turvou e o branco também não indicou ausência de contaminação.

Os resultados obtidos nesse experimento mostraram que, através dos métodos de difusão em Ágar e diluição em microplaca, foi possível observar ausência de atividade antibacteriana do suco do fruto Vaccinium macrocarpon (cranberry), sobre a cepa de E. coli ATCC 25922, pois não houve a formação de halo de inibição em nenhum dos três sucos testados, e também houve turvação nos sucos na diluição da microplaca indicando crescimento bacteriano.

 

DISCUSSÃO

 

Outro estudo em andamento na Universidade da Califórnia apresentou dados preliminares que sugerem que o suco de cranberry tem alguma atividade antibacteriana, através de uma preparação cinco vezes mais concentrada que o suco comercialmente disponível, mostrando que o cranberry pode ter, sim, ação inibitória além da profilática já demonstrada.(6)

Em outro estudo observa-se a atividade da cranberry frente a E. coli e outras bactérias, porém, observa-se que o método utilizado in vitro, diferencia-se a fim de observar a diminuição dos fatores de virulência da bactéria, assim como a execução de um método in vivo. Além destas diferenças, observa-se a dose-dependência do efeito do cranberry, a qual foi testada em mais de uma concentração e forma comercial.(10)

Fundamenta-se a utilização do cranberry como medida profilática ao aumento da incidência de infecções do trato urinário, principalmente em indivíduos do sexo feminino, através de estudos que comprovam a atividade de seus metabólitos inibindo a adesão da E. coli uropato­gênica ao tecido uroepitelial, atividade esta relacionada principalmente as proantocianidinas presentes no cranberry.(10,11)

 

CONCLUSÃO

 

Com base nos resultados observados neste e em outros estudos podemos considerar que o cranberry apresenta ação sobre a virulência da E. coli, porém, neste estudo não apresentou atividade bacteriostática e bactericida frente à bactéria cultivada em meio de cultura. Entretanto, usando-se concentrações, metodologias e formas comer­cializadas diferentes em outros estudos, observou-se que o cranberry inibe a adesão da E. coli às células uro­epiteliais. Para isso a metodologia deveria envolver o fator de adesão às células e considerar a variabilidade biológica.

 

 

Abstract

Objective: Within this context the aim of this study was to analyze the antimicrobial effect of concentrated cranberry juice, on Escherichia coli.  Methods: Testing as disk diffusion, diffusion in microplate wells and using the ATCC 25922 strain of E. coli bacteria. Results: The results were compared with the positive and negative control, and data in the literature, for better understanding of their potential antibacterial activity. The end result was found that cranberry juice has no activity against the growth of Escherichia coli strain before realized methods. Conclusion: There was not antimicrobial activity of cranberry juice on strains of Escherichia coli.

 

Keywords

Vaccinium macrocarpon; Escherichia coli; urinary infections

 

 

REFERÊNCIAS

  1. Rangel M, Tressa Y, Zago SS. Infecção urinária do diagnóstico ao tratamento. Colloquium Vitae. 2013;5(1):59-67. DOI: 10.5747/cv. 2013.v005.n1.v075
  2. Azevedo CP, Silva JO. Avaliação do perfil de resistência da Escherichia coli isolada de uroculturas e correlação com antibioticoterapias empíricas atualmente propostas. Revista Multidisciplinar de Saúde, ano IV, n. 7, p. 2-17, 2012.
  3. Correia CM, Costa E, Peres AM, Alves M. Etiologia das infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos. (2007).
  4. Blatt JM, Miranda MC. Perfil dos microrganismos causadores de infecções do trato urinário em pacientes internados. Rev Panam Infectol. 2005;7(4):10-4.
  5. Jesus TFP. O mirtilo e suas propriedades terapêuticas. Projeto de Pós-Graduação/Dissertação apresentado à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Ciências Farmacêuticas. 2013. Artigo disponivel em: http://hdl.handle.net/10284/3970.
  6. Hisano M, Bruschini H, Nicodemo AC, Srougi M. Cranberries and lower urinary tract infection prevention. Clinics (Sao Paulo). 2012; 67(6):661-8.
  7. Korb A, Nazareno ER, Mendonça FA, Dalsenter PR. Perfil de resistência da bactéria Escherichia coli em infecções do trato urinário em pacientes ambulatoriais. Rev Biol Ciênc Terra. 2013;13(1):72-9.
  8. Pina A, Figueiredo AR, Campos A, Ferreira CP, Lopes I, Alves NF, et al. Arando na profilaxia das infecções urinárias recorrentes: revisão baseada na evidência. Rev Port Clin Geral. 2011;27(5):452-457.
  9. Raz R, Chazan B, Dan M. Cranberry juice and urinary tract infection. Clin Infect Dis. 2004 May 15;38(10):1413-9.
  10. Lavigne JP, Bourg G, Combescure C, Botto H, Sotto A. In-vitro and in-vivo evidence of dose-dependent decrease of uropathogenic Escherichia coli virulence after consumption of commercial Vaccinium macrocarpon (cranberry) capsules. Clin Microbiol Infect. 2008 Apr;14(4):350-5. doi: 10.1111/j.1469-0691.2007.01917.x
  11. De Llano DG, Esteban-Fernández A, Sánchez-Patán F, Martín lvarez PJ, Moreno-Arribas MV, Bartolomé B. Anti-Adhesive Activity of Cranberry Phenolic Compounds and Their Microbial-Derived Metabolites against Uropathogenic Escherichia coli in Bladder Epithelial Cell Cultures. Int J Mol Sci. 2015 May 27;16(6):12119-30. doi: 10.3390/ijms160612119.

 

 

Correspondência

Ludmila Pini Simões

Av. Guedner, nº 1610 – Jardim Aclimação

Maringá – PR, Brasil