A fase pré-analítica na gestão da qualidade em medicina laboratorial: uma breve revisão

The pre-analytical phase in laboratory medicine quality management: a brief overview

Natalia Gomes Boechat1
Patrick Menezes2

 

1  Farmacêutica com habilitação em Homeopatia, Instituto Federal do Rio de Janeiro – IFRJ, especialista em Análises Clínicas e Diagnóstico in vitro, Fundação Técnico Educacional Souza Marques – FTESM – (Farmacêutica de varejo). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

2  Biólogo Clínico. Doutorando no Instituto de Bioquímica Médica (UFRJ), Mestre em Medicina Laboratorial (UERJ), MBA Executivo em Saúde (UCAM), Especialista em Ciências do Laboratório Clínico (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

Recebido em 25/09/2021

Aprovado em 21/12/2021

DOI: 10.21877/2448-3877.202102187

 

 

INTRODUÇÃO

 

O principal objetivo do laboratório clínico é garantir um atendimento eficiente e seguro, fornecendo laudos confiáveis em menor tempo possível para direcionar a conduta clínica da equipe sobre a condição de saúde do paciente.(1) Para isso, essas instituições obedecem a normas e programas que visam reduzir os erros ou mesmo evitá-los, porém eles ainda se fazem presentes, podendo comprometer o resultado do exame e, por consequência, o cuidado ao paciente.(2)

De acordo com Plebani,(3) erro laboratorial é qualquer problema na realização do exame e que gere um resultado inapropriado ou uma interpretação equivocada, ou seja, uma falha ocorrida em qualquer fase do ciclo laboratorial, desde a solicitação médica até a interpretação e a reação do médico com o resultado recebido.

A metodologia laboratorial costuma ser dividida em três fases. São elas: pré-analítica, que compreende tudo que precede o ensaio laboratorial; analítica, que começa com a validação do sistema analítico e termina quando a determinação analítica gera um resultado; e pós-analítica, que abrange os procedimentos executados após a realização do exame.(4)

Observa-se na Tabela 1 a definição e caracterização de cada fase do processo laboratorial, podendo ocorrer erros em cada uma destas etapas afetando diretamente a qualidade e a confiabilidade do resultado.

tabela 1Fonte: Adaptado de Menezes(5), apud Bonini et al.(6)

Dessa forma, o presente artigo traz para o centro da discussão a fase pré-analítica na área de saúde e Medicina Laboratorial. Esta fase pode sofrer interferências de variáveis biológicas e de erros, os quais podem ocorrer em diversas etapas: na requisição do exame, na orientação da coleta do material ao paciente, na obtenção da amostra biológica e após a coleta, nas etapas de acondicionamento, transporte e triagem da amostra.(7)

Durante a busca do material bibliográfico, percebeu-se que trabalhos recentes conseguiram demonstrar que é na fase pré-analítica que ocorre a maior parte dos erros, os quais, normalmente, são oriundos da elevada rotatividade de pessoal do laboratório, negligência, falta de entendimento sobre boas práticas em laboratório, treinamento ineficiente(8,9) e falta de orientação aos pacientes sobre os procedimentos que serão realizados. Alguns estudos constataram que a fase pré-analítica é a mais vulnerável a erros, sendo responsável por, aproximadamente, 60% a 90% dos erros laboratoriais em consequência da falta de padronização.(9) Lima-Oliveira(10) ressalta que uma outra explicação plausível para essa situação é que há muitas pessoas envolvidas nesta etapa. Apesar do gradativo processo de automatização laboratorial, não há como substituir a figura dos coletadores (flebotomistas), por exemplo, do processo de coleta do material utilizado para análise.

