Diagnóstico histopatológico diferencial entre hanseníase e leishmaniose tegumentar americana em pacientes de um hospital público em Recife-PE

Differential histopathological diagnosis between leprosy and American tegumentary leishmaniasis in patients of a public hospital in Recife-PE

 

Jessica Juliana do Nascimento1

Pryscilla Layanna Bezerra de Carvalho2

Francisca Janaina Soares Rocha3

1Bacharel em Ciências Biológicas. Universidade de Pernambuco (UFPE) – Recife-PE, Brasil.
1Biomédica. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – Recife-PE, Brasil.
2Doutora. Professora Associada. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – Recife-PE, Brasil.

Instituição: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – Recife-PE, Brasil.

Recebido em 29/06/2018
Artigo aprovado em 27/06/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900749

INTRODUÇÃO

A Leishmaniose tegumentar americana (LTA) é uma doença infectoparasitária que acomete o homem e algumas espécies de animais silvestres e domésticos.(1)

É uma das doenças infecciosas de maior incidência no mundo, de 1 a 1,5 milhão de casos anualmente. No Brasil, de 1980 a 2013 foram notificados 789.278 casos da doença. É uma doença que acomete a pele e as mucosas e manifesta-se em formas distintas.(2-4)

A forma cutânea apresenta lesões indolores com formatos arredondados ou ovalados, a base eritematosa, fundo granuloso e de cor vermelha, e bordas bem delimitadas e elevadas, e a forma mucosa apresenta lesões destrutivas localizadas nas mucosas das vias aéreas superiores.(1)

O diagnóstico se faz com a associação de aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais para se chegar ao diagnóstico final devido à sua similaridade com outras patologias, como a hanseníase.(4)

Os exames laboratoriais mais empregados para o diagnóstico da LTA são a pesquisa do protozoário, que pode ser realizada através dos métodos de exame direto de esfregaços corados, que é o padrão ouro atualmente, por cultura ou exame histopatológico. O diagnóstico histopato­lógico é importante para o diagnóstico diferencial.(5)

A hanseníase também é uma doença infecto­conta­giosa crônica, causada pelo Mycobacterium leprae, que possui alta infectividade.(1,6) A doença acomete pele, mucosa nasal e nervos periféricos e possui um amplo espectro de manifestações clínicas de acordo com a resposta imune do indivíduo frente aos bacilos. As manifestações podem possuir diversas formas e, ao longo dos estudos, foram separadas de acordo com diversas classificações conforme a resistência ou susceptibilidade do indivíduo infectado. Todas as formas da doença apresentam manifestações neurológicas de maior ou menor grau, e manifestações derma­tológicas. As lesões na pele podem ser máculas pálidas e anestésicas, infiltrações difusas da pele ou nódulos infiltrados eritematosos; as manifestações neurológicas podem ser na forma de infiltração e espessamento de nervos, anestesia, parestesia, neurites, encurtamento dos dedos e úlceras tróficas.(7-9)

O diagnóstico é realizado principalmente por meio do perfil clínico com base na presença de lesões na pele, espessamento neural e perda de sensibilidade. É avaliado também o perfil epidemiológico do paciente, e, quando necessário, realizam-se exames de baciloscopia e análise histopatológica. Após a análise clínica é realizada a biópsia de pele ou mucosas nasais, na área onde está a lesão, sendo coletadas as amostras da borda da lesão e coradas a partir da técnica de Ziehl-Neelsen.(1,10,11)

Tanto a LTA como a hanseníase são doenças de grande importância na saúde pública. O diagnóstico precoce é importantíssimo, pois poderá levar à completa remissão sem sequelas, com a administração do tratamento adequado. A avaliação histopatológica dessas enfermidades funciona como uma importante ferramenta para diferenciá-las de outras dermatoses que apresentam as mesmas características clínicas, sendo eficaz na evolução da terapêutica e para fins prognósticos.

Dada a importância desse diagnóstico diferencial, esse trabalho se propôs analisar biópsias de pele de pacientes com suspeita de hanseníase e LTA atendidos no serviço de dermatologia do Hospital das Clínicas, Recife-PE.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Trata-se de um estudo de caráter retrospectivo, transversal, descritivo, qualitativo. Foram analisadas biópsias de pele de pacientes com suspeita de hanseníase e/ou LTA, atendidos no serviço de dermatologia do Hospital das Clínicas, Recife-PE, no período de janeiro de 2016 a abril de 2018.

Os dados da pesquisa foram coletados e analisados a partir de informações clínicas obtidas através dos prontuários e fichas clínicas dos pacientes.

