Prevenção da doença meningocóccica: o arsenal de vacinas disponíveis

Meningococcal disease prevention: the vaccines arsenal available

 

Auricia Brena dos Santos Silva1

Pedro Dantas Neto2

Naira Mariana Oliveira de Sousa2

Priscila Nayara Santiago dos Santos2

Ingrid Gomes Pereira2

Clara Aglaia de Brito Reis2

Andrea Bessa Teixeira3

1Acadêmico de Farmácia. Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – CE, Brasil.
2Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – CE, Brasil.
2Universidade Federal do Ceará – Fortaleza-CE, Brasil.

Instituição: Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – CE, Brasil.

Recebido em 27/05/2018
Artigo aprovado em 27/06/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900713

INTRODUÇÃO

A doença meningocóccica (DM) é uma infecção bacte­riana aguda causada pela bactéria Neisseria meningitidis, sendo considerada uma das mais importantes emergências médicas devido à definição de que o seu prognóstico está relacionado ao seu diagnóstico e tratamento serem iniciados precocemente.(1)

A N. meningitidis, conhecida como meningococo, é uma bactéria Gram-negativa que possui 12 diferentes soro­grupos: A, B, C, E, H, I, K, L, W, X, Y e Z, porém somente os sorogrupos A, B, C, W e Y estão mais relacionados com a forma invasiva da doença. Sua transmissão se dá principalmente pelo contato direto entre pessoas ou por dispersões das gotículas respiratórias de uma pessoa infectada para outra. A bactéria se desidrata facilmente fora do organismo humano, sendo seu habitat principal a nasofaringe, e,  a partir desse local, dependendo de diversos aspectos como a imunidade do hospedeiro e resistência da bactéria, pode chegar à corrente sanguínea.(2)

Os sinais e sintomas iniciais da DM se assemelham a gripes e resfriados comuns, como febre, irritabilidade, cefaleia, perda de apetite, náuseas e vômito, o que dificulta seu diagnóstico precoce ou pode acarretar um diagnóstico equivocado (Ministério da Saúde, 2016).(3) Os aspectos clínicos tardios estão mais associados à meningite, que é a inflamação das meninges, meningococcemia e a pneumonia meningocóccica.(2)

A letalidade da doença está entre 9% e 12% em países desenvolvidos e mais elevada em países em desenvolvimento. A doença está mais incidente em crianças menores de 5 anos, especialmente em lactentes entre 3 e 12 meses. Aproximadamente 10% dos casos, mesmo com intervenção médica adequada e cuidados intensivos, acabam sendo fatais.(1,4)

O diagnóstico da doença pode ser feito por diversos tipos de exames laboratoriais, como em cultura, a partir do líquido cefalorraquidiano (LCR), sendo este o mais adequado devido à especificidade, porém também há outros tipos de diagnósticos, como o exame quimiocitológico do LCR, que permite a contagem e diferencial das células, e outras com baixo grau de especificidade, como bacterioscopia direta utilizando a técnica de coloração.(3)

O tratamento consiste principalmente em antibioti­coterapia com ampicilina, penicilina em crianças e ceftria­xona em adultos, e a prevenção é feita principalmente através de vacinação, hoje existente para diversos sorotipos da doença, sendo, dessa forma, uma importante estratégia no controle da enfermidade, além da necessidade de informação sobre métodos profiláticos corretos para que diminua sua disseminação.(3)

O presente artigo tem como principal objetivo ressaltar a existência dos diversos tipos de vacinas para prevenir a doença meningocóccica, especificando seu mecanismo  de ação e impacto na saúde da população brasileira.

 

 

PREVENÇÃO DA DOENÇA MENINGOCÓCCICA

 

O desenvolvimento de vacinas contra Neisseria meningitidis é um desafio constante devido a uma imensa variedade de sorogrupos e mudanças moleculares relacionadas à bactéria. As vacinas existentes garantem proteção aos sorogrupos A, B, C, W135 e Y, sendo estes os sorogrupos mais relacionados a infecções sistêmicas, assim como a doença meningocóccica, e são divididas em vacinas não conjugadas e conjugadas.(3,4)

A quimioprofilaxia é utilizada também como forma de prevenir a disseminação da bactéria, indicada para quando se confirma um caso e deve-se intensificar a avaliação para os contatos próximos ao enfermo, como moradores próximos ao seu domicílio, pessoas que compartilham dormitórios, casos em creches, escolas e pessoas que foram expostas às secreções do paciente. O medicamento mais indicado para esse método preventivo é a rifampicina, de preferência em até 48 horas após a exposição ou contato com o paciente contaminado, porém os antibióticos cipro­floxacino e ceftriaxona podem ser utilizados também.(3,5)

 

VACINA MENINGOCÓCCICA POLISSACARÍDICA

 

O primeiro modo de prevenção para a doença menin­gocóccica foram as vacinas não conjugadas, que se dividem em bivalentes (sorogrupos A e C) e tetravalentes (sorogrupos A, C, Y e W135), mas têm sido bem menos utilizadas atualmente por diversos motivos. Um dos principais motivos é a resposta imune inadequada, principalmente quando se trata de bactérias do sorogrupo C para crianças abaixo dos 2 anos de idade, devido a uma resposta falha aos antígenos por ser T independentes nessa faixa etária.(5)

