Leishmaniose tegumentar americana: perfil epidemiológico, diagnóstico e tratamento

American integumentary leishmaniasis: epidemiological profile, diagnosis and treatment

 

Jairla Maria Vasconcelos1

Camila Goes Gomes1

Allany Sousa1

Andréa Bessa Teixeira2

Jocivania Mesquita Lima1

 

 

1Estudante. Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – Ceará-CE, Brasil.
2Orientadora. Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – Ceará-CE, Brasil.

Instituição: Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – Ceará-CE, Brasil.

Recebido em 29/05/2018

Artigo aprovado em 06/11/2018

DOI: 10.21877/2448-3877.201800722

 

INTRODUÇÃO

As leishmanioses retratam um grupo de doenças negligenciadas, causadas por protozoários intracelulares do gênero Leishmania (Kinetoplastida, Trypanosomatide), que se caracterizam por duas formas principais: amastigota e promastigota. Ocorrem por volta de 1,5 milhão de novos casos em 98 países todos os anos, surgindo cerca de 20 mil a 40 mil mortes. Sua forma de transmissão é caracterizada por meio da picada do flebotomíneo fêmea. Há evidências clinicas, epidemiológicas e experimentais que suportam que a leishmaniose possa ser prevenida por vacinação.(1)

De acordo com a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS,(2) a leishmaniose tegumentar americana (LTA) é uma doença infecciosa, com baixa mortalidade, não contagiosa, causada por protozoário do gênero Leishmania, dispondo como principais espécies no Brasil a Leishmania (Leishmania amazonensis,  L. (Viana)  guyanensis e L. (V.) braziliensis. As espécies de Leishma­niose podem se diferenciar de acordo com a área de ocorrên­cia, estando entre as principais: Lutzomyia inte­media, Lutzomyia whitmani, Lutzomyia migonei, Lutzomyia gomezi, Lutzomyia wellcomei, Lutzomyia anduzei, Lutzomyia antunesi, Lutzomyia tuberculata, Lutzomyia olmeca bicolor, Lutzomyia ubiquitalis, Lutzomyia paraensis, Lutzomyia umbratilis, Lutzomyia flaviscutellata, Lutzomyia ayrozai, Lutzomyia pessoai, Lutzomyia olmeca nociva e Lutzomyia squamiventris squamiventris.(3) A transmissão é vetorial, pela picada de insetos denominados flebotomíneos, relativos ao gênero Lutzomyia, conhecidos popularmente, dependendo da disposição geográfica, como mosquito palha, tatuquira, birigui, entre outros. Já foram registradas, como hospedeiros e possíveis reservatórios naturais, algumas espécies de roedores, marsupiais, endentados e canídeos silvestres.(2)

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) pode apresentar as seguintes formas clínicas: cutânea (LC) caracterizada por uma pápula eritematosa que evolui para uma úlcera geralmente indolor, que aparece no local da picada do vetor; a disseminada (LD), caracterizada pelo aparecimento de múltiplas lesões papulares e de aparência acnei­forme que acometem vários segmentos corporais, envolvendo com frequência a face e o tronco; a mucosa (LM), que é uma lesão secundária que atinge principalmente a orofaringe, com comprometimento do septo cartilaginoso e demais áreas associadas; e a forma clínica difusa (LCD), que inicia de maneira insidiosa, com lesão única e má resposta ao tratamento, evoluindo de forma lenta com formação de placas e múltiplas nodulações não ulceradas reco­brindo grandes extensões cutâneas.(4)

A forma cutânea é a apresentação mais comum de leishmaniose, responsável por mais de 90% dos casos do Brasil. Dos casos notificados, 3% a 6% apresentam a LM, no entanto, em alguns municípios endêmicos, essa proporção pode ser superior a 25%. Esta forma clinica é causada principalmente pelo L. (V.) braziliensis. Já a LCD é rara e seu agente causador conhecido é a L. (V.) amazo­nen­sis.(4)

