Soroprevalência para dengue em estudantes universitários da cidade de Caruaru-PE

Dengue seroprevalence in students of Caruaru City-PE

 

Andresa Almeida de Souza1

Antônio Victor de Oliveira1

Ana Cecília Cavalcanti de Albuquerque2

1Bacharel em Biomedicina pela Faculdade Asces – Caruaru-PE, Brasil.
2Doutora em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)- Recife-PE, Brasil.

Instituição: Associação Caruaruense de Ensino Superior e Técnico (Asces) – Caruaru-PE, Brasil.

Conflito de interesses: não há conflito de interesses.
Suporte financeiro: Bolsa do programa de iniciação científica da Faculdade Asces – Caruaru-PE, Brasil.

Recebido em 24/07/2018
Artigo aprovado em 27/06/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900762

INTRODUÇÃO

A dengue é um grave problema de saúde pública em países de clima tropical, devido às condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento e proliferação do principal vetor dessa enfermidade, o aedes aegypti, nessas regiões.(1)

Existem quatro sorotipos conhecidos do vírus da dengue: Den-1, Den-2, Den-3 e Den-4. E os quatro circulam atualmente por todo o Brasil.(2) Os pacientes que adquirem a doença pela primeira vez, infecção primária, desenvolvem imunidade homóloga ao sorotipo viral, sendo geralmente assintomáticos ou oligossintomáticos. Contudo, uma segunda infecção por outro sorotipo diferente é um fator pre¬disponente para o desenvolvimento da forma grave da doença.(2,3)

Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai são países localizados na sub-região do Cone-Sul da Organização Panamericana de Saúde. No período de 2001 a 2007, 64,6% (2.798.601) dos casos de dengue nas Américas foram notificados nesta área, dos quais 6.733 tiveram febre hemorrágica da dengue (FHD), com um total de 500 mortes. O Brasil foi responsável por 98,5% dos casos notificados e ainda obteve a maior taxa de mortalidade na sub-região.(4)

Existe uma falta de dados em relação à soro¬pre¬valência para dengue em alunos de graduação, todavia um estudo realizado por Malheiros(5) determinou uma preva¬lência de anticorpos contra o vírus da dengue em 51,3% (586/1.142) de estudantes universitários da Faculdade Senac Rio, no Rio de Janeiro.

Em virtude de a dengue hemorrágica ser mais condizente após infecções sequênciais,(2,3) é importante que o indivíduo tenha esse conhecimento para se atentar quanto à possibilidade de agravamento da doença, assim como ter a informação do seu status imunológico, indicando que o mesmo já entrou em contato com o vírus. Portanto, o objetivo do trabalho foi determinar a soroprevalência da dengue em estudantes universitários da área da saúde, no Município de Caruaru-PE.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo do tipo transversal analítico, que investiga a relação exposição-doença em uma determinada população, em um dado momento do tempo. O trabalho foi realizado na Faculdade Asces, situada no Município de Caruaru-PE, no período de fevereiro a agosto de 2015, tendo como população alvo os estudantes do curso de Biomedicina e Farmácia. A população foi escolhida por conveniência, obtendo um total de 179 participantes.

Inicialmente os discentes foram esclarecidos sobre a pesquisa, e os que se propuseram a participar assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e responderam a um questionário que continha variáveis sociodemográficas, história de infecção por dengue, habitação e saneamento.

Os participantes passaram por uma coleta de sangue venoso, realizada no Laboratório Escola da Faculdade Asces, onde foram colhidos 3 mL de sangue. As amostras foram centrifugadas para obtenção do soro e ficaram armazenadas em microtubos a -20ºC, até o momento de realização do ensaio imunoenzimático (Elisa).

A pesquisa dos anticorpos IgG contra o vírus da dengue foi realizada por meio de “kit” comercial de Elisa do fabricante In vitro diagnóstica, seguindo as instruções e critérios de validação do fabricante.

Os dados foram armazenados e analisados no Excel. Os cálculos estatísticos foram realizados pelo statcalc no Epi info. O corte transversal permitiu estimar a prevalência dos anticorpos para dengue e uma associação entre algumas variáveis e a soropositividade para dengue.

