Colonização por MRSA no projeto piloto do estudo SHIP-Brasil

MRSA colonization in the pilot project of the SHIP-Brazil study

 

Jéssica Cristina Feldhaus1                                     

Tatiane K. R. Botelho2,3                                  

Celina N. Yamanaka2                               

Alesandro Conrado S. Oiliveira3                     

João Gurgel C. Da Silveira4,5                        

Caio Mauricio Mendes de Cordova3,6

 

 

1Bolsista Pibic/CNPQ do curso de Farmácia da Universidade Regional de Blumenau – FURB – Blumenau, SC, Brasil.

2Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário/Ambulatório de Especialidades da FURB – Blumenau, SC, Brasil.

3Departamento de Ciências Farmacêuticas da FURB – Blumenau, SC, Brasil.

4Departamento de Odontologia da FURB – Blumenau, SC, Brasil.

5Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da FURB – Blumenau, SC, Brasil.

6Programa de Pós-graduação em Química da FURB. Campus III  – Blumenau, SC, Brasil.

 

Conflitos de interesse: Não há conflitos de interesse.

Suporte financeiro: Pibic/CNPq, FURB, FAPESC/PPSUS.

 

Artigo recebido em 06/11/2014

Artigo aprovado em 01/02/2016

 

 

Resumo

Objetivos: Staphylococcus aureus é um importante agente de infecções comunitárias e infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS). O que causa preocupação é o fato de que cepas de S. aureus resistentes à meticilina (MRSA) são claramente capazes de causar infecção em pessoas previamente saudáveis, facilitando ainda mais sua disseminação na comunidade. Estima-se que cerca de 30% dos indivíduos saudáveis sejam portadores de MRSA, embora estes valores possam ser superiores nos doentes hospitalizados e nos profissionais de saúde. Com este projeto, procurou-se identificar portadores de MRSA numa população saudável. Para realizar o presente estudo foi realizada amostragem com 42 indivíduos da fase piloto do estudo SHIP-Brasil. Métodos: O SHIP-Brasil é um estudo multicêntrico de base populacional que reproduz, na cidade de Pomerode, SC, de forte ascendência germânica, os mesmos métodos utilizados no estudo SHIP, na Pomerânia alemã, através de uma parceria entre a Universidade de Blumenau e a Universität Greifswald. Para a triagem de MRSA foi desenvolvido um protocolo para transporte e cultura de amostras de swab nasal. A detecção de Staphylococcus aureus foi feita por cultura em meio de agar manitol e confirmação da espécie com agar DNAse. Posteriormente, as cepas isoladas foram avaliadas, levando-se em consideração a resistência à cefoxitina. Resultados: Observou-se colonização nasal por S. aureus em vários indivíduos (17%), sendo que não houve confirmação de MRSA em nenhuma amostra da fase piloto. Conclusão: Desta forma, foi possível estabelecer a metodologia que busca avaliar o impacto dos fatores ambientais, sociais e genéticos associados à saúde e doença num grande estudo de base populacional.

 

Palavras-chave

MRSA; Staphylococcus aureus; Resistência microbiana a medicamentos; Meios de cultura

 

 

INTRODUÇÃO

 

Staphylococcus aureus é considerado parte da microbiota natural dos seres humanos, porém é um importante agente de infecções comunitárias e infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS). A relação entre colonização e infecção ainda não é compreendida em sua totalidade, mas sabe-se que está associada a fatores intrínsecos do hospedeiro e também à cepa de S. aureus que o mesmo está carreando.(1) O estudo multicêntrico SENTRY, realizado em hospitais brasileiros durante os anos de 2005 a 2008, coloca S. aureus como principal agente de infecção da corrente circulatória (20,2%), principal agente de infecções de pele e tecidos moles (28,1%) e segundo agente mais comum de pneumonia em pacientes hospita­lizados (24,9%).(2) Pode ser facilmente encontrado na pele e nas fossas nasais de indivíduos saudáveis. Embora as narinas apresentem o maior índice de coloni­zação, a disseminação pode ocorrer de qualquer dos sítios, provocando doença e transmissão a outros indivíduos.(3) É válido lembrar que, devido à sua capacidade de resistir ao frio, S. aureus consegue permanecer viável por longos períodos em partículas de poeira, o que torna sua distri­buição ainda mais ampla.(4)

