Importância da qualidade da coleta do exame preventivo para o diagnóstico das neoplasias glandulares endocervicais e endometriais

Importance of the sample collections quality in pap smear for diagnosis of glandular endocervical and endometrial cancers

 

1Sílvia Fischmann Osorio Ughini 

2Luciane Noal Calil     

 

1Farmacêutica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Porto Alegre, RS, Brasil. 

2Professora Adjunta de Análises Citológicas – Faculdade de Farmácia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Porto Alegre, RS, Brasil.

 

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Porto Alegre, RS, Brasil.

 

Artigo recebido em 20/11/2015

Artigo aprovado em 19/02/2016

 

 

Resumo

Objetivo: As neoplasias glandulares endocervicais e endometriais são patologias preveníveis e curáveis quando precocemente detectadas. O exame citopatológico (Papanicolau) é um método muito utilizado para o rastreamento de neoplasias ginecológicas. A qualidade do exame citopatológico depende da adequação da amostra. Visando verificar a qualidade da coleta de amostras cérvico-vaginais em pacientes submetidas ao exame preventivo do câncer em Unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) em Porto Alegre e região metropolitana, foram analisadas pacientes das unidades JARI (Viamão) e CPEG – Centro de Pesquisa Ginecológica (Porto Alegre). Métodos: Avaliaram-se informações retroativas registradas sobre as pacientes e as respectivas lâminas de material coletado para exame citopatológico. Resultados: Os resultados obtidos foram agrupados e analisados, sendo observada a ausência da junção escamo-colunar como o fator limitante mais frequente encontrado nos esfregaços citopatológicos cervicais e observada a diferença de adequabilidade da amostra entre as duas Unidades de Saúde (p<0,001. Conclusão: Constatou-se a necessidade de orientação aos profissionais que realizam a coleta.

 

Palavras-chave

Esfregaço vaginal; Adenocarcinoma; Camada de esfregaço

 

Introdução

 

O câncer caracteriza-se pelo crescimento descon­trolado de células aberrantes, tornando-se fatal em conse­quência da invasão destrutiva dos órgãos normais por extensão direta e disseminação para locais distantes através do sangue, linfa ou superfícies serosas. Todos os tumores que invadem ou se metastizam exibem carac­terísticas específicas do tipo de neoplasia.(1)

Dentre as neoplasias invasoras primárias do colo, o adenocarcinoma corresponde ao segundo tipo histológico mais comum, sendo o carcinoma epidermoide a neoplasia predominante (aproximadamente 80% a 85% dos casos).(2)

O adenocarcinoma apresenta um pior prognóstico quando comparado ao carcinoma epidermoide, sendo que o aumento da sua prevalência está relacionado também ao emprego difundido de métodos diagnósticos, como o exame citopatológico, a colposcopia e a biópsia. Em amostras enviadas à citopatologia, geralmente são encontradas poucas atipias em células glandulares, pois determinadas lesões neoplásicas não comprometem a mucosa endocervical superficial, mas as glândulas locali­zadas no estroma.(2)

O adenocarcinoma é responsável por 10%-25% dos casos e se origina de células colunares endocervicais. À medida que se torna menos diferenciado, pode perder sua aparência glandular e tornar-se mais sólido. Também tem sido associado à maior recorrência e maior número de linfonodos comprometido e pior prognóstico.(3)

A literatura relata uma maior frequência de adeno­carcinoma endocervical em mulheres em torno de 50 anos de idade, baixo nível socioeconômico, com vários parceiros sexuais, com início de atividade sexual precoce, multí­paras, tabagistas e com frequentes infecções do trato genital.(2)

O adenocarcinoma endometrial é uma neoplasia que acomete o tecido endometrial, promovendo proliferação anormal do epitélio e infiltração dos tecidos adjacentes.(4)

Apresenta-se, nos Estados Unidos (EUA), como a doença maligna mais frequente nos órgãos genitais femininos, com mais de 40 mil mulheres diagnosticadas anualmente, além de representar a quarta doença maligna mais fre­quente em mulheres no mesmo país.(5-8)