Cortes histológicos de blocos parafinizados de pele e/ou mucosas dos pacientes foram feitos na espessura de 5 µm, processados e corados por técnicas específicas, dependendo da suspeita diagnóstica do paciente. A confirmação da presença de M. leprae foi feita pela coloração específica Ziehl-Neelsen,(8) enquanto que para LTA, além da visualização eventual de amastigotas intra­celulares, coradas pela técnica de hematoxilina-eosina,(4) a confirmação se deu pela reação em cadeia de polime­rase (PCR).

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universi­dade Federal de Pernambuco (CAAE: P. 51426415.0.0000. 5208 e CAAE: 88560218.8.0000.5208).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Os dados obtidos no estudo corresponderam aos atendimentos de pacientes com suspeita diagnóstica de hanse­níase e LTA, atendidos no serviço de dermatologia do Hospital das clínicas, em Recife, Pernambuco, no período entre janeiro de 2016 a abril de 2018. Durantes esses dois anos foram avaliados 46 pacientes com suspeita de hanseníase e/ou LTA. As idades variaram entre 13 a 90 anos, 22 pacientes eram do sexo feminino e 24 do sexo masculino. Dentre esses 46 pacientes, havia 25 com suspeita de leishma­niose, sendo que apenas 10 tiveram diagnóstico confirmado para Leishmania braziliensis e 12 (26%) foram confirmados com hanse­níase.

A análise histopatológica das biópsias cutâneas dos pacientes com diagnóstico confirmado de hanseníase mostrou padrões reacionais específicos para cada forma clínica (Figuras 1 a 11).

Com base na literatura pertinente,(11) confirmou-se nesse estudo a presença de um leve infiltrado de histió­citos e linfócitos, de localização perianexial, e perineural, nos casos de hanse­níase indeterminada (Figuras 1 a 6), enquanto que na hanse­níase tuberculoide (Figuras 7, 10 e 11) modificou-se o padrão reacional, onde os macró­fagos e histiócitos se diferenciaram em células epitelioi­des e juntaram-se para formar os granulo­mas, os quais às vezes produziam atrofia na epiderme.

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Figura 1. Dermatite linfocitária profunda (10X)  com forma indeterminada de hanseníase.

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Figura 2. Dermatite linfocitária profunda perianexial (40X) com forma indeterminada de hanseníase.

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Figura 3. Dermatite linfocitária profunda perivascular (40X) com forma indeterminada de hanseníase.

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Figura 4. Dermatite linfocitária superficial (10x) observada em paciente com forma indeterminada de hanseníase atendido em hospital público.

 

 

 

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Figura 5. Dermatite linfocitária superficial (40x) observada em paciente com forma indeterminada de hanseníase atendido em hospital público.

 

 

 

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Figura 6. Dermatite linfocitária profunda com agressão neural (40x) observada em paciente com forma indeterminada de hanseníase atendido em hospital público (Recife, PE).

 

 

 

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Figura 7. Hanseníase de padrão virchowiano (10x) observada em paciente com hanseníase atendido em hospital público de Recife-PE.

 

 

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Figura 10. Dermatite granulomatosa profunda com agressão neural (40x) observada em paciente com hanseníase atendido em hospital público de Recife-PE.

 

 

 

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Figura 11. Dermatite granulomatosa sem necrose (40X) observada em paciente com Leishmaniose Tegumentar por L. braziliensis atendido em hospital público de Recife-PE.

Nos casos de hanseníase virchowiana observou-se a presença de macrófagos carregados de bacilos que apresentavam citoplasma vacuolar e espumoso, com degeneração lipídica, a célula de Virchow. Os macrófagos pareciam ser incapazes de eliminar os bacilos e globias, resultando no contínuo afluxo de histiócitos. Os linfócitos eram raros. (Figuras 8 e 9)

A histopatologia de LTA mostrou uma variedade de padrões reacionais na epiderme e na derme, como já descrito por outros autores,(1) revelando a presença de um infiltrado inflamatório polimorfo, com predominância de macrófagos, linfócitos e neutrófilos, reação inflamatória granulomatosa na derme profunda, às vezes acompanhada de necrose, além de padrões de recuperação do tecido por formação de fibrose cicatricial (Figuras 12 e 13)

 

 

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Figura 8. Hanseníase de padrão virchowiano (40x) observada em paciente com hanseníase atendido em hospital público de Recife-PE.

 

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Figura 9. Dermatite granulomatosa profunda (10x) observada em paciente com hanseníase atendido em hospital público de Recife-PE.

 

A histopatologia de LTA mostrou uma variedade de padrões reacionais na epiderme e na derme, como já descrito por outros autores,(1) revelando a presença de um infiltrado inflamatório polimorfo, com predominância de macrófagos, linfócitos e neutrófilos, reação inflamatória granulomatosa na derme profunda, às vezes acompanhada de necrose, além de padrões de recuperação do tecido por formação de fibrose cicatricial (Figuras 12 e 13).

