Pesquisa de Cryptococcus spp. em fezes de pombos recém-emitidas coletadas em espaços públicos de Goiânia-GO 

Research for Cryptococcus spp. in pigeon’s feces newly issued collected in public spaces of Goiânia-GO

 

Inara Silva Ferreira1

Alessandra Marques Cardoso2

 

 

1Acadêmica do Curso de Biomedicina da Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás – Goiânia-GO, Brasil.

2Doutora em Medicina Tropical e Saúde Pública pela Universidade Federal de Goiás. Professora Adjunta da Escola de Ciências Médicas,
Farmacêuticas e Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Goiânia-GO, Brasil.

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de Goiás / Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas – Goiânia-GO, Brasil.

Conflito de interesse: Não há conflitos de interesse.
Suporte financeiro: A pesquisa foi financiada pelas autoras.

Recebido em 07/06/2018

Artigo aprovado em 06/11/2018

DOI: 10.21877/2448-3877.201800742

 

INTRODUÇÃO

Os fungos fazem parte do reino Fungi e são de grande importância já que atuam como decompositores de matéria orgânica, sendo mutualistas no meio ambiente. Podem ser utilizados nas indústrias farmacêuticas para a produção de antibióticos, indústrias alimentícias e outros são pato­gênicos ocasionando morbidades para os seres vivos. O reino Fungi adota classes, subclasses e gêneros, como a micose que causa o criptococose, pertence à quinta subdivisão da classe Blastomycetes (Cryptococcales), do gênero Cryptococcus spp., na qual se tem grande interesse médico.(1)

O gênero Cryptococcus spp. abrange mais de 38 linhagens, porém existem duas variedades mais pato­gênicas que se dividem em cinco sorotipos, sendo elas C. neo­formans var. neoformans com sorotipos A,D e AD, e C. neoformans gattii com sorotipo B e C. O sorotipo C do C. neoformans gattii encontra-se em madeiras de eucalipto de regiões de clima subtropical e tropical, tendo sua morfologia microscópica de leveduras alongadas, semelhantes ao de um cigarro.(2,3)

O C. neoformans é encontrado em vários locais da natureza, tanto na fauna quanto na flora, entretanto, quando é encontrado nas fezes de pombo é capaz de provocar enfermidade para população imunocomprometida, já que seu contágio ocorre pela inalação de esporos fúngicos, podendo atingir os pulmões e, conse­quen­temente, atingindo o sistema nervoso central (SNC), sendo fatal em 30% dos casos. Seus sintomas são comparados à meningite, sendo eles cefaleia intensa, febre, irritabilidade e, em alguns casos, mudança de comportamento, lentidão e até confusão mental. Como os sintomas são parecidos, a comprovação dessa doença é realizada por meio de exames laboratoriais em amostra de líquor.(2,4)

Além da criptococose neurológica, que apresenta 90% dos casos, podem também existir outras manifestações clínicas, como a pulmonar regressiva e progressiva. A cripto­cocose pulmonar regressiva é representada por lesões primárias, podendo muitas vezes passar despercebida, onde seu diagnóstico é casual em exames histopa­tológicos de nódulos pulmonares. A criptococose pulmonar progressiva, apresentando outros 10% das formas clínicas, apresenta sintomatologia inespecífica e escassa, manifestando tosse e escarro mucoide, dor torácica causada pelo crescimento da massa fúngica que expressa a lesão cística. O diagnóstico é feito casualmente por exames radiológicos com a presença de grandes nódulos heterogênicos.(5)

O tratamento é realizado por meio da combinação de dois antifúngicos, como a anfotericina-B e 5-flucitosina, sendo o mais indicado para pacientes que adquiriram cripto­cocose pulmonar e disseminada, inclusive envolvendo o SNC. Existe a indicação para o uso dessas medicações no prazo de seis a 12 meses sem intervalos, porém uma ocorrência muito comum é a interrupção do uso desses fármacos durante o tratamento, em função da apresentação de alguns efeitos colaterais, ou pela melhora aparente dos pacientes, prejudicando a eficiência do tratamento e aumentando o índice de mortalidade relacionada à doença.(5,6)

A criptococose é uma doença oportunista que se instala principalmente em pacientes imunocomprometidos, como portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV), sendo uma grande preocupação para a saúde pública. De acordo com a Superintendência de Vigilância em Saúde do Estado de Goiás (SUVISA/SES-GO), no período de 2000 a 2007 houve um número crescente de internações no Sistema Único de Saúde (SUS) em nível nacional, motivado pela criptococose, aumentando os custos com os pacientes acometidos.(7)