Epidemiologicamente, as infecções relacionadas às cepas de CA-MRSA (Staphylococcus aureus resistente a meticilina adquiridas na comunidade), estão habitualmente associadas a crianças, jovens e pessoas saudáveis, espe­cialmente as que vivem aglomeradas ou que têm estrito contato físico umas com as outras. A grande maioria dos relatos na literatura relaciona atletas de esportes coletivos, indivíduos do serviço militar, encarcerados, usuários de drogas endovenosas, desabrigados e crianças de creches, sendo esses os indivíduos com risco aumentado de desenvolver infecções por CA-MRSA.(5)

Até no início da década de 90, os MRSA isolados estavam restritos a centros hospitalares. Porém, atualmente não pode mais ser associado somente às IRAS. Neste período, iniciaram os relatos de infecções por CA-MRSA em pacientes sem fatores de risco associáveis para aquisição de MRSA, ou seja, não tiveram contato direto ou indireto com serviço de saúde que pudesse justificar a infecção associada aos cuidados de saúde. Os CA-MRSA já foram descritos em vários locais do mundo, inclusive no Brasil.(6) Como já foi dito, as infecções provocadas por MRSA deixaram de ser um problema nosocomial e seu relato tem sido cada vez mais frequente na comunidade.

Um fato que causa preocupação é que as cepas mais recentes de MRSA são claramente capazes de causar infecção em pessoas previamente saudáveis, o que facilita ainda mais sua disseminação na comu­nidade.(3) Quanto à disseminação de HA-MRSA (MRSA em pacientes hospi­talizados), em vários estudos, este e outros microrganismos multirresistentes têm sido isolados tanto das mãos como das luvas, dos aventais e de outros instrumentos utilizados pelos profissionais de saúde envolvidos no atendimento de pacientes coloni­zados ou infectados por esses agentes.(1) Estes autores ainda afirmam que há relatos do isolamento de MRSA em teclados de computador utilizados exclu­sivamente por médicos, e ainda encontraram uma incidência de 42% de contaminação das luvas usadas por enfermeiros que não tinham contato direto com o paciente, mas que tinham tocado superfícies no quarto de um paciente infectado por MRSA. A higiene das mãos é uma das medidas mais básicas de controle de infecção e deve ser realizada antes e após o exame do paciente, antes de entrar no quarto de um paciente, antes e após o uso de luvas. Nota-se que o uso de luvas não substitui a lavagem das mãos.(3)

Inicialmente, pensou-se que o CA-MRSA tivesse sido transmitido do hospital para a comunidade. O estudo do perfil genético e da suscetibilidade aos antibióticos veio demonstrar que as estirpes apresentam diferenças entre estas duas origens. As estirpes da comunidade apre­sentaram resistência aos betalactâmicos, mas mantêm sensibilidade a muitos outros antibióticos como os do grupo das lincomicinas, os aminoglicosídeos, o trimeto­prim-sulfametoxazol, a rifampicina e as tetraciclinas, fato que não é comum nas estirpes hospitalares.(7)

Segundo Alvarez, o uso de culturas de vigilância ativa (Active Surveillance Cultures – ASC) representa a triagem dos pacientes no momento da internação hospitalar para identificar os portadores de MRSA (portadores prevalentes), seguido de exames periódicos para identificar os pacientes que adquirem MRSA durante a internação (casos inci­dentes). Vários estudos têm demonstrado que as ASC e as precauções de isolamento reduzem a transmissão de MRSA. Além disso, o controle a longo prazo do MRSA é possível. Estudos descreveram a erradicação completa de uma manifestação de MRSA por três anos em hospital após a implementação das ASC para identificar e isolar pacientes colonizados, sem levar em conta outras medidas (como a restrição do uso de certos antibióticos).(4)