A notificação e confirmação dos casos de leishma­niose são obrigatórias, no Brasil, pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), proporcionando benefícios de dados epidemiológicos concretos. A partir dos dados do SINAN, foi verificado que, no período de 2007 a 2014 registrou-se, no Brasil, um total de 996 óbitos de pacientes com LTA (média anual de 124,5 óbitos) e uma letalidade total acumulada de 0,55% (0,09% por LTA e 0,46 por outras causas). Desse total de óbitos, 155 (15,56%) foram por LTA e 841 (84,44) registrados por outras causas.(2,5)

A leishmaniose é classificada como uma doença tropical negligenciada (DTN) por apresentar caráter emergen­cial e uma imediata urgência de controle do vetor e disponibilidade do tratamento.(1)

 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo cuja base metodológica é artigo de atualização, de caráter descritivo e retrospectivo, onde se permite a análise de diversos estudos publicados relativos à leishmaniose tegumentar americana.

O levantamento bibliográfico deste estudo foi realizado através de pesquisas em base de dados SciELO, Lilacs e Google Acadêmico entre os anos de 2009 a 2018, utilizando-se os seguintes descritores: Leishmaniose tegu­men­tar americana (American Integumentary leishmaniasis), Diagnóstico (shipwide) e Epidemiologia (epidemiology).

Foram pesquisados artigos publicados nos idiomas português e inglês, apresentando resumo e texto completo. De acordo com os critérios de inclusão, os artigos escolhidos estão disponíveis nas bases de dados citadas anteriormente e voltadas ao objetivo e tema do estudo. Os artigos foram avaliados quanto ao título do trabalho, resumo e texto completo. Após a leitura e avaliação dos artigos selecionados, as informações significativas foram coletadas, comparadas entre si e inseridas no estudo.

Os artigos que não se adequaram quanto ao conteúdo foram excluídos do estudo. Os critérios de exclusão utilizados foram os mesmos artigos que estivessem publicados em mais de um banco de dados e estudos com idiomas diferentes ao escolhido. Os artigos que não se adequaram foram excluídos do estudo.

 

EPIDEMIOLOGIA

A LTA constitui um problema de saúde pública em 85 países, distribuídos em quatro continentes (Américas, Europa, África e Ásia), com registro anual de 0,7 a 1,3 milhão de casos novos. No Brasil, a LT é uma das afecções derma­tológicas que requerem mais atenção, devido à sua magnitude, assim como pelo risco de ocorrência de deformidades que podem ocasionar no ser humano, e também pelo envolvimento psicológico, com reflexos no campo social e econômico, e que, na maioria dos casos, pode ser considerada uma doença ocupacional. Apresenta registro de casos em todas as regiões brasileiras.(1)

Nos últimos vinte anos, a LTA apresenta grande crescimento em todas as regiões do Brasil, tanto no número de casos como em disposição geográfica, observando-se surtos epidêmicos, na maioria das vezes relacionados ao processo predatório de ocupação das matas. As regiões norte e centro-oeste concentram o maior número de casos seguidas das regiões sudeste e nordeste. No Sul, o estado do Paraná, até o momento, concentra o maior número de casos registrados. No período de janeiro de 2004 a dezembro de 2015, o estado de Santa Catarina registrou no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) 2.299 casos de LTA, sendo 1.969 autóctones, principalmente nas regiões do Vale do Itajaí e norte do estado, podendo estar relacionados com as áreas de distribuição do vetor da doença.(6)

 

DIAGNÓSTICO

 

Diagnóstico clínico-epidemiológico

 

O diagnóstico clínico-epidemiológico é presuntivo. Na circunstância de lesões típicas de leishmaniose, o mesmo pode ser exercido especificamente se o paciente procede de áreas endêmicas ou esteve presente em lugares onde há casos de leishmaniose e, eventualmente, pela resposta terapêutica do paciente. O ideal é que o diagnóstico clínico- epidemiológico possa ser associado aos exames labora­toriais para obtenção de melhores resultados, isso em razão do número de doenças que fazem diagnóstico diferencial com a LTA. No entanto, um dos exames laboratoriais fundamentais para confirmação desse diagnóstico é o método parasitológico, pois se trata do achado do parasita no local das lesões. O diagnóstico da LTA é epidemiológico, clínico e laboratorial. O tratamento prévio melhora o prognóstico e reduz as chances de mutilação.(7)