Foram incluídos estudantes de ambos os sexos, que estavam devidamente matriculados nos cursos de Biome¬dicina e Farmácia da Faculdade Asces e excluídos os alunos licenciados.

ÉTICA

O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Asces, sob o n. 835.870. Todos os participantes desta pesquisa concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

A média de idade dos estudantes foi de 21,5 anos, com uma idade mínima de 17 anos e máxima de 42 anos. Foram coletados 179 soros de alunos matriculados nos cursos de Biomedicina e Farmácia da Faculdade Asces, todavia somente foram considerados para a análise aqueles indivíduos reagentes e não reagentes na sorologia. Os resultados indeterminados foram excluídos da análise estatística.

A Tabela 1 abaixo expressa as características dos 179 participantes da pesquisa de acordo com as respostas preenchidas pelo questionário.

fig1

A maioria dos alunos apresentou anticorpos IgG para dengue, sendo 87,10% reagentes, 4,50% não reagentes e 8,40% indeterminados.

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fig4

fig5

DISCUSSÃO

Caruaru, agreste pernambucano, está localizado a 140 KM de Recife, capital de Pernambuco. Apresenta uma Latitude de 8,17S e longitude de 35,58W.(6) Caruaru é uma região endêmica para a dengue, ou seja, todos os anos casos de dengue são notificados e confirmados, todavia alguns anos extrapolam os valores esperados quando então se caracteriza uma epidemia.(7)

O presente estudo observou uma prevalência alta de alunos com soroconversão para dengue. Esses dados foram maiores quando comparados aos encontrados no estudo de Malheiros,(5) onde se detectaram 51,3% (586/1.142) de soropositividade para IgG em alunos com colegial completo e curso superior incompleto. Todavia, quando se observa a prevalência relacionada a outras populações e localidades encontram-se números maiores, como a observada por Tavares,(8) que, ao avaliar 2.323 pessoas de uma comunidade urbana em Salvador, encontrou um porcentual de 87,6% de soropositividade para dengue. De acordo com estudos realizados em todo o Brasil, o quadro epidemio­lógico tem aumentado nas mais diversas regiões do país, sendo o Norte-Nordeste uma das principais regiões mais afetadas por surtos desta doença.(8)Um outro estudo realizado em Salvador, nas principais áreas de surtos de dengue verificou uma soroprevalência de 69% e 43% para os sorotipos DEN1 e DEN2, respectivamente, em uma população de 1.515 indivíduos, sendo o sexo feminino o mais prevalente.(9) Observou também que nas áreas onde as condições de vida eram precárias, a soroprevalência mostrou-se maior, cerca de 74%.(9) Um estudo realizado em Fortaleza demonstrou um dos maiores quadros de epidemia de dengue na região. Das 1.341 amostras colhidas em nove distritos sanitários, a prevalência variou de 21% a 71%. Dentre o total de amostras, 588 (41%) reagiram para mais de um sorotipo viral, enquanto que 753 (56%) não apresentaram soropo­sitividade para nenhum sorotipo do vírus. A variação da prevalência nos nove distritos avaliados pode ter sido devido à condição de vida e poder aquisitivo dos participantes.(10)

Em contrapartida, em um estudo realizado em três distritos de Belo Horizonte foi observada uma soroprevalência menor quando comparada com outros estudos no país. Entre os 709 indivíduos, a soroprevalência foi de 11,9%, o que demonstra estratégias eficazes de controle em comparação com inquéritos realizados em outras cidades brasileiras de grande e médio porte.(11) De acordo com dados do SINAN (Sistema de informação de agravos de notificação), os anos de 2002, 2003, 2007 e 2010 foram os mais comprometidos em casos de dengue no período de 2001 a 2010, no município de Caruaru-PE.(12) Em relação a estes quatro anos, o número de casos notificados excedeu em 34,4%, 28,7%, 73% e 81,5% os casos confirmados. A maioria dos casos não é confirmada e assim há uma sub­notificação dos casos soropositivos. A confirmação muitas vezes não é realizada devido à falta de informação do paciente, pois não é solicitado o seu retorno após dez dias do início dos sinais e sintomas para averiguação dos anticorpos IgM e IgG.(5) Um outro motivo da subnotificação é que alguns indivíduos apresentam dengue assintomática.(10)