Para que o laboratório clínico possa atender adequadamente o seu objetivo, é indispensável que todas as fases do atendimento ao paciente sejam desenvolvidas e que sejam seguidas dos mais elevados princípios de correção técnica, considerando a existência e a importância de diversas variáveis biológicas que influenciam, significativamente, a qualidade final do trabalho.(11)

A missão fundamental da análise laboratorial é proporcionar informações que contribuam para a prevenção, o diagnóstico, o prognóstico e o acompanhamento das patologias e estado metabólico dos pacientes. Essas informações são obtidas através da determinação da concentração do(s) analito(s) de interesse presente(s) nos fluidos biológicos. Deste modo, a integridade do material biológico é um importante fator pré-analítico capaz de afetar a precisão e a utilidade clínica dos exames laboratoriais.(12)

Através desta revisão, pode-se perceber que a Medicina Laboratorial mudou bastante nos últimos anos. Guimarães e colaboradores(9) esclarecem que os testes laboratoriais estão cada vez mais aprimorados e, com o avanço tecnológico na área da saúde, os reagentes e equipamentos laboratoriais proporcionam resultados cada vez mais específicos e em menor tempo; por estas facilidades, os médicos aumentaram consideravelmente a solicitação de exames. Entretanto, as falhas no diagnóstico podem comprometer significativamente a segurança do paciente em condições clínicas normais e aqueles em situações clínicas graves, porque é com base nessa informação científica e tecnológica que muitas decisões são tomadas.

Assim, pode-se inferir que os erros diagnósticos ameaçam a segurança dos pacientes, comprometendo os tratamentos, o que pode causar um agravamento dos quadros clínicos. Além disso, problemas na esfera judiciária também podem ocorrer. Uma grande parte das reivindicações judiciais, por exemplo, se deve a erros na fase pré-analítica. Em função disso, a qualidade no laboratório é fundamental para minimizar esses erros, pois leva a uma maior eficácia tanto para o médico quanto para o paciente.(9)

O objetivo primordial deste estudo é investigar a relevância dos erros e dos interferentes pré-analíticos e discutir quais os impactos que tais fatores podem gerar na área de Medicina Laboratorial.

 

MATERIAL E MÉTODO

 

Utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, a qual foi realizada a partir da análise criteriosa de materiais já publicados na literatura e de artigos científicos divulgados no meio eletrônico. As pesquisas foram feitas nas bases de dados do Google Acadêmico, do Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), do Scopus® (que inclui MEDLINE e Embase®), do ISI Web of Knowledge®, do SciFinder®, do Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) (que inclui a Scientific Eletronic Library Online – SciELO) e o do Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências de Saúde (IBECS). Elegeu-se como critério para a busca os trabalhos publicados entre 2002 e 2021 e que estivessem escritos nos idiomas português e inglês. Para se buscar os dados, foram utilizados os seguintes descritores para refinamento da amostra: “Análises clínicas”, “Fase pré-analítica”, “Variáveis pré-analíticas”, “Erro laboratorial”, “Erros pré-analíticos”, “Interferentes pré-analíticos”, além de seus correspondentes na língua inglesa – “Health”; “Pre-analytical phase”; “Pre-analytical variables”; “Laboratory errors”, “Pre-analytical errors”, “Pre-analytical interferances”. Foram excluídos livros (E-books), prospectos de materiais de divulgação de empresas consolidadas no ambiente laboratorial e hospitalar e artigos escritos em outros idiomas que não fossem o inglês e o português. Após a captura do material restante, foi feita uma análise dos títulos e dos conteúdos, onde foram excluídos os que não se encaixavam no tema proposto e/ou não corresponderam ao objetivo em comum, obtendo-se uma amostra final de 23 trabalhos, os quais participaram da construção desta revisão.

 

RESULTADOS

 

De forma geral, os trabalhos encontrados têm como objetivo discutir os principais erros e os principais interferentes que podem ocorrer na fase pré-analítica e analisar como isso influencia na rotina do laboratório clínico até a emissão do laudo. Para discutir o tema proposto, foram revisados 23 trabalhos científicos (tanto trabalhos originais quanto de revisão), cujas principais características podem ser encontradas na Tabela 2.