Com a descoberta da penicilina, acreditava-se que a mortalidade por processos infecciosos não seria mais um problema. Apenas um ano após sua industrialização já apareciam as primeiras cepas de S. aureus produtoras de penicilinases. Para tentar contornar a situação, foram desenvolvidos derivados semissintéticos da penicilina, resistentes à ação das betalactamases: a oxacilina e meticilina. Os antimicrobianos betalactâmicos têm como sítios de ligação proteínas existentes na parede das células bacterianas, as proteínas ligadoras de penicilinas (PBP). Com o passar do tempo e com o uso crescente deste grupo de antimicrobianos, S. aureus desenvolveu um meca­nismo de resistência, promovendo a alteração estrutural destas PBPs, resultando numa proteína alterada chamada PBP 2a, com baixa afinidade de ligação aos antibióticos.(8)

Os mecanismos pelos quais S. aureus pode desen­volver resistência são muitos: bomba de efluxo, inati­vação de aminoglicosídios e modificação nas PBPs e, em especial, uma alteração em PBP-2, que confere resistência a todos os betalactâmicos, originando cepas MRSA. O elemento genético responsável pela produção de PBPs alteradas é o gene Meca.(3) A presença deste gene implica na resistência a todos os antimicrobianos betalactâmicos. Cepas de S. aureus com este mecanismo de resistência são chamados de Staphylococcus aureus meticilina resistentes (MRSA).

A tipagem SCCmec é considerada uma das ferra­mentas moleculares mais importantes para entender a epidemiologia e relação clonal de isolados de MRSA, e muitos estudos têm mostrado que o SCCmec é um veículo para genes de resistência aos antibióticos.(9)

Na clínica, o diagnóstico se baseia em uma combi­nação de informações epidemiológicas, sintomas clínicos e na caracterização da linhagem infecciosa de MRSA. A Rede de Monitoração/Vigilância para Resistência aos Antibióticos, estabelecida com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), fornece informações epide­miológicas sobre resistência bacteriana para toda a América Latina. Alguns países, como Argentina, Chile, Equador, Uruguai e Venezuela, contam com um controle de qualidade organizado para auxiliar a vigilância local; já em outros países, a capacidade de formulação de diagnósticos microbiológicos fica limitada a poucos hospitais universitários de grande porte nas cidades principais. Ressalta-se ainda que essas regiões contribuem com poucos dados, especialmente os relativos a MRSA adquirido na comunidade.(10)

O MRSA pode ser identificado laboratorialmente por métodos manuais, por métodos automáticos ou por testes rápidos, tais como meios cromogênicos, que podem, em 24 horas, dar indicação se a estirpe em estudo é sensível ou resistente à meticilina. Estes meios cromogênicos são muito utilizados nos hospitais dos países que têm uma abordagem de rastreio sistemático e detecção precoce de portadores. Estes kits industriais permitem a iden­tificação rápida e fiável (70% a 90%), embora sejam mais onerosos do que outros métodos.(7)

Diversos métodos têm sido utilizados para a detecção da resistência à oxacilina no Staphylococcus aureus, além dos meios cromogênicos. Essa detecção muitas vezes pode ser difícil, principalmente devido ao fenômeno da heterorresistência. Nos últimos anos, diversos autores têm demonstrado a boa acurácia do teste de disco-difusão com cefoxitina para o diagnóstico da resistência à oxacilina em estafilococos. Para S. aureus, os testes com disco de cefoxitina seriam, no mínimo, comparáveis em acurácia aos testes com discos de oxacilina, porém, em geral, o primeiro tem leitura mais fácil, devido ao maior halo e à possibilidade de ser lido utilizando luz refletida, e não transmitida, como no caso do disco de oxacilina, conforme preconiza o Clinical and Laboratory Standarts Institute (CLSI). Neste caso, vale lembrar que o disco de cefoxitina tem a finalidade de detectar resistência à oxacilina e não à própria cefoxitina, embora, caso resistente à cefoxitina, o resultado deve reportar resistência à oxacilina e à cefoxitina.(11)