Como C. neoformans não traz nenhum malefício para o pombo, por ser um parasita natural da mucosa de seu papo, permanece vivo por até dois anos, tornando-se uma grande preocupação para a saúde humana. Nos grandes centros urbanos, essas aves se alastram significativamente, uma vez que encontram grande quantidade de comida, devido à sua abundante fonte de alimentação, sejam insetos e/ou restos de alimentos.(8)

Para o diagnóstico laboratorial das infecções causadas por esse fungo, realiza-se o cultivo no meio de cultura ágar Sabouraud, com incubação à temperatura ambiente (25ºC a 37ºC). O mesmo se reproduz na forma assexuada e a olho nu podem ser visualizadas colônias com variação de cores de branca a creme, com aspecto brilhante e pastoso. À microscopia óptica é possível observar suas características estruturais de leveduras unicelulares encapsu­ladas.(8)

Diante do exposto, este estudo objetivou pesquisar a presença de Cryptococcus spp. em fezes de pombos recém-emitidas coletadas em diferentes espaços públicos de Goiânia-GO.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Foram coletadas sessenta amostras de fezes de pombo recém-emitidas, sendo dez de cada um dos seguintes espaços públicos: Praça Cívica, Praça Boa­ventura, Praça Universitária, Pátio do Hospital das Clínicas de Goiânia, CEPAL do Setor Sul e Área IV da PUC Goiás, no período compreendido entre outubro e dezembro de 2017. As fezes selecionadas foram coleta­das com swabs umedecidos em solução de NaCl 0,85% estéril e inoculadas imediatamente em tubos contendo ágar Sabouraud.

Cada tubo foi devidamente identificado e incubado à temperatura ambiente, sendo as leituras realizadas com 24 horas, 48 horas e 72 horas, a fim de se observar o crescimento de colônias características de Cryptococcus spp. Nas culturas em que o crescimento de leveduras foi observado, realizou-se nova semeadura em ágar Sabouraud  para reisolamento e posterior estudo. Nas 72 horas depois do crescimento neste ágar à temperatura ambiente, as colônias foram submetidas à microscopia óptica após coloração com tinta nanquim e coloração de Gram.

Ressalta-se que todos os procedimentos realizados nesse trabalho obedeceram às normas de biossegurança vigentes.

 

RESULTADOS

 

Das sessenta amostras de fezes de pombos analisadas, seis (100,0%) revelaram crescimento de Cryptococcus spp., sendo cada uma delas oriunda dos seguintes locais: Praça Cívica, Praça Boaventura, Praça Universitária, Pátio do Hospital das Clínicas de Goiânia, CEPAL do Setor Sul e Área IV da PUC Goiás (Tabela 1).

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DISCUSSÃO

 

A literatura científica relata pesquisas realizadas com fezes de pombos em diferentes espaços públicos como praças e igrejas, dentre outros, com o objetivo de identificar a presença de Cryptococcus spp. nestes ambientes. Conforme Faria et al.,(3) na cidade de Pelotas-RS, houve uma positividade de 100,0% para esse fungo em setenta amostras coletadas. Observou-se uma grande ocorrência deste fungo no trabalho desenvolvido por Reolon et al.,(8) em Porto Alegre-RS, com 100,0% (88/88) das amostras analisadas positivas para Cryptococcus spp.

De acordo com Contin et al., na cidade de Caratinga-MG, também foi observada elevada prevalência de Cryptococcus spp., sendo que, de trinta amostras pesqui­sadas, 27 tiveram resultado positivo para esse fungo. No presente trabalho foram observadas seis culturas positivas para essa levedura (10,0%), sendo a mesma encontrada em 100,0% dos espaços públicos pesquisados.(9)

Neste estudo foram coletadas amostras em locais com grande movimentação de pessoas, como praças que alojam feiras livres, espaço universitário e um grande hospital que recebe pacientes imunocomprometidos, com risco aumentado de contrair criptococose. Segundo Fernandes et al.,(11) em estudo publicado em 2009, a criptococose é considerada a infeção sistêmica oportunista mais comum em pessoas com AIDS, sendo que, na cidade de Goiânia-GO, 45 amostras oriundas de pacientes com HIV mostraram-se positivas para Cryptococcus spp. Em um grupo de cinquenta pacientes que contraíram AIDS, 47 tiveram diagnóstico de infecção causada por C. neoformans. Os pacientes estudados eram provenientes de diferentes estados do Brasil, sendo a grande maioria oriunda de cidades do interior, com predominância de pacientes do sexo masculino e idade entre 20 a 60 anos.