Essas vacinas também apresentam uma curta duração em relação a outras vacinas, por não induzirem memória imu­nológica e também terem hiporresponsividade quando administradas doses posteriores da vacina, principalmente na faixa etária de adolescentes e jovens quando realizam reforços, podendo ocasionar prejuízo na imunização e esses usuários ficarem mais susceptíveis a adquirir uma infecção.(5)

Essas vacinas estão cada vez mais em desuso por esses motivos, mas podem ser utilizadas para pacientes de alto risco, adultos com mais de 55 anos ou na presença de surto ou epidemia em determinada comunidade ou espaço.(6)

 

VACINA MENINGOCÓCCICA POLISSACARÍDICA CONJUGADA

 

As vacinas conjugadas (Men A, Men C, MenACWY e MenCY-Hib) têm como principal característica a presença de proteínas carreadoras (toxina diftérica mutante atóxica, toxoide diftérico ou o toxoide tetânico) que garantem diversas vantagens em relação à imunidade ao usuário. A principal mudança é que a resposta imune se dá por células T dependentes, pois os polissacarídeos são reconhecidos pelas células B, processando-os e entregando-os em epítopos peptídicos para as células T-CD4+.(5,6)

O diferencial se intensifica pela maior produção de anticorpos, assim elevando seu nível sérico, garantindo uma imunização mais eficiente, além de induzir a criação de células B de memória mais prolongada, obtendo maior atividade na redução da colonização na nasofaringe, área que está mais envolvida com a transmissão da doença.(5,6)

Apesar da imunização em massa com essa vacina e da criação de uma imunidade de rebanho, que é justamente uma população imune a determinado tipo de doença, o agente etiológico pode se disseminar poucas horas após a infecção da nasofaringe, enquanto que mesmo em um indivíduo imunizado a resposta imune à doença pode ser de vários dias; logo, é possível se contrair a doença mesmo após a vacinação.(5,6)

 

VACINA CONJUGADA PARA O SOROGRUPO B

 

A vacina com proteínas carreadoras para o sorogrupo B apresentou baixa imunogenicidade, ou seja, fraca resposta imunológica para criar anticorpos e memória imu­nológica capaz de combater a bactéria desse sorotipo; dessa forma, novas formulações tiveram de ser desenvolvidas com o intuito de criar uma resposta eficaz para esse sorogrupo.(8-10)

Para garantir a eficácia da vacina, foi utilizado o conceito de vacinologia reversa, em que são utilizados genes codificadores de proteínas retiradas da bactéria e que sejam acessíveis aos anticorpos. Dessa forma, na principal vacina existente no mercado foram utilizados quatro componentes antigênicos para serem inclusos na vacina: fHbp (Proteína de ligação ao fator H), NHBA (Antígeno da bactéria que se liga à heparina), NadA (Adesina A Neisseria) e PorA (Porina A: PorA P1.4 da NZ) e adicionadas à OMV, componente de vesícula de membrana externa, que também aumenta a imunogenicidade.(8,9,10,11)

Atualmente, a utilização da vacina ainda está em observação e continuam sendo realizados estudos para garantir sua viabilidade, segurança e eficácia. Algumas pesquisas, principalmente realizadas no Reino Unido, garantem a eficácia e segurança em lactentes, crianças e adolescentes, além da evidente efetividade de prevenção contra a bactéria do sorogrupo B, após dados colhidos da implantação da vacina no seu plano nacional de vacinação.(10,11,12)

 

VACINAÇÃO NO BRASIL

 

No Brasil, atualmente, a vacina utilizada é a conjugada contra o sorogrupo C (Men C), sendo utilizada principalmente no primeiro ano de vida e reforço na adolescência. A criança faz uso da primeira dose no terceiro mês de vida, a segunda dose no quinto mês de vida e realiza um reforço com 12 meses. Com a idade de 10 a 19 anos pode ser utilizado um reforço ou dose única, nos casos de quem não havia sido vacinado anteriormente, devendo-se sempre verificar a situação vacinal do paciente.(1,13,14)

A utilização como prevenção de apenas a Men C é justificada por esse sorogrupo ter estado durante anos como o mais comum a ocasionar a DM, e as doses de reforço são necessárias justamente por conta da queda sérica dos anticorpos que combatem a bactéria. Em 2015, a vacina contra o sorogrupo B foi validada no país, porém ainda não faz parte do plano nacional de vacinação.(1,14,15)

Segundo dados do Ministério da Saúde, de 2010 para 2016 ocorreram decréscimos consideráveis de casos e óbitos da doença meningocóccica no país, o que está relacionada ao controle e à promoção da vacinação no plano de vacinação, porém, apesar dos números de casos se mostrarem decrescentes, a letalidade da doença continua entre 21% e 22%, aproximadamente, mostrando o quanto é necessário a identificação precoce da doença para que se tenha um prognóstico favorável.(1,14,15)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente estudo tem como objetivo repassar e avaliar o arsenal de vacinas existentes atualmente para a prevenção da doença meningocóccica, apresentando as particularidades de cada tipo de vacina e comparando-as. Um plano de vacinação abrangente e viável para toda a população torna cada vez mais eficaz a diminuição e até mesmo a erradicação da doença, porém diversas dificuldades devem ser enfrentadas, como a mutação da bactéria, não utilização de reforço das vacinas conjugadas ou não existências de promoções à saúde que exem­pli­fiquem os sintomas e sinais da doença, fornecendo informações sobre sua transmissão e alertando para a dificuldade de seu diagnóstico, para que seja gerada maior conscientização e maior procura para a prevenção da doença.

