Staphylococcus aureus Resistente à Meticilina: uma análise da presença na microbiota nasal de estudantes de saúde em período de estágio

Methicillin-resistant Staphylococcus aureus: an analysis of the presence in the nasal microbiota of health students in the internship period

Bruno Janke do Nascimento1
Suzana Carstensen2

 

1  Graduando em Biomedicina, Centro Universitário UNIFACEAR. Araucária, PR, Brasil.

2  Bióloga, Especialista em Biotecnologia e Mestre em Medicina Interna. Docente do Centro Universitário UNIFACEAR. Araucária, PR, Brasil.

 

Recebido em 30/12/2020

Aprovado em 02/03/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202202092

 

 

INTRODUÇÃO

 

Nas últimas décadas a resistência bacteriana se tornou uma grande preocupação no tratamento das infecções. O uso incorreto de antibióticos propicia um ambiente ideal para a evolução destes patógenos, que por meio de mutações aleatórias ou adquiridas garantem vantagens na competição evolutiva e podem proliferar de maneira mais eficaz do que as bactérias sensíveis aos medicamentos.(1,2)

O gênero Staphylococcus compreende 52 espécies e 28 subespécies, porém o Staphylococcus aureus é a bactéria de maior importância clínica. Apesar de compor a microbiota nasal de cerca de 40% da população em geral, o S. aureus em contato com lesões ou com a corrente sanguínea pode desencadear diversas manifestações no hospedeiro, desde impetigo, foliculites e furúnculos até abscessos, endocardites e septicemias que podem levar à síndrome do choque tóxico e outras complicações.(1,3-5)

O S. aureus resistente à meticilina, ou simplesmente MRSA (Methicillin-resistant Staphylococcus aureus), foi originalmente descrito na Inglaterra em 1961, no período posterior à inserção da meticilina no tratamento de infecções, e com isto ocorreu a descontinuidade do uso da meticilina na prática médica em vários países, devido também a sua toxicidade, sendo substituída por penicilinas mais estáveis, como a flucloxacilina, oxacilina e dicloxacilina.(1,4,6)

Mesmo com o fim da utilização da meticilina, o termo MRSA foi mantido em relação às bactérias resistentes a diversas penicilinas e cefalosporinas, além das cepas bacterianas resistentes a penicilinases e/ou inibidoras de beta-lactamases.(6,7) Uma metanálise evidenciou que o Brasil está entre os piores índices de prevalência de MRSA no mundo, sendo mais de 50% dos S. aureus isolados categorizados como MRSA.(1)

Dentre as infecções relacionadas aos cuidados de saúde (IRCS), responsáveis por mais de 15% das infecções anuais do Brasil, o S. aureus destaca-se entre os patógenos mais prevalentes. Além disto, as instituições de saúde pública do país detêm uma condição mais agravante, pois as IRCS são responsáveis pela prevalência de 18,4% das infecções anuais nestes locais.(8,9) O contato com os ambientes contaminados, aliado à desinformação sobre IRCS, sua prevalência, resistência bacteriana e mortalidade, são fatores diretamente responsáveis pela vetorização de patógenos por profissionais de saúde.(8,10,11)

É descrito em estudos recentes que cerca de 80% dos profissionais de saúde são acometidos pela colonização nasal de S. aureus, sendo até 20% portadores das cepas MRSA.(10,11) Com isto, o aumento na incidência de S. aureus vem sendo associado à disseminação por profissionais de saúde, sendo essas infecções por MRSA derivadas da atenção à saúde descritas como HA-MRSA (health-care-associated) na academia científica.(1)

Diante da necessidade de combater as infecções de HA-MRSA, é fundamental o desenvolvimento de estudos de prevalência entre acadêmicos e profissionais de saúde, principalmente entre áreas de atuação distintas, além de determinar os fatores de risco mais prevalentes entre os profissionais.(1,5,6,12) Diante de tal demanda, a presente pesquisa buscou avaliar a prevalência de S. aureus e MRSA na mucosa nasal dos acadêmicos de biomedicina, enfermagem e fisioterapia em período de estágio, de uma instituição de ensino superior de Araucária (PR).