Existe uma diferença significativa na incidência de câncer endometrial entre diferentes países. Nos países europeus, nos EUA e Canadá, observam-se maiores incidências quando comparadas a países da África, Ásia e América Central.(8,9) Nas populações ocidentais, o câncer endometrial é o mais comumente encontrado em mulheres entre 50 e 65 anos, raramente acometendo abaixo de 40 anos.(8,9) Nos países europeus, a incidência de adeno­carcinoma endometrial é de 10 a cada 100 mil mulheres, e de 25 a cada 100 mil habitantes nos EUA e Canadá. Na Venezuela, os tumores ginecológicos representaram 1,81% de todas as causas de morte no ano de 2004.(4) Em países com menor desenvolvimento socioeconômico, como é o caso do Brasil, o câncer de endométrio ocupa, por sua vez, a segunda colocação entre as causas de neoplasia maligna ginecológica, seguindo o câncer de colo uterino.(10)

O adenocarcinoma endometrial apresenta-se como um fator importante de morbidade e mortalidade entre mulheres no período pós-menopausa,(7) fator intimamente relacionado à terapia de reposição hormonal com o uso de estrogênios.(11) Pode-se relatar aumento do risco de desenvolvimento deste tipo de tumor com o aumento da dose e/ou tempo do uso da terapia; entretanto, também é observado em pacientes submetidas a esquemas tera­pêuticos mais brandos.(7) A menopausa tardia relaciona-se com um desequilíbrio entre níveis de estrogênios e progestágenos, estimulando a proliferação endometrial.(4) Também são relatados, como fatores de risco, a menarca precoce, o hábito de fumar, a obesidade,(4,7,12) o uso de tamoxifeno para tratamento de câncer de mama(4,13) e a nuliparidade.(4) Em geral, há manifestação de sangramento vaginal, sintoma que auxilia no diagnóstico precoce e facilita o estabelecimento da terapia.(1,7) A triagem de mulheres assintomáticas, e/ou que manifestem fatores de risco, poderá contribuir para o diagnóstico precoce do câncer de endométrio, condição imprescindível para o prognóstico da paciente, maximizando a chance de se detectar a doença em um estágio inicial.(7,12)

O teste de Papanicolau (PAP) é um exame rápido, de baixo custo e efetivo para a detecção precoce de neoplasias, mas vulnerável a erros de coleta, preparo das lâminas e interpretação.(14) Em um levantamento realizado dentro do sistema de saúde pública brasileiro, constatou-se que o PAP apresentou a melhor razão incremental de custo-efetividade entre todas as estratégias de rastrea­mentos analisadas.(14) Uma análise de custo-efetividade generalizada sobre intervenções preventivas de câncer cervical, realizada para triagem populacional mexicana, também relatou a metodologia de PAP como apre­sen­tando menores custos em relação a outros manejos estuda­dos.(15)

Um dos ítens preconizados pelo Sistema Bethesda é o relato no laudo da adequação da amostra como importante componente para garantia da qualidade do esfregaço.(16) O fornecimento de informação sobre a presença significativa da Junção Escamo-Colunar (JEC), promove a qualidade dos espécimes, estimulando esforços para aperfeiçoar a colheita de material. Desta forma, há a necessidade de apresentar componentes da JEC (células endocervicais e/ou metaplásicas e células escamosas), para a amostra ser considerada satisfatória para a análise. Esta representatividade se dá pelo encontro de, no mínimo, dez células endocervicais ou metaplásicas e escamosas bem preservadas.(17)

A coleta adequada deve ser realizada com o auxílio de escova citológica, permitindo uma recuperação de células endocervicais em maior quantidade em relação à coleta com swab ou ainda com espátula de Ayre.(18)

A literatura refere que a maioria dos resultados falsos negativos obtidos na metodologia de PAP deve-se a erros na amostragem clínica, decorrendo de falha na obtenção de material adequado da área desejada.(18,19) Alguns estudos revelam erros entre 56% a 83% relacionados à amostragem clínica, nas quais a área patológica não foi contemplada na metodologia de PAP, sendo os demais erros relacionados a interpretações equivocadas, falsos positivos ou falsos negativos (Raab, 2004).(19)