 

 

Tabela 2 – Resumo dos principais resultados encontrados em cada artigo selecionado para a revisão

Autor/Ano Título Principais resultados
Saramela MM, Fernandes, TRL, 2021 Evaluation of urinalysis pre-analytical phase in private laboratory of Maringá city, Paraná, Brazil Orientação insuficiente e/ou inadequação do paciente, falta de compreensão e/ou desatenção do paciente, utilização de frasco errado e amostra com volume insuficiente são alguns interferentes que podem prejudicar a qualidade da amostra urinária.
Lima IL et al., 2021 Avaliação da influência de fatores pré-analíticos nas dosagens de testosterona em homens jovens saudáveis Conseguiram demonstrar que o jejum antes da coleta e o ritmo circadiano da testosterona influenciam diretamente na concentração sérica de testosterona total.
Ramos LR et al., 2020 Avaliação de variáveis pré-analíticas em exames laboratoriais de pacientes atendidos no Laboratório Central de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil Participaram da pesquisa 425 participantes; 94,6% declararam não ter recebido nenhum tipo de orientação prévia e 68,5% utilizavam algum tipo de medicamento que pode produzir alterações em exames.
Montel AB, 2020 Interferências pré-analíticas em laboratórios clínicos: uma revisão integrativa Com o grande avanço tecnológico houve um aumento do número e nos tipos de erros laboratoriais, tais como falta ou perda de amostra e/ou solicitação de exame, erro ou ausência de identificação da amostra, contaminação através da rota de infusão etc.
Oliveira LS, Santos WL, 2019 Esclarecendo dúvidas relacionadas à coleta, conservação e transporte de urina destinada para exame laboratorial Foram revisados 14 artigos que decorriam sobre coleta, conservação e transporte de urina destinada para o exame laboratorial. Destes, 12 não abordaram maneiras ou protocolos que auxiliassem o paciente na coleta deste material.
Baskin L et al., 2019 Erros in patient preparation, specimen collection, anticoagulant and preservative use: how to avoid such pre-analytical errors (second edition) Para alguns parâmetros, como o ferro sérico, os hábitos do paciente podem afetar nas dosagens.
Kapil M et al. 2019 Pre collection variables anthral laboratory testing Alguns parâmetros bioquímicos e hematológicos podem sofrer alterações devido ao horário de coleta, à postura do paciente durante a flebotomia e frente a alguns hábitos do paciente.
Guerra KO et al., 2019 Avaliação da técnica de aperto de punho como interferente pré-analítico na dosagem de potássio Demonstraram que o aperto de punho durante a coleta de sangue pode ser responsável por uma pseudo-hipercalemia.
Aragão DP, Araújo RML, 2019 Orientação ao paciente antes da realização de exames A detecção dos erros e orientações corretas ao paciente evitariam contratempos.
Almatrafi AA, 2019 Pre-analytical errors: a major issue in Medical Laboratory Erros pré-analíticos, como: ausência de identificação do paciente, ausência de amostra para análise e uso de tubos ou recipientes inadequados, podem necessitar de recoletas para corrigir tais erros.
Oliveira TA, 2019 Fatores pré-analíticos que requerem nova amostra de exames laboratoriais Fatores pré-analíticos, como, por exemplo: solicitação de exame errado pelo médico, abreviação ou escrita ilegível, ausência de identificação médica e interpretação inadequada da solicitação médica são alguns erros que acarretam recoletas.
Bhavsar M et al., 2018 Pre-analytical errors in clinical chemistry laboratory of a tertiary care hospital De 33.679 amostras analisadas em seis meses, 354 apresentaram erros na fase pré-analítica.
Ferreira OB, Cohen JFVB, 2019 Não conformidades encontradas na fase pré-analítica As principais não conformidades ocorrem durante a coleta de sangue.
Shcolnik W, Carvalho SMN, 2012 Erros laboratoriais e segurança do paciente: revisão sistemática Revisão de 9 artigos que forneceram métodos que podem ser utilizados no Brasil para conhecer e monitorar os danos aos pacientes causados por erros laboratoriais.
Hawkins R, 2012 Managing the pre – and post-analytical phases of the total testing process É de responsabilidade do laboratório clínico garantir a qualidade das fases pré e pós-analíticas, reduzindo os erros e melhorando a segurança do paciente
Costa VG, Moreli LM, 2012 Principais parâmetros biológicos avaliados em erros na fase pré-analítica de laboratórios: revisão sistemática Revisão de 14 artigos. Observaram que a maior precisão dos exames ocorrem devido à automatização e à adoção de programa de qualidade (PGQ).
Gilor S, Gilor C, 2011 Common laboratory artifacts caused by inappropriate sample collection and transport: how to get the most out of a sample Os autores compilaram os principais erros pré-analíticos que podem ocorrer no setor de hematologia e esperam que as informações coletadas ajudem os médicos em suas decisões clínicas.
Guimarães AC et al., 2011 O laboratório clínico e os erros pré-analíticos Educação continuada aos profissionais envolvidos no processo de obtenção e manipulação de amostras biológicas é uma das maneiras de se diminuir os erros pré-analíticos.
Lippi G et al., 2009 Causes, consequences, detection and prevention of identification errors in laboratory diagnostics A tecnologia da informação e sistemas automatizados são exemplos de meios que podem ajudar a evitar erros de identificação do paciente durante a fase pré-analítica.
Laposata M, Dighe A, 2007 “Pre-pre” and “post-post” anlytical error: high-incidence patient safety hazards involving the clinical laboratory Algoritmos de diagnósticos podem auxiliar nas decisões dos médicos sobre quais exames devem ser solicitados em algumas doenças específicas.
Carraro P, Plebani M, 2007 Errors in a stat labortory: types and frequencies 10 years later Em 10 anos, as taxas de erros laboratoriais em um hospital foram reduzidas, porém houve mudanças nos tipos e nas frequências desses erros.
Picarelli MM et al., 2004 Dosagem de enzimas musculares e diagnóstico equivocado de polimiosite juvenil: problemas na avaliação clínica e na fase pré-analítica Punções repetidas no mesmo braço contra o esforço muscular da criança, garroteamento prolongado, ocorrência de hemólise e atividade física prévia à coleta podem elevar a enzima CPK e conferir diagnósticos equivocados de polimiosite infantil.
Bonini P et al., 2002 Errors in laboratory medicine As auditorias devem ser usadas para detectar, classificar e reduzir os erros laboratoriais causados por fatores externos.