 

CASUÍSTICA E MÉTODOS

 

Esta pesquisa foi realizada em campo, de forma transversal e descritiva, e buscou analisar de forma qualitativa e quantitativa a prevalência da colonização nasal de S. aureus e MRSA em voluntários selecionados. Os voluntários foram acadêmicos de biomedicina, de enfermagem e de fisioterapia da instituição de ensino superior de Araucária (PR), que no momento da coleta estavam realizando estágio obrigatório ou não obrigatório em área de atuação do curso em que estavam matriculados.

Os critérios para inclusão dos voluntários do estudo foram: ser maior de idade; estar matriculado e frequentando o curso de biomedicina, enfermagem ou fisioterapia da instituição de ensino superior de Araucária (PR), no período de estudo; estar realizando estágio, obrigatório ou não obrigatório, em alguma área de atuação de seu respectivo curso de graduação; aceitar participar do estudo mediante o aceite e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; estar disposto a fornecer uma ou mais amostras de swab nasal para investigação microbiológica.

Foram excluídos da pesquisa os voluntários com idade inferior a 18 anos; os que não possuíam vínculo acadêmico com a instituição de ensino superior de Araucária (PR); os que eram acadêmicos de quaisquer outros cursos que não seja biomedicina, enfermagem ou fisioterapia; os que não estavam realizando estágio em área de atuação do curso em que estava matriculado; os que não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido; os que possuíam alguma limitação física ou patológica que impediu as coletas de amostras de swab de ambas as fossas nasais; os que efetuaram o uso de antibiótico nos últimos quinze dias que antecederam a coleta e; os que rejeitaram as coletas necessárias de swab nasal.

A seleção dos voluntários foi realizada com a aplicação de questionário adaptado de dois autores,(13,14) com o objetivo de obter o histórico de exposição microbiológica hospitalar e/ou utilização de antimicrobianos, além da caracterização da amostragem. Os questionários foram preenchidos pelos voluntários, sem intervenção do pesquisador, e foram compostos por questões objetivas, aplicadas de forma física na instituição de ensino superior de Araucária (PR).

A coleta das amostras foi realizada pelo pesquisador, na instituição de ensino superior, campus Araucária, e seguiu os procedimentos do Laboratório Central do Estado do Paraná, em conformidade com o Manual de Microbiologia Clínica para Controle de Infecção em Serviços de Saúde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e com a Resolução RDC nº 20 da SBPC.(15-17)

O procedimento consistiu na inserção de um swab estéril nas fossas nasais anteriores, promovendo o contato com a mucosa nasal através de movimentos giratórios contínuos e delicados durante a coleta, seguido pela retirada do swab das fossas nasais e sua inserção em meio de transporte Stuart, identificado com numeração individual estabelecida nos questionários.(15,16)

A análise microbiológica foi realizada, primeiramente, através da semeadura qualitativa das amostras em 24 horas após a coleta, e durante este período as amostras tiveram o crescimento de seu volume com o meio Stuart em estufa a 35 ± 2ºC. Visando o isolamento de S. aureus, de acordo com o manual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e com as recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica, a semeadura do volume cultivado foi realizada em ágar manitol contendo 7,5% de cloreto de sódio, com posterior incubação por no mínimo 24 horas a 35 ± 2ºC em estufa.(16,17)

Foi realizada a comprovação morfológica das cepas que cresceram no manitol com a bacterioscopia precedida por coloração de Gram. As cepas cujas características morfológicas não comprovaram em conjunto com a fermentação do manitol a presença de S. aureus foram submetidas às análises bioquímicas de produção de catalase e coagulase.

Após a comprovação da presença de S. aureus nas amostras, a pesquisa de MRSA foi feita através do inóculo das cepas confirmadas em ágar cromogênico seletivo e diferencial para MRSA, incubadas por no mínimo 24 horas a 35 ± 2ºC em estufa bacteriológica, algumas cepas necessitaram de 48 horas de incubação para a formação característica em acordo com a Bula.(18,19)

O controle de dados foi realizado através do software Microsoft Excel® e para a análise e estudo de associação das variáveis foi adotado o teste qui-quadrado de Pearson (teste x²) em nível de significância de 5,0%, com resultados considerados estatisticamente significativos para p≤ 0,05. A análise estatística foi realizada através do software BioEstat®, versão 5.0.