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Figura 12. Infiltrado inflamatório na derme profunda (40X) em paciente com Leishmaniose Tegumentar por L. braziliensis atendido em hospital público de Recife-PE.

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Figura 13. Fibrose cicatricial de úlcera crônica ativa (10X) em paciente com Leishmaniose Tegumentar por L. braziliensis atendido em hospital público de Recife-PE

 

Apesar das alterações histopatológicas serem condizentes com a resposta do hospedeiro frente a Leishmania, apenas 40% dos pacientes com suspeita clínica de LTA tiveram seu diagnóstico confirmado para Leishmania braziliensis, o que mostra que nenhuma técnica isolada de diagnóstico é 100% eficiente. Faz-se necessário, portanto a utilização de mais de duas técnicas de diagnóstico labora­torial para essa doença, além dos dados eco­epidemio­lógicos e a supremacia do diagnóstico clínico.(12)

 

CONCLUSÕES

 

A análise histopatológica pode confirmar o diagnóstico e fazer a diferenciação de outras doenças de características clínicas semelhantes, além de poder definir o grupo ou subgrupo da doença. Esta análise, tanto na LTA quanto na hanseníase, pode servir como ferramenta diagnóstica complementar e contribuir na compreensão da patogênese e prognóstico dessas patologias.

 

 

Abstract

Objective: To analyze the skin biopsies of patients with suspicion of leprosy and LTA treated at the dermatology department of a public hospital in Recife-PE. Methods: This was a cross-sectional, descriptive and qualitative retrospective study of skin biopsies of patients with suspected leprosy and/or ACL, treated at the dermatology department of the Hospital das Clínicas, Recife, period from January 2016 to April 2018. Results: A total of 46 patients with suspected leprosy and/or LTA were attended, ages ranged from 13 to 90 years, 22 were female and 24 were male. Among these 46 patients, 25 (54%) with suspected leishmaniasis, with 10 (40%) confirmed positive for Leishmania braziliensis by PCR, and 12 (26%) confirmed for leprosy. Conclusion: The histopathological analysis contributed for confirmation and differential diagnosis of leprosis and cutaneous leishmaniasis, moreover it served to help in the differentiation of other diseases with similar clinical characteristics.

 

Keywords

Leprosy; cutaneous Leishmaniasis; histopathology

 

 

REFERÊNCIAS

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância em saúde. Brasília, 2017. 706 p.
  2. Martins AL, Barreto JA, Lauris JR, Martins AC. American tegumentary leishmaniasis: correlations among immunological, histopathological and clinical parameters. An Bras Dermatol. 2014;89(1):52-8.
  3. Oliveira RZ, Oliveira LZ, Lima MVN, Lima AP, Lima RB, Silva DG, et al. Leishmaniose tegumentar americana no município de Jussara, estado do Paraná, Brasil: série histórica de 21 anos. Revista de Saúde Pública do Paraná. Londrina, v. 17, n. 2, p. 59-65, 2016.
  4. Gontijo B, Carvalho MLR. Leishmaniose tegumentar americana. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. [Internet]. 2003;36(1):71-80. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0037-86822003000100011&lng=pt.
  5. Araújo AIF. Avaliação do método de coleta através do swab para o diagnóstico molecular da leishmaniose tegumentar americana em pacientes de áreas endêmicas de Pernambuco, Brasil. 2013. 92 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Saúde Pública) – Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Recife, 2013.
  6. Mendonça VA, Costa RD, Melo GEBA, Antunes CM, Teixeira AL. Imunologia da hanseníase. An. Bras. Dermatol. [Internet]. 2008; 83(4):343-350. Available from: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962008000400010&lng=en.
  7. Romão ER, Mazzoni AM. Perfil epidemiológico da hanseníase no município de Guarulhos, SP. Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 1, p. 22-27, 2013.
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  9. Gonçalves A. Realidades do controle da hanseníase: atualizando cenários. Rev Bras Epidemiol. 2013; 16(3): 611-21.
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  11. Obadia DIL, Verardino G, Alves MFG. Hanseníase: correlação clínico-histopatológica. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 20-23, 2011.
  12. Vasconcelos PP, Araújo NJ, Rocha FJS. Ocorrência e comportamento sociodemográfico de pacientes com leishmaniose tegumentar americana em Vicência, Pernambuco, no período de 2007 a 2014. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v. 38, n. 1, p. 105-114, 2017.

 

 

Correspondência

Francisca Janaina Soares Rocha

Prof. Moraes Rego, S/N – Cidade Universitária

50670-420 – Recife-PE, Brasil