 

Diagnóstico laboratorial

 

O diagnóstico laboratorial da LTA é confirmado, com encontro do parasito, pela pesquisa direta por aposição de tecido em lâmina, cultura em meio específico e inoculação em hamster, além de exame histopatológico e reação em cadeia de polimerase (PCR). Exames imunológicos, como intradermorreação de Montenegro (IDRM) e imunofluores­cência indireta, são métodos indiretos que também ajudam na definição diagnóstica.(8)

O IDRM é a primeira fase dos exames imunológicos, tendo como base a visualização da resposta de hipersen­sibilidade retardada, sendo que, após essa fase, será iniciada uma segunda etapa com testes sorológicos para detectar anticorpos antileishmania presente no soro dos pacientes.(9)

 

Diagnóstico diferencial

 

O diagnóstico diferencial com outras doenças sempre deve ser visto, principalmente, com sífilis, hanseníase, tuberculose, micobacterioses atípicas, histoplasmose, granuloma facial de linha média, lúpus eritematoso discoide, psoríase, infiltrado linfocítico de Jessner, vasculites, carcinoma basocelular, carcinoma espinocelular, histiocitoma, linfoma cutâneo, outros tumores, etc.(7)

 

Critérios de definição de caso

 

  • Caso suspeito

Leishmaniose cutânea: revela-se basicamente por pápulas, que evoluem para úlceras com fundo granuloso e bordas infiltradas em moldura, podendo apresentar apenas uma ou múltiplas lesões indolores, e se apresenta nas seguintes formas clínicas:(6)

Forma localizada – de modo geral, a lesão caracteriza-se como úlcera, com propensão à cura podendo ser única ou múltipla (até vinte lesões). A forma localizada pode vir acompanhada de linfadenopatia regional e de linfangite nodular;(6)

Forma disseminada – no que se diz respeito é rara podendo ser observada em até 2% dos casos. Essa forma  é caracterizada pelo surgimento de várias lesões papulares e de aspecto acneiforme que atingem diversas partes corporais, incluindo com frequência a face e o tronco. O achado do parasito na forma disseminada é mais baixo;(6)

Forma difusa – representa uma forma clínica mais rara, pois está diretamente ligada a pacientes com uma deficiência imunológica a antígenos de Leishmania. Surge com apenas uma lesão e evolui de forma lenta, com a formação de placas e várias nodulações não ulceradas, abrangendo grandes superfícies cutâneas.(6,8)

 

Leishmaniose mucosa: pode ocorrer de forma secundária ou não à forma cutânea, caracterizando-se por infiltração, ulceração e, principalmente, por dano dos tecidos da cavidade nasal, faringe ou laringe. Geralmente na forma mucosa o paciente se queixa de obstrução nasal, excretando crostas, epistaxe, disfagia, odinofagia, rouquidão, dispneia e tosse. Dificilmente há queixa de prurido nasal e dor, no entanto, quando ocorre uma infecção oriunda e sinusite, pode aparecer dor local e cefaleia. Tendo em vista que as lesões mucosas iniciais geralmente são assintomáticas, é importante sempre analisar as mucosas de pacientes com leishmaniose cutânea. As formas clínicas que se apresentam são:(6)

Forma mucosa tardia – é a forma mais comum, podendo aparecer depois de muitos anos da cicatrização da forma cutânea. Basicamente está associada às múltiplas lesões cutâneas ou de um tempo maior de duração, às curas espontâneas ou aos tratamentos insuficientes;(6)