Mesmo sendo de grande relevância à saúde pública, a criptococose ainda não é uma doença de notificação compulsória no Brasil, e desse modo não existem dados reais sobre quantos indivíduos já desenvolveram doença causada por esta levedura. Para melhorar os investimentos na prevenção, no diagnóstico e no tratamento da criptococose é essencial o conhecimento do número de indivíduos afetados pelo Cryptococcus spp.(9)

De acordo com Faria et al.,(3) os melhores métodos para o controle das infecções causadas pelo Crypto­coccus spp. são a conscientização da população no sentido de não alimentar os pombos, ter controle de lixos orgânicos e dificultar os locais de pouso e ninho. Conforme a Lei 5.197/67(12) a caça dessas aves é permitida desde que exista licença prévia concedida pela autoridade responsável, caracterizando assim outra forma de combate à criptococose.

 

CONCLUSÃO

 

Neste estudo foi possível detectar a presença do Cryptococcus spp. em seis (10,0%) das sessenta amostras analisadas, sendo esta levedura encontrada em 100,0% dos espaços públicos pesquisados, ressaltando a importância dos pombos como disseminadores deste importante patógeno humano. Assim, ressalta-se a necessidade do controle dessas aves, bem como a conscientização da população sobre os riscos da proliferação desses animais nos centros urbanos.

 

Abstract

Objective: This study aimed at the research of Cryptococcus spp. in public places of Goiânia-GO, where there is a great flow of people.  Methods: Sixty samples were collected with swabs moistened with 0.85% NaCl, inoculated in tubes with Sabouraud agar and incubated at room temperature, and the culture readings were performed with 24 hours, 48 hours and 72 hours. After macroscopic analysis, the yeast colonies were submitted to Gram staining and staining with ink, for microscopic analysis. Results: Cryptococcus spp. was identified in six (10.0%) of the 60 analyzed samples, being found in 100.0% of the public spaces surveyed. Conclusion: This work emphasizing that the pigeons represent important reservoirs of this fungus in nature, acting as disseminators. Thus, the need to control these birds is emphasized, as well as the population’s awareness of the risks of the proliferation of these animals in urban centers.

 

Keywords

Cryptococcus; Cryptococcosis; Columbidae

 

 

REFERÊNCIAS

  1. Lacaz CS. Micologia Médica. 9ª edição. São Paulo: Sarvier S/A, 2002.
  2. Yamamura AAM, Freire RL, Yamamura MH, Felix A, Taroda A. Estudo dos nichos ecológicos de leveduras patogênicas das espécies Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii na cidade de Londrina, PR. Semina: Ciências Agrárias. 2013;34(2):793-804.
  3. Faria RO, Nascente PS, Meinerz ARM, Cleff MB, Antunes TA, Silveira ES, et al. Ocorrência de Cryptococcus neoformans em excretas de pombos na cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul. Rev Soc Bras Med Trop 2010;43(2):198-200.
  4. Filiú WFO, Wanke B, Aguena SM, Villela VO, Macedo RCL, Lazéra M. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2002;35(6):591-5.
  5. Sidrim JJC, Rocha MFG. Micologia Médica à Luz de Autores Contemporâneos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2004.
  6. Cruz GM, Junior CNN, SILVA JS. Incidência de Cryptococcus neoformans em aves de cativeiro e aves de vida livre. Revista de Divulgação Científica Sena Aires. 2014;3(2):161-8.
  7. SUVISA Goiás, Micoses Sistêmicas. Disponível em: <http://www.visa.goias.gov.br/post/ver/133934/micoses-sistemica>. Acesso em 23 de abril de 2018.
  8. Reolon A, Perez LRR, Mezzari A. Prevalência de Cryptococcus neoformans nos pombos urbanos da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. J. bras. patol. med. lab. 2004;40(5):293-8. [Internet]. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1676-24442004000500003&lng=en.
  9. Contin JT, Quaresma GS, SILVA EF, Linardi VR. Ocorrência de Cryptococcus neoformans em fezes de pombos na cidade de Caratinga, MG – Brasil. Revista Med Minas Gerais. 2011;21(1):19-24.
  10. Rachid CC, Luli FBD, Carneiro JR, Cardoso AM. Infecções fúngicas em pacientes HIV positivos: revisão da literatura sobre Criptococose e Histoplasmose. Revista Estudos 2009;41(4):843-54.
  11. Fernandes OFL, Costa TR, Costa MR, Soares AJ, Pereira AJSC. Silva MRR. Cryptococcus neoformans isolados de pacientes com AIDS. Rev Soc Bras Med Trop. 2000;33:75-8.
  12. Brasil. Decreto no. 5.197, de 03 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. Brasília, 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5197.htm>. Acesso em 24 de abril de 2018.

 

Correspondência

Inara Silva Ferreira

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas

Avenida Universitária, 1440, Setor Universitário

74605-010 – Goiânia-GO, Brasil