Fonte: Autores.

 

 

DISCUSSÃO

 

Na área da saúde, a filosofia de qualidade não é diferente das aplicadas nas indústrias. É preciso adequação dos produtos ou serviços para a satisfação do cliente, sendo esse fundamento de qualidade perfeitamente aplicável aos diversos serviços de assistência à saúde.(12)

Os laboratórios seguem normas e/ou recomendações que visem diminuir erros ou mesmo evitá-los, sendo existentes erros frequentes que, em grande parte, não alteram significativamente o resultado de um exame.(2)

Shir Gilor & Chen Gilor(13) esclarecem que o diagnóstico laboratorial é a soma das fases pré-analítica, analítica e pós-analítica, que são de extrema importância para um diagnóstico preciso. Costa e Moreli(2) explicam que, de forma simples e concisa, pode-se dizer que cada fase é fundamental no laboratório, visto que os erros embutidos na fase inicial, média ou final alterarão o resultado do produto e, consequentemente, sua interpretação.

Continuamente ao primeiro contato do paciente com o profissional de saúde, existe ainda uma série de fatores que podem ser responsáveis por diagnósticos falsos ou, ainda, na ausência dos mesmos.(14) Infelizmente, os erros pré-analíticos são comuns e podem afetar a qualidade do diagnóstico de uma amostra, gerando resultados não confiáveis e imprecisos.(2)

De acordo com Ferreira e Cohen(15), a fase pré-analítica é responsável por grande parte dos erros laboratoriais pelo fato da maioria dos procedimentos ainda serem manuais. Por outro lado, Montel(16) defende que, com o grande avanço tecnológico, houve um aumento no número e nos tipos de erros laboratoriais. Guimarães et al.(9) esclarecem que quando os erros são percebidos, na maioria das vezes gera a rejeição da amostra e surge a necessidade de nova coleta. Oliveira(17) explica que uma nova coleta implica mais demora para o resultado do exame e custos dos profissionais incluídos e desconforto e incômodo ao usuário. Almatrafi(18) esclarece que isso pode gerar falta de confiança do paciente e da equipe médica e prejuízos econômicos para o paciente e para o laboratório. Aragão e Araújo(19) sinalizam que a detecção dos erros e orientações corretas aos pacientes evitariam estes contratempos.