Forma mucosa de origem indeterminada – quando a LM se revela clinicamente isolada, sem a detecção de nenhum sinal de lesões cutâneas anteriormente, possivelmente tais formas estariam associadas a infecções subclínicas ou lesões pequenas, não ulceradas, de progresso rápido, que poderiam ter passado sem ser percebidas e sem deixar cicatriz;(6)

Forma mucosa concomitante – quando a lesão mucosa surge no mesmo intervalo de tempo que a lesão cutânea ativa (não sendo contígua aos orifícios naturais);(6)

Forma mucosa contígua – acontece por proliferação direta de lesões cutâneas posicionadas próximas a orifícios naturais, como a mucosa das vias aerodigestivas. As lesões poderão ser encontradas em atividade ou cicatrizadas na ocasião do diagnóstico;(6)

Forma mucosa primária – ocorre quando ocasionalmente o vetor pica diretamente na mucosa ou semimucosa de lábios e genitais.(6)

 

 

  • Caso confirmado

Critérios clínico-laboratoriais de leishmaniose cutânea e/ou mucosa

Para a comprovação dos casos que foram clinicamente suspeitos, estes deverão corresponder, no mínimo, a um dos seguintes critérios:

–  Residência, proveniência ou deslocamento em/ou para região com comprovação de transmissão e achado do parasito nos exames parasitológicos direto ou indireto (biópsia, histopatológico, isolamento em cultivo in vitro);

– Residência, proveniência ou deslocamento em/ou para região com comprovação de transmissão e intrader­morreação de Montenegro (IDRM) positivo;

– Residência, proveniência ou deslocamento em/ou para região com comprovação de transmissão e exame histopatológico compatível;(6)

 

Critérios clínico-epidemiológicos de leishmaniose cutânea/ ou mucosa:

Todo caso que obtiver uma suspeita clínica e que não tenha acesso a diagnóstico laboratorial, mas que possua residência, proveniência ou deslocamento em/ou para região que tenha a comprovação de transmissão, levando-se  em consideração que a forma mucosa deverá apresentar cicatrizes cutâneas como critério adicional de comprovação diagnóstica.(6)

 

  • Caso descartado

Quando o caso se apresentar suspeito, mas o diagnóstico laboratorial apresentar-se negativo, ou caso seja suspeito, mas o diagnóstico laboratorial seja positivo para outro tipo de patologia. Considerar que os casos descartados deverão ser investigados tendo em conta outras possibilidades diagnósticas. A LTA pode ser confundida com diversos sintomas clínicos, destacando-se entre eles:

Forma cutânea: sífilis, hanseníase, tuberculose, micobacterioses atípicas, paracoccidioidomicose, histo­plasmose, esporotricose, cromoblastomicose, piodermites, rinoscleroma, granuloma facial de linha média, sarcoidose, lúpus eritematoso discoide, psoríase, infiltrado linfocítico de Jessner, úlceras decorrentes da anemia falciforme, picadas de insetos, granuloma por corpo estranho, ceratoacantoma, carcinoma basocelular e espinocelular, histiocitoma, linfoma cutâneo;

Forma mucosa: paracoccidioidomicose, carcinoma epidermoide, carcinoma basocelular, linfomas, rinofima, rinosporidiose, entomoftoromicose, hanseníase Virchoviana, sífilis terciária, perfuração septal traumática ou por uso de drogas, rinite alérgica, sinusite, sarcoidose, granulomatose de Wegner.(6)

 

COINFECÇÃO LEISHMANIA/HIV

 

A associação das infecções causadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV e pelo protozoário Leishmania spp. é definida como a coinfecçäo Leishmania-HIV.