 

ÉTICA

 

Em virtude da participação de voluntários na pesquisa, visando o cumprimento das diretrizes do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário UNIFACEAR, e aprovado sob o CAAE no 26167719.4.0000.5620.

 

RESULTADOS

 

No período de fevereiro a março de 2020, 53 indivíduos se voluntariaram para participar na presente pesquisa. Para adequar os participantes nos critérios de inclusão e exclusão do estudo foram aplicados os questionários aos voluntários. Foram identificados 2 voluntários fazendo o uso de antibióticos no período e com isto os mesmos foram excluídos da pesquisa, totalizando 51 voluntários elegíveis, sendo 43,1% (22/51) do curso de enfermagem, 31,4% (16/51) do curso de biomedicina e 25,5% (13/51) do curso de fisioterapia. Observou-se que 86,3% (44/51) dos participantes eram do gênero feminino e 13,7% (7/51) do gênero masculino. Além disto, a faixa etária predominante na população estudada foi entre 18 e 24 anos, representando 74,5% (38/51), enquanto 25,5% (13/51) dos indivíduos possuíam entre 25 e 44 anos.

A análise por meio da estatística descritiva demonstrou que a prevalência geral de colonização nasal de S. aureus encontrada nos indivíduos que participaram da pesquisa foi de 45,1% (23/51). Entre os colonizados, 91,3% (21/23) eram do gênero feminino e 8,7% (2/23) do gênero masculino. Os acadêmicos do curso de enfermagem representaram 43,5% (10/23), os de biomedicina 39,1% (9/23) e os de fisioterapia 17,4% (4/23).

A faixa etária mais prevalente foi a de 18 a 24 anos, que representou 78,3% (18/23) dos colonizados, enquanto os de 25 a 44 anos representam 21,7% (5/23). Não houve diferenças significativas entre o tempo de realização de estágio e índice de colonização, sendo 39,1% (9/23) dos indivíduos com um período de 6 a 11 meses de estágio, 34,8% (8/23) dos indivíduos com período ≤ 5 meses de estágio e 26,1% (6/23) dos indivíduos com período ≥ 18 meses de estágio. As características gerais da análise estatística dos indivíduos colonizados por S. aureus encontram-se apresentadas na Tabela 1.

Após a identificação de S. aureus nas amostras dos voluntários da pesquisa, se realizou a identificação da característica de resistência ou sensibilidade à oxacilina das cepas isoladas, utilizando o meio específico para triagem de MRSA. As análises revelaram que 91,3% (21/23) das cepas de S. aureus isoladas eram MRSA, o que representa 41,2% (21/51) dos indivíduos da pesquisa.

A análise estatística descritiva revelou que 90,5% (19/21) dos indivíduos com MRSA positivo nas amostras coletadas eram do gênero feminino e 9,5% (2/21), do gênero masculino. Os acadêmicos com maior incidência eram os alunos dos cursos de enfermagem com 42,9% (9/21) e biomedicina com 42,9% (9/21), enquanto os graduandos em fisioterapia representaram 14,2% (3/21) dos indivíduos acometidos. A faixa etária mais afetada foi a de 18 a 24 anos com 76,2% (16/21) dos casos, enquanto 23,8% (5/21) tinham entre 25 a 44 anos.

O tempo de estágio não apresentou diferença significativa na incidência encontrada, sendo 38,1% (8/21) com período entre 6 a 11 meses, 33,3% (7/21) com período ≤ 5 meses e 28,6% (6/21) dos indivíduos com período ≥ 18 meses de estágio supervisionado. As análises estatísticas sobre a incidência de MRSA do estudo encontram-se na Tabela 2.