Outro teste que pode ser utilizado para detecção da resistência com acurácia geralmente excelente é o teste de screening, com placa contendo agar Muller-Hinton suplementado com 4% de NaCl e 6 µg/ml de oxacilina. Este teste tem a vantagem de ser de baixo custo, sobretudo quando se deseja testar vários isolados ao mesmo tempo e apenas para oxacilina, por exemplo, em estudos de vigilância. Há também testes para a deter­minação da concentração inibitória mínima (CIM) da oxacilina, incluindo métodos de diluição em agar e em caldo (macro e microdiluição), e de gradiente de difusão em agar (Etest). A detecção do gene mecA por métodos moleculares é considerada o método gold standard para a avaliação qualitativa da resistência à oxacilina. No entanto, esse método não está amplamente disponível nos laboratórios. Um método com acurácia de 100% é a detecção do produto do gene mecA, a PBP2a, por meios de métodos de aglutinação em látex. Contudo, esses testes ainda são pouco difundidos e utilizados, princi­palmente devido ao seu custo.(12)

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A população do SHIP-Brasil constitui-se de amos­tragem aleatória simples por sete estratos de faixa etária e sexo a partir de 20 anos com intervalos de dez anos, considerando a população por sexo de cada faixa etária, prevalência de 50%, precisão de 5% (IC de 95%), 20% para perdas e 20% para análise de confundimento, totalizando 3.091 pessoas da população de 27.759 habitantes de Pomerode (IBGE 2010). Para compensar perdas e dificuldades com recrutamento e adesão, a população a ser estudada foi aumentada para 4 mil indivíduos. Foram incluídos no estudo os indivíduos que residem no município há pelo menos seis meses e possuem 20 anos de idade ou mais. Foram excluídos do estudo os indivíduos que possuem qualquer limitação de ordem física ou mental que os impeça de responder os questionários ou realizar exames ou se recusar a assinar o TCLE. O estudo foi protocolado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos – CEPH, sob o nº 033/12 em 14 de junho de 2012.

A padronização e triagem de MRSA foi realizada na população da fase piloto do estudo, constituída de 42 indivíduos (homens e mulheres) sadios, com faixa etária dos 20 aos 60 anos, residentes em Pomerode, SC, por pelo menos seis meses. O estudo SHIP-Brasil com­preende ainda um amplo questionário geral com variáveis socio­econômicas, demográficas, de estilo de vida, médico-assistenciais e mentais. Inclui ainda exames de ultras­sonografia de coração, tiroide e carótidas, abdômen total e de calcâneo (para estimativa de risco de fratura óssea), além de vários exames laboratoriais.

No presente trabalho foram utilizadas amostras de swab nasal. As amostras foram armazenadas a -80°C após a cultura, e os resultados serão comparados com as demais informações coletadas no estudo.

Os procedimentos operacionais padrão (POPs) foram elaborados de forma clara e objetiva, contendo o protocolo realizado desde a coleta, processamento, identificação e armazenamento das amostras. A coleta foi realizada por integrantes do estudo SHIP entre junho a julho de 2014.

Com um swab de algodão estéril, o responsável pela coleta inseriu-o na narina do indivíduo e, em seguida, girou para então raspar a mucosa nasal. Em seguida, o swab foi inserido em um tubo tipo falcon contendo 2 mL de salina fosfatada tamponada estéril, pH 7,4 (PBS), armazenado a 4ºC por no máximo 24 horas para cultura.