Esta coinfecçäo é considerada doença de alta gravidade em várias regiões do mundo. Aumento expressivo do número de casos de coinfecção tem sido observado desde o início da década de 1990 e projeções de seu crescimento contínuo, devido à disposição geográfica das duas infecções, como consequência da urbanização das leishma­nioses e da interiorização da infecção por HIV. O diagnóstico da coin­fecçäo com HIV tem implicações na abordagem da leishmaniose em relação ao diagnóstico, à indicação terapêutica e ao monitoramento de efeitos adversos, resposta terapêutica e ocorrência de recidivas. Portanto, recomenda-se realizar a sorologia para HIV para todos os pacientes com LTA.(6)

 

TRATAMENTO

 

O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza tratamento especifico para a doença, notificações e combate aos focos dos mosquitos. Outras medicações disponíveis no serviço de saúde são: isotianatide pentamidiona e anfotericina B.(10)

No Brasil, o fármaco de primeira escolha para o tratamento da LTA é o antimoniato de N-metil-glucamina (Glucantime) (AM), recomendado pelo Ministério da Saúde, na dose de 10 mg-20 mg Sb5+/kg/dia durante vinte dias consecutivos para LC e de 20 mgSb5+/kg/dia durante trinta dias consecutivos para a LM. É considerado um fármaco eficaz, porém possui alta toxicidade, podendo trazer impactos negativos para o paciente.(11) O antimonial pentavalente parece causar efeitos adversos, mais frequentemente em pacientes acima de 50 anos. Os efeitos adversos mais frequentes do tratamento da LTA com AM são: clínicos, como dores musculoesqueléticas, alterações gastrointestinais e cefaleia de leve a moderada; alterações eletrocardiográficas, como prolongamento do intervalo QT, alteração de repola­rização ventricular; alterações isquê­micas; e extrasístoles bigeminadas, polimorfas e polifocais; e alterações labora­toriais, com aumentos leves a moderados das enzimas pancreáticas e hepáticas. Efeitos adversos que levem à descon­tinuidade do tratamento são relativamente incomuns.(12) Para o tratamento, os antimonais pentavalentes são a melhor escolha; não havendo resposta satisfatória, a anfotericina B e o isotionato de penta­midina são recomendados.(13)

O critério de cura da LTA é clínico e definido pelo Ministério da Saúde como “epitelização das lesões ulceradas, regressão total da infiltração e eritema, até três meses após conclusão do esquema terapêutico(11) O paciente deverá retornar para consulta médica durante três meses consecutivos após a conclusão do esquema terapêutico para a avaliação. Após atestada a cura clínica, o paciente ainda deverá se consultar de dois em dois meses dentro do período de 12 meses, visando avaliar a possibilidade de ocorrência de recidiva. Não havendo a cura clínica, o mesmo deverá ser reavaliado.(6) Entretanto, há possibilidade de se prolongar o acompanhamento clínico por até seis meses, nos casos com evidência de cicatrização progressiva, sem necessidade de reintroduzir tratamento.

No caso de insucesso após um novo tratamento, será considerada falha terapêutica e deverá ser introduzido um medicamento de segunda escolha, anfotericina B ou pentamidina.(11)

 

VIGILÂNCIA ENTOMOLÓGICA/AMBIENTAL

 

Com a confirmação de LTA, a Secretaria Municipal de Saúde, apoiada pela Secretaria Estadual de Saúde, deverá realizar o reconhecimento e delimitação da área foco de transmissão da doença a fim de identificar as novas espécies de flebotomíneos da região, monitorar alterações do comportamento, estabelecer curvas de sazo­nalidade para as espécies de flebotomíneos de importância médico-sanitária e determinar o risco de transmissão da área.(14)

 

VIGILÂNCIA DOS VERTEBRADOS

 

Reservatório silvestre

As ações visando à vigilância de animais silvestres não são recomendadas. Entretanto, é importante a realização de estudos de modo a ampliar o conhecimento a este respeito.(14)

 

Reservatório doméstico

Nos animais domésticos (canídeos, felídeos, equí­deos), apesar de serem relatados registros da infecção, não são recomendadas ações objetivando o controle desses animais. Não existem evidências científicas que comprovem o papel desses animais como reservatório, sendo considerados hospedeiros acidentais da doença. A realização da eutanásia em animais doentes é indicada somente quando ocorrer evolução das lesões cutâneas, com surgimento de infecções secundárias que poderão conduzir o animal ao sofrimento.(14)