 

Tabela 1 – Perfil epidemiológico e índice de colonização nasal por Staphylococcus aureus em acadêmicos dos cursos da saúde em período de estágio da instituição de ensino superior de Araucária (PR), 2020

Variáveis Colonizados (n) % Não Colonizados (n) % Total (n) % OR (IC95%) p
Gênero                  
Masculino 2 8,7 5 17,9 7 13,7    
Feminino 21 91,3 23 82,1 44 86,3 0,89 2,28 (0,40-13,05) 0,34
Faixa etária (anos)                
<18 0 0 0 0 0 0      
18 a 24 18 78,3 20 71,4 38 74,5    
25 a 44 5 21,7 8 28,6 13 25,5 0,31 0,69 (0,19-2,51) 0,57
>45 0 0 0 0 0 0      
Curso                
Biomedicina 9 39,1 7 25 16 31,4 0,43 1,54 (0,42-5,63) 0,51
Enfermagem 10 43,5 12 42,9 22 43,1    
Fisioterapia 4 17,4 9 32,1 13 25,5 0,73 0,53 (0,12-2,26) 0,39
Tempo de estágio (meses)            
≤5 8 34,8 9 32,1 17 33,3    
6 a 11 9 39,1 11 39,3 20 39,2 0,02 0,92 (0,25-3,36) 0,9
12 a 17 0 0 0 0 0 0      
≥18 6 26,1 8 28,6 14 27,5 0,05 0,84 (0,20-3,50) 0,81
Total 23   28   51        

Legenda: x²: Qui-quadrado de Pearson; OR: OddsRatio; IC: Intervalo de Confiança; p < 0,05: Estatisticamente significativo.

 

Tabela 2. Perfil epidemiológico e índice de resistência à oxacilina das cepas de Staphylococcus aureus isoladas dos acadêmicos dos cursos da saúde em período de estágio da instituição de ensino superior de Araucária (PR), 2020.

Variáveis MRSA (n) % MSSA (n) % Total (n) % OR (IC95%) p
Gênero                  
Masculino 2 9,5 0 0 2 8,7   #  
Feminino 19 90,5 2 100 21 91,3 0,2 # 0,65
Faixa Etária (anos)              
<18 0 0 0 0 0 0      
18 a 24 16 76,2 2 100 18 78,3   #  
25 a 44 5 23,8 0 0 5 21,7 0,61 # 0,43
>45 0 0 0 0 0 0      
Curso                  
Biomedicina 9 42,9 0 0 9 39,1 0,95 # 0,33
Enfermagem 9 42,9 1 50 10 43,5    
Fisioterapia 3 14,3 1 50 4 17,4 0,52 0,33 (*) 0,47
Tempo de estágio (meses)              
≤5 7 33,3 1 50 8 34,8    
6 a 11 8 38,1 1 50 9 39,1 0,008 1,14 (*) 0,93
12 a 17 0 0 0 0 0 0      
≥18 6 28,6 0 0 6 26,1 0,81 # 0,37
Total 21 2 23      

Legenda: MRSA: Staphylococcus aureus resistente à meticilina; MSSA: Staphylococcus aureus sensível a meticilina; x²: Qui-quadrado de Pearson; OR: OddsRatio; IC: Intervalo de Confiança; #: não foi possível calcular o OR; *: o IC não foi calculado pois n¹p¹q¹ ou n²p²q² < 5; p < 0,05: Estatisticamente significativo.

 

 

DISCUSSÃO

 

O presente estudo demonstrou que no período da coleta 45,1% (23/51) dos voluntários se encontravam colonizados por S. aureus, índice que está próximo ao relatado na literatura para a prevalência na população em geral que se estima entre 20% e 40% dos indivíduos. Entretanto, os voluntários eram acadêmicos em período final de cursos da saúde e eram esperados índices próximos ao encontrado em profissionais de saúde, superior a 80% dos indivíduos.(7,10)

Uma revisão de literatura(3) demonstrou que entre os fatores de risco para a aquisição das bactérias multirresistentes está o tempo de exposição ao ambiente hospitalar, algo que não foi predominante entre os indivíduos do estudo tendo em vista que 72,5% (37/51) dos voluntários possuíam menos de um ano de estágio no ambiente profissional. O índice de colonização nasal inferior ao de profissionais de saúde pode também estar associado à faixa etária dos voluntários, já que 74,5% (38/51) dos indivíduos do estudo possuíam entre 18 a 24 anos, sendo também os jovens a maioria entre os voluntários colonizados com 78,3% (18/23) dos casos.