A detecção de S. aureus foi feita por cultura das amostras de swab nasal em placas descartáveis com meio agar Sal Manitol (HiMedia Labs, Mumbai, Índia). Esta placa foi incubada em estufa microbiológica por 36 horas.

As placas com crescimento bacteriano foram subme­tidas ao teste de DNAse. O teste de DNase é usado para detectar a degradação do ácido desoxirribonucleico (DNA), contido no meio de cultura, por bactérias que possuem uma enzima extracelular, a desoxirribonuclease, res­pon­sável pela reação. Caso o teste revele resultados negativos, descarta-se a amostra; se o resultado é positivo prosse­gue-se com o antibiograma.

A detecção de MRSA se deu através de inoculação da amostra em placas descartáveis contendo agar Muller Hinton (Oxoid, São Paulo, Brasil), com disco de cefo­xitina. Cepas apresentando halos com diâmetro menor que 19 mm são consideradas MRSA; cepas com halo de diâmetro maior são consideradas S. aureus sensíveis à meticilina.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

O primeiro desafio deste projeto foi desenvolver POPs que garantissem a qualidade dos procedimentos. Como estratégia para a garantia da qualidade e na tentativa de manter os processos livres de falhas, as organizações passaram a padronizar suas atividades.(13) O conceito e a importância do termo padronização têm sido relatados desde a Revolução Industrial como o processo de subs­tituição da força humana pela força da máquina, sendo que a padronização dos processos de fabricação tinha o objetivo de se obterem produtos mais uniformes, com aumento de produção e qualidade do serviço.(14)

Assim como em diversos setores, na saúde também há preocupação com a qualidade da prestação dos serviços e em atingir seus objetivos de restabelecer a saúde, solucionar problemas e equilibrar disfunções, atendendo as expectativas e necessidades dos usuários e serviços. Com o objetivo de organizar as funções de microbiologia através da padronização, é necessário compreender o processo com o auxílio de uma representação siste­ma­tizada, como o Procedimento Operacional Padrão (POP), que descreve detalhadamente os passos a serem desen­volvidos para adequar e assegurar a qualidade da técnica.(14)

Das 42 amostras analisadas na fase piloto do estudo SHIP-Brasil, sete tiveram possível identificação de Staphy­lococcus aureus (Figura 1). Destas, apenas quatro foram confirmadas (Figura 2) e em nenhuma amostra foi detectada resistência, ou seja, nenhuma das 42 amostras confirmou presença de MRSA.

 

 

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Figura 1. Amostras com resultado positivo para Staphylococcus aureus por triagem em agar manitol.

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Figura 2. Porcentagem de positividade nos testes de confirmação da espécie bacteriana por semeadura em agar DNAse

 

 

As doenças infecciosas estão entre as dez morbi­dades mais frequentes, responsáveis pelas mortes obser­vadas na população brasileira, com base em dados de 2009 (4,3%). Entretanto, as informações disponíveis atualmente não objetivam o assunto em questão, há uma abordagem dos vários MRSA existentes, mas poucos estudos que tratem especificamente do CA-MRSA. O S. aureus tem sido sempre capaz de resistir aos antibióticos desenvolvidos pelas empresas farmacêuticas durante os últimos 50 anos, e é quase certo que, mesmo no futuro, nunca estaremos livres de sua ameaça.(15)

A falta de estudos de prevalência é um fator limitante do conhecimento da epidemiologia local relacionada ao CA-MRSA. Um aspecto importante que pode facilitar o conhecimento da existência dessas cepas circulantes é o cultivo laboratorial de infecções de pele e tecidos moles em locais de atendimento primário, como as unidades de emergência dos hospitais, ou em centros de assistência dermatológica. Assim, com a identificação do micror­ganismo e a realização do teste de suscetibilidade, poderá ser instituído um tratamento apropriado e direcionadas as medidas de controle para esse patógeno.(3)