 

PREVENÇÃO E CONTROLE

 

Para evitar os riscos de transmissão, algumas medidas preventivas de ambientes individuais ou coletivos devem ser estimuladas, tais como:

  • Uso de repelentes quando exposto a ambientes onde os vetores habitualmente possam ser encontrados.
  • Evitar a exposição nos horários de atividades do vetor.
  • Uso de mosquiteiros de malha, bem como a telagem de portas e janelas.
  • Manejo ambiental por meio de limpeza de quintais e terrenos, a fim de alterar as condições do meio que propiciem o estabelecimento de criadouros para formas imaturas do vetor.
  • Poda de árvores, de modo a aumentar a insolação, a fim de diminuir o sombreamento do solo e evitar as condições favoráveis (temperatura e umidade) ao desenvolvimento de larvas de flebotomíneos.
  • Destino adequado do lixo orgânico, a fim de impedir a aproximação de mamíferos comensais, como marsupiais e roedores, prováveis fontes de infecção para os flebo­tomíneos.
  • Limpeza periódica dos abrigos de animais domésticos.

Em virtude das características epidemiológicas da LTA, as estratégias de controle devem ser flexíveis, distintas e adequadas a cada região em particular. A diversidade de agentes, de reservatórios, de vetores e a situação epide­miológica da LTA, aliada ao conhecimento ainda insuficiente sobre vários aspectos, evidencia a complexidade do controle desta endemia.

  • A descrição dos casos de LTA segundo idade, sexo, forma clínica, local de transmissão (domiciliar ou extrado­miciliar).
  • A investigação na área de transmissão para conhecer e buscar estabelecer determinantes, tais como:
  • Delimitação e caracterização da área de transmissão. E outras.

Essa investigação indicará a necessidade da adoção de medidas de controle da LTA, destacando que o diagnóstico oportuno e o tratamento adequado dos casos humanos, bem como as atividades educativas, devem ser priorizados em todas as situações.(1)

 

BIOQUÍMICA

A infecção por Leishmania é acompanhada por uma resposta imune iniciada com a resposta inata, onde receptores como TLR2 (Toll-like receptor 2) presentes em macró­fagos, as células NK (Natural Killer) e células dendríticas reconhecem moléculas presentes na superfície de parasitos. A célula de Langerhans na pele também pode ser infectada por Leishmania e é considerada a principal apresentadora de antígenos parasitários para linfócitos T.(15) A ativação do macrófago, através da resposta imune Th1, resulta na produção do óxido nítrico (NO), que, juntamente com o stress oxidativo, representa importante mecanismo de eliminação do parasito. Por outro lado, as citocinas consideradas tipo Th2 favorecem a multiplicação do parasito, inibindo a produção de NO por macrófagos ativados por IFN-g, além de promoverem a exacerbação das lesões, em razão das ações supressivas dos macró­fagos pela IL-4.(16)

Há evidências de que as células T CD8 também são necessárias para o controle da leishmaniose através da produção de citocinas e de mecanismos citotóxicos. Grande número de células tem sido observado em lesões e em sangue periférico durante a fase aguda da doença observando-se que lesões de pacientes infectados por L. (V.) braziliensis em progressão para fase ulcerada apresentam intenso infiltrado inflamatório amplificado pela presença de células T CD8 expressando granzima A. Em outro estudo, lesões de pacientes com LC infectados por L. (V.) braziliensis apresentaram maior número de linfócitos TCD8 em apoptose que lesões de pacientes curados espontaneamente.(15)

Estudos prévios demostraram haver uma predominância de linfócitos T CD4 sobre T CD8 no sangue durante a fase ativa da leishmaniose. Entretanto, após terapia com antimonial pentavalente, há redução dos linfócitos T CD4 e aumento de T CD8, sugerindo o envolvimento destes com o processo de cura.(16,17)