A partir destes relatos, o presente estudo teve como objetivo verificar a qualidade da coleta de amostras cérvico-vaginais em pacientes submetidas ao exame preventivo do câncer em Unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) em Porto Alegre e região metropolitana.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Foram analisados prontuários das pacientes que frequentam Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Jari, na cidade de Viamão (RS), e do Centro de Pesquisa Ginecológica (CPEG), no centro de Porto Alegre (RS). Os esfregaços que iriam para o descarte foram enviados ao laboratório da Faculdade de Farmácia da UFRGS e analisados novamente para a pesquisa de células repre­sentativas da junção escamo-colunar, endocervicais ou metaplásicas. Alguns dados dos prontuários foram ana­lisados, como idade, estado civil, ocupação, escolaridade, cor da pele, fumo, dados sobre o ciclo menstrual, uso de reposição hormonal e terapia anticoncepcional hormonal, hábitos de vida sexual e histórico de patologias (câncer e doenças do trato genital feminino). A avaliação das amostras foi realizada conforme o Sistema Bethesda de classificação, 2001.

Como se trata de uma pesquisa em bancos de dados como fonte de informação obtida por proce­dimentos de rotinas na prática de serviços e em nenhum momento será solicitada alguma coleta em pacientes ou indivíduos saudáveis, segundo o Manual Operacional para Comitês de Ética em pesquisa – CONEP (Reso­lução Nº 196/96 versão 2012), o presente estudo não necessita de TLCE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido). Este trabalho, portanto, tem o compro­misso de respeitar as Normas e Diretrizes dessa reso­lução, garantindo a privacidade dos pacientes cujos isola­dos clínicos são provenientes quando depositados na coleção de cultura.

Os dados obtidos foram registrados em tabelas e analisados em programa Excel for Windows®, utilizando-se análise por teste do qui-quadrado (χ2), com correção de Yates.

 

RESULTADOS

 

Dentre as cem amostras coletadas na Unidade Básica de Saúde Jari, no período compreendido entre abril de 2008 e agosto de 2009, verificou-se que 89% das pacientes já haviam feito o exame preventivo de câncer. Entretanto, observou-se ausência de peridiocidade para realizá-lo. Dentre as pacientes avaliadas, 11% nunca haviam realizado o referido exame.

A idade média das pacientes foi de 38,3 anos, sendo que a menarca foi verificada aos 12,7 anos em média. A maioria (67%) era casada, verificando-se, em média, 2,9 parceiros sexuais ao longo da vida. Os níveis escolares do grupo demonstraram predomínio de mulheres com o primeiro grau incompleto, conforme Tabela 1.

 

 

artigo-7-tabela-1

Quanto ao hábito de fumar, a maioria era não fumante (75%). Em relação aos dados consultados referentes à reposição hormonal, 44 mulheres não a realizavam e oito submetiam-se à terapia. Apenas três pacientes (3%) já haviam manifestado previamente algum tipo de doença neoplásica.

No levantamento realizado no CPEG com 67 pacientes, 100% destas haviam feito o exame preventivo de câncer anteriormente. Dentre as pacientes avaliadas, nenhuma havia apresentado algum tipo de doença neo­plásica prévia. As pacientes tinham média de idade de 44,6 anos, sendo 26 pacientes casadas (38,8%), com 3,0 parceiros sexuais em média ao longo da vida.

Os níveis escolares do grupo demonstraram um predomínio de mulheres com o segundo grau completo, conforme Tabela 1.

Quanto ao hábito de fumar, constatou-se que 48 (71,6%) das pacientes não o possuíam; e, com relação à terapia de reposição hormonal, 52 mulheres não a realiza­vam e sete submetiam-se ao tratamento hor­monal.

Quanto à adequabilidade das amostras da unidade Jari (Tabela 2), 58 (58%) esfregaços foram classificados como satisfatórios, porém limitados para a análise, 38 (38%) foram considerados satisfatórios, com presença de células endocervicais e/ou células meta­plásicas, e quatro (4%) foram considerados insatis­fatórios.