No estudo de Bhavsar e colaboradores,(20) foram analisadas 33.679 amostras biológicas durante seis meses, das quais 354 apresentaram algum tipo de erro na fase pré-analítica. A maior parte da rejeição das amostras de sangue se deu por hemólise (10,7%) e por lipemia (12,4%). Além disso, em 14,4% das amostras não foram mencionados nome, idade ou sexo do paciente; 11,9% não continham os diagnósticos provisórios e 18,1% não continham formulários de solicitações. Na pesquisa de Ramos et al.,(21) houve 425 participantes, dos quais 94,6% declararam não ter recebido nenhum tipo de orientação prévia e 68,5% utilizavam algum tipo de medicamento que pode produzir alterações nos exames.

A flebotomia, como discutido por Ferreira e Cohen(15), deve receber uma atenção especial devido a maior probabilidade de incidentes que podem ocasionar não conformidades na fase pré-analítica. O estudo de Guerra e colaboradores(22) demonstrou que o aperto de punho durante a coleta de sangue pode ser responsável por uma pseudo-hipercalemia e isso pode esconder uma hipocalemia, mascarar doenças renais ou alcalose metabólica e elevar falsamente níveis anormais de potássio. Além disso, Kapil et al.(23) lembram que, para alguns parâmetros, o horário de coleta é muito importante. Os níveis de ferro sérico são 30% mais baixos à noite em comparação com a manhã na maioria dos indivíduos. Por outro lado, Baskin et al.(24) enfatizam que um indivíduo que trabalha durante a noite apresentará os níveis de ferro sérico mais elevados durante o horário de maior atividade. Lima et al.(25) conseguiram demonstrar que o jejum antes da coleta e o ritmo circadiano da testosterona influenciam diretamente na concentração sérica de testosterona total.

Outro material biológico que também requer atenção especial é a urina. Saramela e Fernandes(26) afirmam em seu estudo que no exame de urina a qualidade da amostra influencia diretamente na análise e na interpretação do resultado. As autoras observaram que material insuficiente foi o motivo mais prevalente para solicitação de recoletas. Oliveira e Santos(27) revisaram 14 artigos e observaram que em 12 não havia abordagens de maneiras ou protocolos que auxiliassem os pacientes durante a coleta do material.

Com isso, observam-se que as variáveis pré-analíticas são agrupadas em três categorias: variáveis fisiológicas, variáveis de coleta de espécime e fatores de interferência.(28)

Conforme a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial,(11) o médico solicitante ou seus auxiliares diretos devem ser responsáveis pela primeira instrução ao paciente sobre as condições requeridas para a realização do exame informando-o sobre a eventual necessidade de preparo, como jejum, interrupção do uso de alguma medicação, dieta específica ou, ainda, a não realização de atividade física antes da coleta de sangue.

Para minimizar os erros que podem ocorrer na fase pré-analítica, diversos pesquisadores da área têm se debruçado sobre o assunto, em especial sobre a Gestão da Qualidade e a Segurança do Paciente, em que recomendam o monitoramento de todas as fases da assistência na prevenção dos incidentes e quase falhas.(29) A partir da publicação “To err is human: building a safer health system”, vários estudos avaliaram medidas para minimizar e melhorar os processos potencialmente perigosos na assistência à saúde e à segurança dos pacientes.(30)

Com o advento das novas tecnologias, que a cada dia tornam-se mais aperfeiçoadas e precisas, proporcionando a constante evolução das pesquisas científicas, o diagnóstico laboratorial vem se tornando cada vez mais um fator influente e até mesmo definidor da conduta terapêutica a ser aplicada.(31)

Em dezembro de 1999, a Associação Mundial de Sociedade de Patologia e Medicina Laboratorial (World Association of Societies of Pathology and Laboratory Medicine) e a Federação Internacional de Química Clínica (International Federation of Clinical Chemistry) divulgaram um documento sobre os princípios da acreditação para laboratórios clínicos, no qual consta que:

“é do interesse dos pacientes, da Sociedade e do Governo que os laboratórios clínicos operem dentro de altos padrões de competência profissional e técnica”.(32)

 

Atualmente, o objetivo mais importante da medicina diagnóstica é garantir aos médicos e pacientes um atendimento eficiente e seguro, fornecendo laudos, sejam eles laboratoriais ou de imagem, com resultados rápidos e confiáveis, para posterior tomada de decisão dos médicos em relação à conduta clínica dos seus pacientes.(9)

Também é importante destacar os erros que ocorrem em relação à medicação. Laposata e Dighe(33) esclarecem que os erros de medicação em pacientes hospitalizados são muito comuns nos Estados Unidos. Tais erros são relativamente fáceis de identificar e quantificar. Os principais erros destacados pelos autores que podem ocorrer em relação à medicação são: fármaco errado, dose errada, rota errada, paciente errado e hora errada. O maior número de erros envolve simplesmente o médico solicitando o teste errado. Isso, talvez, possa não ser surpreendente, pois até mesmo o médico mais experiente pode não ter conhecimento para saber, de forma consistente, o melhor medicamento ou o melhor teste de laboratório, visto que, na atualidade, mais de 20.000 revistas médicas publicam novas descobertas constantemente. Essa explosão de informações torna extremamente difícil, para um médico solicitante, e até mesmo um especialista na área, fazer um diagnóstico definitivo e de baixo custo, visto que quanto mais específico é o teste, mais caro ele é.

Dado que a produção científica sobre o tema dos erros pré-analíticos é relativamente recente (tornou-se mais expressiva nas duas últimas décadas), observa-se que a maioria dos artigos produzidos até o momento adotou delineamentos descritivos. Portanto, nota-se a necessidade de ampliação do escopo de evidências disponível sobre o tema, que ainda requer estudos originais sobre o modelo causal para estes desfechos.

Pelo exposto, são imprescindíveis as necessidades de implementações, classificações e cuidados na detecção das falhas, para que ocorra a redução dos erros.(28) Além disso, para que se consiga evitar certos erros na fase pré-analítica, o médico solicitante e/ou seus auxiliares devem ser os primeiros a instruir corretamente o paciente a fazer o preparo adequado para cada tipo de exame, ressaltando a importância desse preparo para um resultado mais preciso.(29)

Contudo, a sistematização dos erros laboratoriais pré-analíticos se torna de grande importância, levando em consideração seus efeitos reais e potenciais sobre os pacientes. Isso permitirá o desenvolvimento de algoritmos de prevenção e controle desse tipo de falha.(6)

É importante que os trabalhadores envolvidos com os laboratórios clínicos tenham conhecimento de todas as normas para evitar falhas e não influenciar no diagnóstico por meio de resultados falsos positivos, indicando alguma patologia quando não há, ou falsos negativos, escondendo a doença presente.(2)

As consequências dos erros em laboratórios de medicina podem ser muitas vezes graves, especialmente quando o teste irá definir um diagnóstico, ocasionando resultados falsos positivos, ou ainda falsos negativos. Ambas as circunstâncias colocam em risco a saúde do paciente e produzem custos desnecessários para o sistema de saúde.(34)

 

CONCLUSÃO

 

Em síntese, a grande evolução científica e tecnológica observada nas últimas décadas também foi responsável pelo aumento da complexidade laboratorial, o qual ocorre em ambiente em que coexistem procedimentos, equipamentos, tecnologia e conhecimento humano. Esse ambiente é um meio propício para que ocorram erros laboratoriais e tentar minimizá-los é de suma importância, visto que assegurar resultados confiáveis impacta diretamente na saúde e na segurança do paciente.

O alvo dessa pesquisa foi a fase pré-analítica, já que é a fase comprovadamente mais vulnerável a erros, a qual se inicia com a preparação do paciente e finda com a coleta do material biológico. Permitir a melhoria do processo técnico reduz os resultados falsos dos exames e isso pode ser alcançado através da qualidade dos indicadores, o que, consequentemente, melhora a qualidade dos serviços em Medicina Laboratorial.