Linfócitos obtidos de pacientes com LM e LC produziram níveis mais elevados de IL-17 que linfócitos obtidos a partir de indivíduos controles (não infectados). Sabe-se que pacientes com quadros clínicos causados por diferentes espécies de Leishmania no Brasil mostram diferenças significativas na intensidade da produção de anticorpos. A intensidade da resposta humoral parece também estar relacionada com a carga parasitária e com a cronicidade da infecção. Correlação positiva entre os níveis de IgE com o tamanho da intradermorreação e uma correlação inversa entre os níveis de IgE com o número de lesões demonstraram haver níveis elevados de IgG, com predomínio de IgG1 e IgG3 em pacientes com leishmaniose cutânea ativa. No entanto, outros estudos mostraram que, após cura clínica e tratamento com antimonial, o nível dessas sub­classes irá diminuir, sugerindo que estas subclasses poderiam ser úteis tanto como marcadores de diagnóstico para a forma cutânea quanto para auxiliar na decisão de interrupção do acompanhamento ambulatorial de pacientes após cura clínica.(15)

 

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A LTA é uma doença dermatológica de grande relevância por sua dificuldade no tratamento e por apresentar sequelas, acarretando deformidades que interferem psicologicamente na vida das pessoas afetadas. A LTA é caracterizada pelo aparecimento na pele e/ou mucosas de uma única ou várias pápulas que evoluem para úlceras; essas lesões são distintas por apresentarem bordas altas, fundo granuloso e geralmente indolor.(18)

Apesar das notificações de LT serem obrigatórias no Brasil, é uma doença ainda negligenciada. Algumas medidas preventivas são necessárias para se evitar a transmissão da doença, como: utilização de repelentes, evitar a exposição nos horários de atividades do vetor, limpeza de quintais e terrenos e evitar o acúmulo de lixos orgânicos.(1)

A LTA possui maior prevalência em áreas de vegetação. Tornam-se necessárias ações educativas da população para que haja medidas preventivas no combate à doença. É essencial que haja o combate do vetor e o diagnóstico precoce para que o tratamento seja mais eficaz. E a notificação é importante para dados epidemiológicos mais concretos.(18)

 

Abstract

American integumentary leishmaniasis (LTA) is considered a group of neglected diseases, caused by intracellular protozoans of the genus Leishmania. This pathology has been increasing in the last 20 years, with cutaneous leishmaniasis (LC) Its most frequent clinical manifestation and mucous leishmaniasis (LM) its severe manifestation. It constitutes a public health problem in 85 countries. The North and Midwest regions concentrate the largest number of cases followed by the southeast and Northeast regions. The N-methyl-Glucamina (Glucantime) Antimoniato (AM) administered in the dose of 10-20mg Sb5 +/kg/dia intramuscular (IM) for 20 to 30 days is the treatment of choice. This work aimed to make an update on the topic for the population. It is an article of updating, of descriptive and retrospective character. Educational actions of the population become necessary in order to prevent preventative measures in the fight against the disease. It is essential to have the combat of the vector, the early diagnosis for the treatment to be more effective and the notification, important for more concrete epidemiological data.

 

Keywords

Parasitology; Leishmania; Epidemiology; Physiopathology

 

REFERÊNCIAS

  1. Brasil. Manual de vigilância da leishmaniose tegumentar. 2017, Brasília – DF, 1ª ed., pag. 1-191
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  7. Ministério da saúde. Manual de vigilância da leishmaniose tegumentar americana. 2010, Brasília – DF 2.ª edição atualizada 1.ª reimpressão, Série A. Normas e Manuais Técnicos
  8. Murback NDN, Filho GH, Nascimento RAF, Nakazato KRO, Dorval MEMC Leishmaniose tegumentar americana: estudo clínico, epidemiológico e laboratorial realizado no Hospital Universitário de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. An Bras Dermatol. 2011;86(1):55-63. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0365-05962011000100007&lng=en.
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Correspondência

Jairla Maria Vasconcelos

Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza

Rua Conselheiro Estelita, 500 – Centro

60010-260 – Fortaleza-CE, Brasil