No estudo de 67 amostras coletadas no CPEG em Porto Alegre (RS), constatou-se, quanto à adequabilidade da amostra (Tabela 2), que 56 (83,6%) esfregaços apre­sentaram células endocervicais e/ou metaplásicas e 11 amostras (16,4%) foram classificadas como satisfa­tórias com ausência de células endocervicais e meta­plásicas.

artigo-7-tabela-2

Na Tabela 3 observa-se que, no Jari, dentre os 58 esfregaços limitados para análise, 57 (98,3%) apresen­taram ausência de células endocervicais e/ou meta­plá­sicas (ausência de JEC) e um (1,7%) esfregaço foi consi­derado satisfatório com células endocervicais, porém hemorrágico.

 

artigo-7-tabela-3

Dos cem esfregaços analisados, os quatro (4%) insatisfatórios foram desconsiderados para o resultado citológico.

A análise citopatológica dos 96 esfregaços constatou quarenta (41,7%) sem alterações citológicas, além de um (1,04%) hemorrágico também sem alterações. Foram verificados dois (2,08%) esfregaços atróficos e 11 (11,46%) apresentando atrofia com inflamação.

Detectou-se presença de células escamosas com alterações reativas inflamatórias em 41 esfregaços (42,71%), além de células escamosas com alterações reativas infla­matórias e paraceratose em um (1,04%) esfre­gaço.

A Tabela 4, disposta a seguir, demonstra os dados referentes aos resultados citopatológicos.

Foram obtidos 96 resultados negativos para malig­nidade no material examinado neste grupo de pacientes.

artigo-7-tabela-4

Em relação ao diagnóstico citopatológico no CPEG, foram encontrados 23 (34,33%) esfregaços sem alterações citopatológicas e 66,67% dos esfregaços com alterações inflamatórias, conforme Tabela 5.

artigo-7-tabela-5

Neste caso, foram obtidos 67 resultados consi­derados negativos para malignidade no material exami­nado neste grupo de pacientes.

Com relação à qualidade da colheita, os dados levantados caracterizam uma diferença estatisticamente significativa (p<0.001) entre as unidades Jari e CPEG em relação à ausência de representação da JEC obser­vada.

 

DISCUSSÃO

 

Os resultados deste estudo demostraram que a ausência da JEC foi o fator limitante mais frequente encontrado nos esfregaços citopatológicos cervicais, 57% do total das amostras, da unidade Jari, constatando resultados negativos para malignidade em 100% das amostras neste posto. Estes resultados relativos à ade­quabilidade da amostra são compatíveis com os obtidos a partir de estudos realizados em 1993 por Nielsen et al.,(11) que relataram inadequabilidade da amostra obtida em 50% a 66% dos casos.

Em estudo realizado por Amaral et al., em 2006, foram encontradas 40,37% das amostras com ausência de JEC como fator limitante para a análise, além de 30% das amostras apresentarem-se limitadas por dessecamento.(9) Outro estudo publicado em 2008, desen­volvido por Amaral et al., demonstrou a ausência de células metaplásicas e/ou endocervicais em 52,2% dos esfregaços, relatando análise comprometida por coleta insatisfatória.(20) Já no estudo realizado em 2008, por Ramos et al., foram encontrados 16,81% do total de esfregaços sem a JEC.(21)

Raab et al. analisaram a frequência de testes de PAP sem a representatividade da Zona de Transição na amostra coletada, resultando em 9,9% destes casos. Após a implantação de um sistema de maiores cuidados na colheita, esse índice percebeu uma diminuição para 4,74%. Neste estudo, uma melhor amostragem resultou em colheita integral da ectocérvice e endocérvice adja­centes à Zona de Transição.(19)

Um estudo publicado em 1998, com 62.234 amos­tras ginecológicas, utilizando metodologia de coloração por PAP e coleta com escova citológica, efetuou o levan­tamento da acurácia e de falsos positivos no diagnóstico de carcinoma endometrial. Foram identificados citolo­gicamente 138 casos como adenocarcinoma endometrial, dos quais 126 amostras foram histologicamente confir­madas como patologia maligna.