Uma vez que as cepas de MRSA são introduzidas em um hospital torna-se difícil a sua erradicação. Esta revisão atenta para o fato de que é importante a sensi­bilização do governo, hospitais e pessoal de saúde quanto à importância de se estabelecerem treinamentos na educação à saúde. É necessário o estímulo ao uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) na tentativa de se evitar a transmissão destas cepas a indivíduos hospitalizados, principalmente os imunocomprometidos, à equipe e aos visitantes, minimizando a ocorrência de infecções hospitalares.(16)

Se a pressão da seleção continuar e o controle destas infecções forem ineficazes, a propagação da resis­tência continuará a se espalhar e haverá mais organismos que são totalmente resistentes aos antibióticos atualmente disponíveis. Para se evitar isto, será necessário mudar os comportamentos atuais como o diagnóstico e a tera­pêutica.

Estima-se que cerca de 30% dos indivíduos saudá­veis sejam portadores, embora estes valores possam ser superiores nos doentes hospitalizados e nos profissionais de saúde.(7)

Em Portugal, Staphylococcus aureus constitui um agente endêmico nas instituições de prestação de cui­dados de saúde. A taxa de resistência à meticilina, que atualmente ronda os 50%, tem permanecido elevada, e as recomendações existentes parecem não conseguir travar esta progressão.(7) Tanto que, em 2008, foi lançado o Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecção e Resistência aos Antimicrobianos, que tem como principal objetivo a vigilância contínua da infecção hospitalar, do consumo de antibióticos e da incidência de micror­ga­nismos multirresistentes, de modo que a taxa de bacte­remias por MRSA no total, em 2015, deve ser menos que 90% da taxa de bacteremias por MRSA em 2012.(17)

Um estudo multicêntrico, realizado na Argentina, demonstrou uma alta prevalência de Staphylococcus aureus resistente à meticilina, isolado de infecções em crianças provenientes da comunidade. Dentre as 447 amostras analisadas nos anos de 2006 e 2007, 281 se encaixavam nos critérios definidos para CA-MRSA. O estudo enfatiza uma revisão urgente na terapia antimi­crobiana empírica realizada para o tratamento de lesões de pele em crianças oriundas da comunidade. A elucidação das infecções causadas por cepas de CA-MRSA é de interesse especial aos dermatologistas, já que tem alta probabilidade de se apresentar como infecção de pele e tecidos moles.(18) Em 2003, no Missouri, EUA, um estudo realizado entre jogadores profissionais de futebol ameri­cano demonstrou a presença de MRSA em lesões de pele em cinco de 58 jogadores do time.(5)

Segundo Ferreira et al., os estudos no Brasil revelam diferentes frequências desse patógeno tanto de origem hospitalar quanto comunitária; no Rio Grande do Sul, detectaram-se 32,7% de isolados de S. aureus resistentes à oxacilina em pacientes internados em hos­pital de Caxias do Sul; já na comunidade observaram-se 7,5% de CA-MRSA; em Recife, identificou-se a taxa de prevalência de 13% desta bactéria em amostras de paci­entes de UTI; na cidade de Salvador (BA), há relatos de prevalência de 28% de MRSA; na Europa, a prevalência de MRSA oscila entre menos de 1% no norte até mais de 40% no sul e oeste; na Espanha, a resistência dos S. aureus à amoxicilina aumentou de 1,5%, em 1986, para 32,2% em 2002; nos Estados Unidos, pesquisas realizadas em diferentes cidades identificaram taxas de incidência de 31,8/100.000 habitantes de MRSA invasivos com mortalidade de 6,3/100.000 habitantes; em cidades como Minessota, Portland e Atlanta, a frequência relatada dessas bactérias foi de 8% a 20%; já no Canadá, dados do programa de vigilância de infecção hospitalar têm revelado como a ocorrência de MRSA pode sofrer variações no país: 26% no oeste, 70% na região central e 4% no leste. O fato em comum é que há um evidente aumento da prevalência global deste gênero, seja ele de origem hospitalar ou de infecções comunitárias.(19)