O curso de biomedicina foi o que teve o maior índice de colonização nasal proporcionalmente ao total de voluntários do curso, com 56,2% (9/16) dos indivíduos colonizados com S. aureus, seguido pelo curso de enfermagem que teve proporcionalmente 45,4% (10/22), enquanto o curso de fisioterapia teve somente 30,8% (4/13) dos indivíduos acometidos com o patógeno. Entretanto estas diferenças não se mostraram estatisticamente relevantes (p > 0,05).

Com relação ao índice de prevalência de MRSA de 41,2% (21/51) dos voluntários da pesquisa, o valor encontrado está superior ao descrito na literatura para profissionais de saúde, que é em torno de 20% dos indivíduos.(10,20,21) Entretanto outros estudos, também realizados de forma transversal e com amostragem similar, encontraram valores superiores a 50% nos indivíduos estudados, reforçando que a incidência de MRSA nos isolados de S. aureus está se tornando cada vez mais comum.(22,23)

Uma metanálise global(1) colocou o Brasil entre os piores índices de presença de MRSA em infecções de S. aureus no mundo, onde mais de 50% das cepas isoladas foram caracterizadas como multirresistentes. Valor similar foi encontrado em um estudo sobre a América Latina, que colocou o Brasil entre os piores índices da região.(18) Estes dados mostram a importância do monitoramento contínuo da resistência bacteriana, pois a disseminação destas cepas está se tornando cada vez mais constante na comunidade.(24)

Os alunos de biomedicina tiveram proporcionalmente o pior índice de caracterização de MRSA nas cepas isoladas de S. aureus, pois todas as cepas de S. aureus analisadas se estabeleceram no meio de cultura específico para triagem de MRSA (9/9), conforme mostra a Tabela 2. Os demais cursos também mantiveram altos índices de amostras com resistência bacteriana, pois os alunos de enfermagem tiveram 90% (9/10) das cepas de S. aureus isoladas caracterizadas como MRSA, enquanto os acadêmicos de fisioterapia tiveram 75% (3/4) das cepas de S. aureus isoladas caracterizadas como MRSA.

Apesar das diferenças não apresentarem relevância estatística (p > 0,05), um estudo focou na prevalência de colonização de MRSA em técnicos de análises clínicas e saúde pública, que desempenham atividades laboratoriais em Portugal, e mostrou uma alta incidência nestes profissionais em relação ao relatado na literatura, pois 43% dos indivíduos tiveram isolados laboratoriais de MRSA.(25) Esta correlação, apesar da ausência de causalidade evidenciada, pode ser um fator que demonstre uma maior prevalência de contaminação entre profissionais que realizam análises microbiológicas, como o profissional biomédico, em relação às demais áreas da saúde estudadas, entretanto são necessários maiores pesquisas para a definição desta diferença epidemiológica.

Entre os diversos fatores que estão relacionados com a crescente prevalência de resistência bacteriana e sua disseminação no âmbito profissional (HA-MRSA) e comunitário (CA-MRSA), estão as infecções adquiridas por bioaerossóis, responsáveis pela propagação de diversos microrganismos nos ambientes.(26) A contaminação nos ambientes é diretamente responsável pela disseminação entre os profissionais e estudantes de saúde, pois as medidas preventivas nem sempre são adotadas corretamente.(26,27)

Quando os voluntários foram questionados sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) no estágio, 90,2% (46/51) afirmaram fazer o uso como medida de prevenção, entretanto apenas 70,6% (36/51) lembraram de pelo menos três EPI utilizados. Entre os equipamentos mais citados destacam-se o uso de jalecos, luvas e máscaras cirúrgicas. Todos os participantes afirmaram realizar a higienização das mãos periodicamente no ambiente de estágio.