Dentre os casos confir­mados (126), 72 (57,1%) caracterizaram adenocar­cinoma endometrial. Foram observados 8,7% de resulta­dos falsos positivos, repre­sentando 12 casos dentre os 138 citologi­camente iden­tificados. O valor preditivo positivo (VPP) para o diagnóstico de carcinoma foi de 85,7%, e, para as condi­ções benig­nas, de 99,9%. O grau de acurá­cia do diag­nóstico de adenocarcinoma endometrial resultou em, aproxima­da­mente, 70%.(22)

No levantamento ocorrido no CPEG, os resultados de esfregaços sem alterações foram de 34,33%, menor que o valor de 41,7% de esfregaços sem alterações obser­vados na Unidade Jari. Este fato está possivelmente relacionado aos aspectos epidemiológicos das popula­ções estudadas, visto que, na Unidade Jari, as pacientes apresentavam menores níveis de escolaridade.

As amostras do CPEG apresentaram apenas 16,4% dos esfregaços limitados por ausência de JEC, fator bastante divergente entre as duas unidades de saúde. Obteve-se um valor de p<0.001, estatisticamente signifi­cativo para a diferença da presença de JEC nas amostras quando comparados os valores das duas unidades coletadas. Este resultado está possivelmente vinculado a divergências entre as coletas das duas unidades, prova­velmente relacionado à capacitação dos profissionais envolvidos nesta atividade

Preocupados com este tema, já em 1999, estudo desenvolvido por Alves et al. comparou os procedimentos de coleta com uso da espátula de Ayre modificada, espátula de Ayre tradicional e a coleta com espátula de Ayre e escova citológica. Nesta análise, concluiu-se que a espátula de Ayre utilizada isola­damente é um método deficiente na produção de esfregaços satisfatórios. A espátula de Ayre modificada melhorou a qualidade da amostra em populações onde o uso de escova citológica não pode ser efetuado.(23) Os resultados demons­tram que a coleta realizada com combinação de espátula de Ayre e escova citológica é a melhor metodologia para obtenção de esfregaços com apreciável número de células da endocérvice.

A literatura relata como causa predominante dos resultados falsos negativos em exame citopatológico os erros na coleta do material, as falhas no escrutínio do esfregaço e na interpretação dos resultados citopa­tológicos para conclusão diagnóstica. Amaral et al., em 2008,(20) observaram 62% dos resultados falso negativos relacionados a erros na coleta do material. No referido estudo, os autores relataram a existência de esfregaços dessecados (22,8%), presença de sangue e/ou secreção purulenta (14,9%), além de presença de áreas espessas (9,5%), prejudicando a identificação de lesões citológicas. No levantamento realizado na Unidade Jari foram obser­vados esfregaços hemorrágicos e puru­lentos, porém em pequeno número de casos, e na Unidade CPEG não foram observados tais fatores. Este fato se deveu, possivelmente a diferenças na qualidade da coleta e à sensibilidade das usuárias do serviço.

De acordo com Tajima et al.,(22) em estudo realizado em 1998, células de adenocarcinoma caracte­rizam-se por sobreposição de núcleos, presença de necrose, perda de polaridade e aumento do número e tamanho de nucléolos. Segundo Tajima, células com hiperplasia atípica apresentam uma distribuição irregular de cromatina em 30% do núcleo, enquanto que esta distri­buição irregular ocorre em 80% das células de adeno­carcinomas.(22) Entretanto, para realizar esta análise, é necessário que a coleta seja representativa da junção escamo-colunar, possibilitando a avaliação das mesmas para o diagnóstico de adenocarcinoma.