As infecções causadas por essa bactéria frequen­temente acometem a pele e tecido subcutâneo, sendo muito comum sua associação com dispositivos e aparelhos implantados, especialmente em pacientes cujo sistema imunológico encontra-se debilitado, bem como em crian­ças e idosos(4) Algumas dessas infecções têm caráter agudo e podem gerar focos metastáticos, disseminando para outros tecidos. Há ainda o risco de infecções mais graves como bacteremia, pneumonia, osteomielite, endo­cardite, miocardite, pericardite, meningite, abscessos musculares e cerebrais.(3) É válido lembrar que estes últimos são episódios frequentemente associadas com alta morbidade e mortalidade.

 

CONCLUSÃO

 

O uso indiscriminado de antimicrobianos é um fator determinante no surgimento de microrganismos multirre­sistentes e, por conseguinte, na elevação dos custos das internações. As principais circunstâncias que levam à utilização inadequada de antimicrobianos são o desco­nhecimento das doenças infecciosas, a imprecisão do diagnóstico e a não conscientização dos profissionais acer­ca da seriedade do problema da resistência bacteriana.(20)

É importante lembrar que o uso indiscriminado de antibióticos para uso veterinário cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Em 2009, 80% dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos foram usados em fazen­das.(21)

Entretanto, não se conhece completamente quais os fatores que levam à colonização por MRSA na comunidade. Seriam apenas pessoas que tiveram contato com serviços hospitalares, ou com pessoas que usaram esses serviços? Haveria fatores sociais, nutricionais e ambientais relacionados? Haveria uma predisposição genética para essa colonização e outros fatores que predis­poriam à doença?

Estudos como o SHIP-Brasil têm o potencial de trazer à luz novas informações sobre os fatores associados à colonização por MRSA na comunidade.

 

Agradecimentos

Ao Institut für Community Medicine – Universität Greifswald

 

Abstract

Objectives: Staphylococcus aureus is a major agent of community-acquired infections and related health care infections (IRAS). In the 1950s, the production of b-lactamases by S. aureus began to predominate in strains isolated from hospitalized patients. In 1960, methicillin was launched in the market as an alternative therapy for b-lactamase-producing strains, since this drug does not undergo the action of this enzyme. However, in the 1990s, reports of methicillin-resistant strains also came to be described and identified and called methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA). What causes concern is the fact that MRSA strains are clearly capable of causing infection in previously healthy people, further facilitating its spread in the community. It is estimated that about 30% of healthy individuals are carriers of MRSA, although these values may be higher in hospitalized patients and health professionals. With this project, we sought to identify MRSA carriers in a healthy population. Methods: To perform this study, sampling was conducted with 42 individuals from the pilot phase of SHIP-Brazil study. The SHIP-Brazil is a multicenter population-based study, which replicates in the city of Pomerode,SC, with strong German descent, the same methods used in the SHIP study in German Pomerania, through a partnership between the University of Blumenau and the Universität Greifswald. For screening of MRSA a protocol was developed to obtain and transport nasal swab samples for culture. The detection of Staphylococcus aureus was performed by culture in mannitol salt agar and confirmation of the species in DNAse agar. Subsequently the isolates were evaluated taking into account the resistance to cefoxitin. Results: We have observed nasal colonization by S. aureus on various subjects (17%), and there was no confirmation of MRSA in any sample of the pilot phase. Conclusion: Thus, we established a methodology to assess the impact of environmental, social and genetic factors associated with health and disease in a large population-based study.

 

Keywords

MRSA; Staphylococcus aureus; Bacterial drug resistance; Culture media

 

 

Referências

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Correspondência

Caio Mauricio Mendes de Cordova

Programa de Pós-graduação em Química da FURB. Campus III

 Rua São Paulo, 2171 – Itoupava Seca

89030-000 – Blumenau, SC, Brasil

cmcordova@furb