Os portadores de MRSA possuem um risco até 10 vezes maior para o desenvolvimento de doenças clínicas geradas por uma infecção desta bactéria e, além disto, o fato do hospedeiro se tornar reservatório bacteriano possibilita um aumento do risco de disseminação do patógeno para outras pessoas ou a contaminação de alimentos e/ou superfícies.(27) Este fato, diante da crescente prevalência de resistência bacteriana na microbiota dos profissionais da saúde, torna fundamental a realização de medidas de prevenção e monitoramento dos profissionais e pacientes, visando a redução das IRCS como definido pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde.(28,29)

Dentre as variáveis investigadas no presente estudo, entre elas o gênero, idade, curso, tempo de estágio e conhecimentos sobre o assunto e prevenção, não foi verificada uma relação estatística com a colonização de S. aureus ou sua variante resistente MRSA (p> 0,05).

 

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

 

Apesar de esta pesquisa demonstrar uma grande prevalência pontual de MRSA entre estagiários de cursos distintos na área da saúde, algumas limitações favorecem a realização de novos estudos a respeito do tema. A realização de coleta de apenas um sítio anatômico impede a comparação da prevalência do patógeno na microbiota, entretanto alguns estudos apontam para a maior prevalência nasal em relação a outros locais coletados.(5,30)

A característica transversal do estudo demonstra a colonização no período da coleta, impossibilitando a definição de infecção transitória ou definitiva, devido a isto é importante que novos estudos façam a comparação entre períodos distintos dos cursos com o acompanhamento dos indivíduos ao longo da graduação.

O meio de cultura cromogênico específico para MRSA utilizado possui a seletividade e diferenciação para a cepa pesquisada, entretanto a ausência de realização de testes com outros antimicrobianos por meio de discos de difusão e/ou testes de concentração mínima inibitória impede que sejam determinados outros níveis de resistência bacteriana do S. aureus, como por exemplo o S. aureus resistente à vancomicina (VRSA) que também se tornou um grande problema de saúde pública.(19,29,31)

A impossibilidade de pesquisa por técnicas de biologia molecular no estudo impede a definição e caracterização de tipos de MRSA encontrados, não sendo possível compará-los com os tipos descritos na literatura, como realizado em outros estudos.(11,30,32)

Apesar das limitações, este estudo é pioneiro na instituição e demonstra a necessidade de acompanhamento dos acadêmicos no período de estágio, visando à contenção da aquisição e disseminação bacteriana durante este período. O estudo da resistência bacteriana propicia uma visão crítica sobre o uso inadequado de antibióticos, além de evidenciar a necessidade de reforço nas medidas de contenção como a higienização das mãos e uso de EPI durante o estágio e também durante as aulas práticas nos cursos de saúde.(9,28,29,33)

 

CONCLUSÃO

 

A resistência bacteriana é um dos maiores problemas de saúde global. Diante disto, ressaltar a importância deste tema com pesquisas e desenvolvimentos de medidas preventivas é fundamental para a segurança da sociedade em geral. O estudo contou com a participação de 51 indivíduos e evidenciou que 45,1% dos voluntários tiveram a presença de S. aureus na amostra nasal coletada. Além disto, foi isolado o MRSA em 41,2% do total das amostras analisadas, ou seja, 91,3% dos indivíduos colonizados por S. aureus possuíam caracterização de resistência do MRSA. Apesar da prevalência de S. aureus estar próximo ao encontrado na comunidade (20% a 40%) e inferior ao de profissionais de saúde (> 80%), o índice de MRSA é superior ao relatado pela literatura em ambos os grupos (1% e 20%, respectivamente).

Os acadêmicos de saúde em período de estágio estão diretamente em contato com ambientes propícios à aquisição de patógenos. Além disto, o contato próximo com os pacientes torna os estagiários vetores de diversos microrganismos e diretamente responsáveis pelas IRCS, caso medidas de controle não sejam adotadas. Os valores encontrados neste estudo mostram a necessidade de monitoramento de profissionais e acadêmicos de saúde para evitar as IRCS, além de transparecer a carência de educação continuada sobre as medidas de prevenção e uso racional dos antibióticos para a contenção deste problema de saúde global.

 

SUPORTE FINANCEIRO

 

A Laborclin – Produtos Para Laboratórios LTDA apoiou a pesquisa com os insumos utilizados.

 

AGRADECIMETOS

 

À Laborclin – Produtos Para Laboratórios LTDA.

À Francieli dos Santos Pereira.

Ao Jozemar Delfino.

 

 

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência

Bruno Janke do Nascimento

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