 

Abstract

The meningococcal disease (MD) is a acute bacterial infection caused by Neisseria meningitidis, been considerated one of the most importants medical emergencys, because the definition of your prognosis is related with early diagnosis and treatment. The prevention is mainly done through vaccination, nowadays existing too many diferents serotypes from the bacterium that causes the disease, being that way, a importante strategy in disease’s control. The main objective from this article is to emphasize the existence of the many types of vaccines that can be used in meningococcal disease’s prevention. The study showed their specifities and how can be used, beside the importance to have that vaccine in the vaccination plan in many countries.

 

Keywords

Meningococcal Infections; vaccines; primary prevention

 

 

REFERÊNCIAS

  1. Masuda TM, Carvalhanas TRMP, Fernandes RMBP, Casagrande ST, Okada PS, Waldman EA . Mortalidade por doença meningocócica no Município de São Paulo, Brasil: características e preditores. Cad. Saúde Pública. 2015;31(2):405-416. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2015000200405&lng=en..
  2. Moraes C. Doença meningocócica no Brasil: descrição dos casos, evidências da efetividade e do impacto da vacina antimeningocócica conjugada sorogrupo C, 2001 – 2013. Tese (Doutorado em Medicina Tropical) – Universidade de Brasília, Brasília, 2016.
  3. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico, volume 47, nº 49, 2016. Disponível em: < http:// portalarquivos2.saude.gov.br/ images/pdf/2016/julho/29/2016-015—DM.pdf> Acesso em: Abril de 2018.
  4. Safadi MAP. Doença Meningocócica Fascículo 2: Prevenção da Doença Meningocócica, Sociedade Brasileira de Pediatria, 2015. Disponível em: < http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2015/11/Folheto_Meningite_Fasciculo2_111115.pdf> Acesso em: Abril de 2018,
  5. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde – Volume único, 2ª edição. Brasília – DF, 2017. Disponível em: http://portalarquivos. saude.gov.br/images/pdf/2017/outubro/06/Volume-Unico-2017.pdf. Acesso em: Abril de 2018.
  6. Weekly Epidemiological Record. Vacinas contra meningococo: vacinas polissacarídicas e conjugadas polissacarídicas. 77º ANNEE, Nº 40, p 329 – 340, 2002.
  7. CDC.Vacinas Contra a Meningite Meningocócica dos Sorogrupos A, C, W, Y- MenACWY e MPSV4: Tudo o que você precisa saber. Men ACWY VIS – Portuguese (3 – 31 – 2016). Disponível em: < http://www.immunize.org/vis/portuguese_meningococcal.pdf>. Acesso em: Abril, 2018.
  8. Novartis. Bexsero®. São Paulo, 2015.
  9. Simões MJ, Fernandes T, Gonçalves P, Bettencourt C, Furtado C. Doença meningocócica do serogrupo B (MenB) em Portugal: uma reflexão sobre estratégias de imunização. Instituto Nacional de Saúde – Doutor Ricardo Jorge, artigos breves nº 9, p. 28-32,2014.
  10. Sousa M. Uma vacina contra a Neisseria meningitidis sorogrupo B: lidar com a incerteza. Rev Port Med Geral Fam. 2014;30(6):412-414. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S2182-51732014000600012&lng=pt.
  11. Safadi, Marco Aurélio Palazzi; Barros, Analíria Pimentel. Vacinas meningocócicas conjugadas: eficácia e novas combinações. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 82, n. 3, supl. p. s35-s44, Julho, 2006. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid= S0021-75572006000400005&lng=en.
  12. Sociedade Portuguesa de Pediatria. Recomendações sobre vacinas extra Programa Nacional de Vacinação. Portugal, 2017. Disponível em:http://www.arscentro.minsaude.pt/Institucional/projectos/crsmca/noc/Documents/saude%20infantil/nsc/spp/Recomenda%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20vacinas%20extra-PNV%20da%20Comiss%C3%A3o%20de%20Vacinas%20SIP-SPP%202017.pdf
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  15. Bastos CC. Suscetibilidade aumentada às infeções por Neisseria meningitidis. Trabalho de mestrado integral de medicina. 26f. Lisboa – Portugal, 2016.

 

Correspondência

Auricia Brena dos Santos Silva

Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza

Rua Conselheiro Estelita, 500 – Centro

 Fortaleza-CE, Brasil