O estudo mostra uma maior participação de estudantes do sexo feminino e uma maior frequência dos anti­corpos IgG para dengue nessa população, todavia não houve associação estatisticamente significante (p < 0,05). Esses dados foram semelhantes aos de outros estudos realizados no Brasil.(5,13) Em relação à idade, o trabalho encontrou uma maior participação e soroprevalência para dengue em alunos com idade acima de 20 anos; todavia, não foi encontrada associação estatística com a soropositividade (p < 0,05), corroborando com os achados de Malheiros,(5) que, ao avaliar 1.261 indivíduos de 20 a 39 anos, verificou uma frequên­cia de 51% de soropo­sitividade para IgG para dengue. Há uma estimativa de aumento da soropositividade para esta doença com o aumento da idade.(5,13,14) A maioria dos alunos alegou não ter tido dengue, todavia 53,4% destes apresentaram reatividade para os anticorpos. Esse dado foi semelhante ao relatado por Malheiros,(5) que, ao selecionar as pessoas que declararam não ter tido dengue em nenhuma das epidemias, 46,2% foram positivas na sorologia. Este achado pode estar relacionado à detecção de anti­corpos IgG no soro de indivíduos que tiveram infecção oligo ou assintomática. Estima-se que, em uma epidemia de dengue, ocorra um caso assintomático para cada cinco casos sintomáticos.(15) Os sintomas referidos pelos alunos avaliados foram febre, cefaleia, mialgias, náusea, vômito, tontura, artralgias, sangramento espontâneo, dor retro-orbitá­ria, exantema, sendo semelhantes aos dados encontrados no estudo de Vasconcelos.(10)

A falta de saneamento básico, o acúmulo de lixo, arma­zenamento de água são fatores que contribuem para a proliferação do mosquito transmissor do vírus da dengue.(2) O estudo observou que embora a maioria tivesse o hábito de armazenar água em recipiente fechado, não houve associação estatisticamente significante. Esses dados foram semelhantes aos encontrados em outros estudos.(5,9,10,13)

 

Conclusão

 

A soroprevalência para dengue nos alunos avaliados foi alta. Esse resultado era esperado, pois Caruaru é uma região endêmica. No campo das doenças infecciosas, embora existam outras arboviroses, a dengue ainda é a que compromete mais a saúde pública. Ações de controle e vigilância da dengue devem ser cada vez mais realizadas, bem como melhorias estruturais que interfiram nas condições de vida e saúde da população.

 

Agradecimentos

Agradecemos à Faculdade Asces por nos proporcionar todo o suporte físico para realização da pesquisa..

 

Abstract

Objective: Aim to determine the seroprevalence of dengue in students of the Faculty ASCES in the city of Caruaru-PE. Methods: The study was analytical cross-sectional. The research was carried out with students of the courses of Biomedicine and Pharmacy, Faculty ASCES, Municipality of Caruaru-PE. The survey of IgG antibodies to dengue virus was performed by the Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA). A questionnaire containing questions related to the history of dengue infection, habitation and sanitation was applied and the results were stored and analyzed in Excel. Results: Data and a sample of 179 students were collected. The seropositivity for IgG anti-dengue was 87.1% (156/179). The mean age was 21.5 years and the prevailing gender was female (76.5%). About 33.5% (60/130) confirmed to have had dengue once in lifetime and those who claimed not to have had dengue, 92.1% (58/63) had antibodies to the virus. Conclusion: In view of the great seroprevalence of dengue in the region, dengue control and surveillance actions should be increasingly carried out as well as structural improvements that interfere in the living conditions and health of the population.

Keywords

Dengue; prevalence; antibodies

  

REFERÊNCIAS

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Correspondência

Andresa Almeida de Souza

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