A partir da observação de amostras obtidas com o auxílio de escova endocervical, Santos et al.,(24) em estudo publicado em 2009, comentam ser impres­cindível o uso da escova endocervical para obtenção de amostra representativa. Relatam ainda o uso desta metodologia principalmente em mulheres com 40 anos ou mais, em vista do entrópio da JEC nesta faixa etária. A colheita nas unidades Jari e CPEG foi realizada com este instrumento de extrema importância para a adequabilidade da amostra, entretanto, no Jari, a ausência da JEC pode ser justificada por problemas no procedimento. De acordo com Carvalho et al.,(25) para obtenção de representatividade adequa­da, seria importante o uso da escova para coleta na JEC, para “varrer” as criptas localizadas no canal endocervical.

De acordo com análise publicada em 2007, após classificação da qualidade das lâminas, os autores observaram que os fatores relacionados ao proces­samento das mesmas, especialmente com relação à coleta da amostra a ser analisada, são mais críticos do que os relacionados com o acesso das mulheres ao exame preventivo do câncer. A ausência de células endocervicais foi um dos aspectos mais frequentes encontrados na referida análise, concluindo da impor­tância da cons­cientização dos profissionais envol­vidos no procedimento de coleta, através do treinamento de médicos e enfermeiras para o exame citopatológico.(26)

Na análise dos esfregaços coletados na unidade Jari, foram detectados 4% como insatisfatórios, sendo neces­sário repetir a coleta nestes casos. Segundo Ramos et al., “Isto, quando ocorre, é incô­modo para a mulher, visto que onera o Sistema Único de Saúde com gastos desnecessários quando poderiam ser evitados com uma coleta adequada”.(21)

Visto que as proliferações epiteliais próximas à JEC podem evoluir para adenocarcinoma e que, conforme estudo realizado por Amaral et al., em 2008, a JEC é a principal sede de lesões pré-neoplásicas, as células endocervicais e metaplásicas deverão sempre estar presentes nos esfregaços citopatológicos para o diagnóstico de adenocarcinomas endometriais e endocervicais.(27)

 

CONCLUSÃO

 

A diferença na qualidade da colheita de material entre as duas unidades de saúde traz um alerta para possi­bilidade de erros diagnósticos das lesões gine­co­lógicas e para a necessidade de instrução de profissionais envolvidos na coleta das amostras, visando à obtenção de material significativo, assegurando à paciente a ausência de lesões precursoras de neoplasias endo­cervicais ou endometriais. O diagnóstico cito­patológico, realizado através da coloração de Papanicolau, conforme anteriormente descrito, é uma metodologia de baixo custo em relação a outros manejos estudados, útil para aplicação na triagem de pacientes para o diagnóstico de malig­nidades ginecológicas no Sistema Único de Saúde, gerando menores custos ao governo. Assim sendo, a diferença quanto à presença da JEC entre os locais avaliados caracteriza a necessidade de orientação e treinamento dos profissionais que realizam este proce­dimento, possibilitando diagnóstico precoce em mulheres assintomáticas ou com fatores de risco, pré-requisito de grande valor no prognóstico da paciente, e possibilitaria também, a detecção da doença nos seus estágios iniciais, melhorando a resposta terapêutica.

 

Abstract

Objective: The glandular endometrial and endocervical cancers are preventable and curable if early detected. The Pap smear is a widely used method for screening gynecological cancers. The quality of Pap smear depends on the sample’s adequacy. In order to verify the quality of the collection of cervical smears in patients who had Pap cancer in units of the Unified Health System (SUS) in Porto Alegre and metropolitan area, patients were analyzed from JARI units (Viamão) and from CPEG- Center of Search Gynecological (Porto Alegre. Methods: Retroactive information recorded of the patients and their blades materials collected for cytological examination were evaluated. Results: The results were grouped and analyzed, noting the absence of squamocolumnar junction as the limiting factor most frequently found in cervical smears and sample’s difference adequacy between the Health Units (p<0,001. Conclusion: It was realized about the need for guidance of professionals to collect the material.

 

Keywords

Vaginal smears; Adenocarcinoma; Smear layer

 

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Correspondência

Sílvia Fischmann Osorio Ughini

Departamento de Análises,

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Avenida Ipiranga 2752, Bairro Santana

90610-000 – Porto Alegre, RS, Brasil

[email protected]