À vista disso, fica evidenciada a importância de promover ações e capacitações de recursos humanos para a padronização dos critérios com o intuito de melhorar a qualidade dos resultados que liberamos no laboratório.

 

AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, José Carlos Boechat de Oliveira (in memorian), por todo o apoio que sempre me dedicou.

  

REFERÊNCIAS

  1. Xavier RM et al. Laboratório na prática clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2011.
  2. Costa VG, Moreli LM Principais parâmetros biológicos avaliados em erros na fase pré-analítica de laboratórios clínicos: revisão sistemática. Jornal Brasileiro Patologia e Medicina Laboratorial, v. 48, n. 3, p. 163-168, 2012.
  3. Plebani M. Errors in laboratory medicine and patient safety: the road ahead. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 45, n. 6, p. 700-707, 2007.
  4. Brisolara ML. Controle de qualidade em análises clínicas. In: Xavier RM et al. (org.). Laboratório na prática clínica: consulta rápida. Porto Alegre: Artmed; 2016. cap. 3, p. 91-109.
  5. Menezes P. Erros pré-analíticos em medicina laboratorial: uma revisão sistemática. Rio de Janeiro. Dissertação [Mestrado em Saúde, Medicina Laboratorial e Tecnologia Forense] – Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes da UERJ, 98p.; 2013.
  6. Bonini P et al. Errors in laboratory medicine. Clinical Chemistry, v. 48, n. 5, p. 691-698, 2002.
  7. Lopes HJJ. Garantia e controle de qualidade no laboratório clínico. In: Manual Gold Analisa Diagnóstica Ltda. Belo Horizonte, 2003.
  8. Plebani M et al. Laboratory network of excellence: Enhancing patient safety and service effectiveness. Clinial Chemistry and Laboratory Medicine, v. 4, n. 2, p. 150-156, 2006.
  9. Guimarães AC et al. O laboratório clínico e os erros pré-analíticos. Revista do Hospital de Clínicas e da Faculdade de Medicina, v. 31, n. 1, p. 66-72, 2011.
  10. Lima-Oliveira GS et al. Controle da qualidade na coleta do espécime diagnóstico sanguíneo: iluminando uma fase escura de erros pré-analíticos. Jornal Brasileiro Patologia e Medicina Laboratorial, v. 45, n. 6, p. 441-447, 20 dez. 2009.
  11. Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML). Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica Medicina Laboratorial para Coleta de Sangue Venoso. 2. ed. Barueri: SBPC/ML; 2010.
  12. Mendes ME et al. Gestão por processos no laboratório clínico: uma abordagem prática. São Paulo: EPR; 2006.
  13. Gilor S, Gilor C. Common laboratory artifacts caused by inappropriate sample collection and transport: how to get the most out of a sample. Elsevier, v. 26, n. 2, p. 109-118, mai. 2011.
  14. Picarelli MM et al. Dosagem laboratorial de enzimas musculares e diagnóstico equivocado de polimiosite juvenil: problemas na avaliação clínica e na fase pré-analítica. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 44, n. 3, p. 224-226, mai/jun. 2004.
  15. Ferreira OB, Cohen JVFB. Não conformidades encontradas na fase pré-analítica. Porto Velho. Monografia [Graduação em Biomedicina] – Centro Universitário São Lucas, 18 p.; 2018. Disponível em: http://repositorio.saolucas.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/2735/Ohana%20Batista%20Ferreira%20-20N%C3%A3o%20conformidades%20encontradas%20na%20fase%20pr%C3%A9-anal%C3%ADtica.pdf?sequence=1. Acesso em: 08 mai. 2021.
  16. Montel AB. Interferências pré-analíticas nos laboratórios clínicos: uma revisão integrativa. Goiânia. Monografia [Graduação em Ciências Médicas modalidade Médica] – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 16 p.; 2020. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/handle/123456789/1375. Acesso em: 08 mai. 2021.
  17. Oliveira TA. Fatores pré-analíticos que requerem novas amostras de exames laboratoriais. Ariquemes. Monografia [Graduação em Farmácia] – Faculdade de Educação e Meio Ambiente, 35 p.; 2019. Disponível em: http://repositorio.faema.edu.br/bitstream/123456789/2476/1/TCC%20Thayza%20Ara%c3%bajo%20de%20Oliveira.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021.
  18. Almatrafi AA. Pre-analytical errors: a major issue in medical laboratory. Acta Scientific Medical Sciences, v. 3, n. 2, p. 93-95, fev. 2019.
  19. Aragão DP, Araújo, RML. Orientação ao paciente antes da realização de exames laboratoriais. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 51, n. 2, p. 98-102, 2019.
  20. Bhavsar M et al. Pre-analytical errors in clinical chemistry laboratory of a tertiary care hospital. International Journal of Scientific Research, v. 7, n. 4, p. 27-29, abr. 2018.
  21. Ramos LR et al. Avaliação de variáveis pré-analíticas em exames laboratoriais de pacientes atendidos no Laboratório Central de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Jornal Brasileiro Patologia e Medicina Laboratorial, v. 56, n. 1, p. 1-8, 20 jan. 2020.
  22. Guerra KO et al. Avaliação da técnica de aperto de punho como interferente pré-analítico na dosagem de potássio. Revista de Divulgação Científica Sena Aires, v. 8, n. 4, p. 427-348, out./dez. 2019.
  23. Kapil M et al. Pre collection variables anthral laboratory testing. Hematolgy & Transfusion International Journal, v. 7, n. 1, p. 5-6, 2019.
  24. Baskin L et al. Errors in patient preparation, specimen collection, anticoagulant and preservative use: how to avoid such pre-analytical error (second edition). Elsevier, p. 11-26, 2019.
  25. Lima IL et al. Avaliação da influência de fatores pré-analíticos nas dosagens de testosterona total em homens jovens saudáveis. Jornal Brasileiro Patologia e Medicina Laboratorial, v. 57, n. 1, p. 1-6, 20 mar. 2021.
  26. Saramela MM, Fernandes TRL. Evaluation of urinalysis pre-analytical phase in a private laboratory of Maringá city, Paraná, Brazil. Jornal Brasileiro Patologia e Medicina Laboratorial, v. 57, n. 1, p. 1-6, 20 mar. 2021.
  27. Oliveira LS, Santos WL. Esclarecendo dúvidas relacionadas à coleta, conservação e transporte de urina destinada para exame laboratorial. Revista de Divulgação Científica Sena Aires, v. 2, n. 5, p. 148-155, ago./dez. 2019.
  28. Carraro P, Plebani M. Errors in a stat laboratory: types and frequencies 10 years later. Clinical Chemistry, v. 53, n. 7, p. 1338-1342, 2007.
  29. Hawkins R. Managing the pre- and post-analytical phases of the total testing Process. In: Annals of Laboratory Medicine, v. 32, n. 1, p. 5-16, jan. 2012.
  30. Kohn LT et al. To err is human: building a safer health system. Washington D.C.: The National Academic Press, 2000.
  31. Stankovic AK et al. Notas Pré-analíticas BD Diagnósticos, ano 2, n. 2, p. 3-4, 2010.
  32. Shcolnik W, Carvalho SMN. Erros laboratoriais e segurança dos pacientes: Revisão sistemática. Rio de Janeiro. Dissertação [Mestrado em Saúde Pública] – Fundação Oswaldo Cruz, 142 p.; 2012.
  33. Laposata M, Dighe A. “Pre-pre” and “post-post” analytical error: high-incidence patient safety hazards involving the clinical laboratory. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 45, n. 6, p. 712-719, jun. 2007.
  34. Lippi G et al. Causes, consequences, detection and prevention of identification errors in laboratory diagnostics. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 47, n. 2, p. 143-153, 2009.

Correspondência

Natalia Gomes Boechat

Centro de Aperfeiçoamento Profissional Biomédico (CAPBio)

Avenida Santa Cruz, 1678 – Realengo

Rio de Janeiro – RJ, CEP: 21710-232

E-mail: [email protected]