Personagem da História da Saúde VII: Richard Julius Petri

Richard Julius Petri (Fig. 1) foi um bacteriologista de origem germânica, nascido em 1852, na cidade de Barmen, perto de Wuppertal, na então chamada Confederação Alemã. Ele descendia de uma família de intelectuais, sendo o filho mais velho de Philipp Ulrich Martin Petri (1817-1864), que trabalhava como professor em Berlim, e de Louise Petri. Seu avô paterno, Viktor Friedrich Leberecht Petri (1782-1857), foi professor de literatura clássica e línguas orientais, tendo sido diretor do Collegium Carolinum, em Braunschweig, na Baixa Saxônia.

Petri foi casado duas vezes. A primeira esposa, Anna Riesch, faleceu durante o parto, em 1894. Após sua morte, Petri se casou novamente, em 1897, com Elizabeth Turk. Nesse segundo casamento, Petri e Elizabeth não tiveram filhos.

fig 1Ao terminar seus estudos da classe elementar e secundária, em sua cidade natal, Petri transferiu-se para Berlim para fazer o curso médico, matriculando-se na Kaiser Wilhelms-Akademie für das militärärztliche Bildungswesen [Academia Kaiser Wilhelms para a Educação Médica Militar]. Nessa instituição, entre 1871 e 1875, estudou medicina com especialidade em medicina militar. Em seguida, já como médico militar, fez um doutorado na Charité Universität de Berlim, defendendo, em 1876, a tese intitulada Versuche zur Chemie des Eiweissharns [Estudos sobre a química de proteínas na urina].

No período compreendido entre 1876 a 1882, Petri exerceu a medicina como médico voluntário no 2º Fußschutz Regiment [Regimento de Guarda a Pé]. Enquanto servia como médico militar, foi designado para trabalhar no Kaiserliches Gesundheitsamt [Departamento Imperial de Saúde], que era um importante centro de pesquisa em Berlim. Nesse departamento trabalhou, entre 1877 e 1879, como assistente de Robert Koch (1843-1910) em seu laboratório de bacteriologia. Foi com Koch que desenvolveu o interesse pela micro­biologia e seus métodos.

Mesmo após ter deixado o laboratório de Koch, o envolvimento de Petri com a microbiologia clínica e as doenças infeciosas continuou. Entre 1882 a 1885, ele trabalhou no Görbersdorfer Sanatorium für Tuberkulose [Sanatório para tuberculose em Görbersdorf] como assistente de Herman Brehmer (1826-1889), que pesquisava e tratava pacientes com tuberculose pulmonar. Em 1886, Petri assumiu como curador do Berliner Hygiene-Museum [Museu de Higiene de Berlim], criado em 1885 pelo Ministério de Cultura alemão. No ano de 1889, retornou ao Kaiserliches Gesundheitsamt como Regierungsrat [conselheiro] e ordentliches Mitglied [membro titular], além de assumir como diretor. Em 1900, contudo, aposentou-se dessa instituição com o título de Geheimer Regierungsrat [Conselheiro privado], assumindo, posteriormente, por três anos, a direção do sanatório para pacientes com tuberculose de Herman Brehmer, em Görbersdorf. Petri faleceu em 1821, na cidade de Zeitz, na Saxônia-Anhalt.

Petri publicou cerca de 150 artigos e tratados de bacteriologia e higiene, escrevendo sobre temas como doenças infecciosas, análise de água e alimentos, descrição de técnicas e utilização de equipamentos de microbiologia. Dentre esses textos, destacam-se: Apparat zur Bestimmung des Wassergehaltes in der Milch durch Destillation im Vacuum [Aparelho para determinar o teor de água no leite por destilação a vácuo] (1880); Katalog für das Hygiene-Museum [Catálogo do Museu de Higiene] (1886); Der Cholerakurs im Kaiserlichen Gesundheitsamt [Curso de Cólera do Departamento Imperial de Saúde] (1893); Die Gefährlichkeit der Carbon-Natron-Oefen [Os Riscos dos Fornos de Carbonato de Sódio] (1889); Gewerbehygiene [(Higiene Industrial] (1890); Versuche, über die Verbreitung ansteckender Krankheiten insbesondere der Tuberkulose, durch den Eisenbahnverkehr und über die dagegen zu ergreifenden Massnahmen [Estudos sobre a Propagação de Doenças Infecciosas, em particular da Tuberculose, em Transporte Ferroviário e suas Medidas de Controle] (1893); Das Mikroscop von seinen Anfängen bis zur jetzigen Vervollkommnung für alle Freunde dieses Instruments [O Microscópio dos Primórdios até o Presente Momento para os Interessados nesse Instrumento] (1896); Zur Beurtheilung der Hochdruck-Pasteurisir-Apparate [Avaliação do Aparelho de Pasteurização de Alta Pressão] (1897); Zum Nachweis der Tuberkelbacillen in Butter und Milch [Detecção do Bacilo da Tuberculose na Manteiga e no Leite] (1897); Aetiologie und Therapie der chronischen Lungenschwindsucht [Etiologia e Tratamento da Tuberculose Pulmonar Crônica] (1902).

Inegavelmente, Petri deu uma enorme contribuição para o progresso e desenvolvimento da microbiologia e para um melhor entendimento sobre a biologia dos microrganismos patogênicos e as doenças por eles causadas. No entanto, seu nome entrou, de forma indelével, para a história da medicina e das patologias infecciosas, em decorrência de uma invenção que revolucionou a prática micro­biológica: a Placa de Petri.

Em 1877, ainda como um jovem médico, ao trabalhar como assistente de Robert Koch, Petri entrou em contato com a bacteriologia e suas técnicas de laboratório e pôde perceber a grande dificuldade que havia para se estudar os microrganismos, tendo em vista o estágio inicial em que se encontrava a microbiologia. Nesse período, entretanto, a teoria microbiana das doenças de Louis Pasteur (1822-1895) estava consubstanciada e diversos protocolos e equipamentos para o estudo das bactérias vinham sendo desenvolvidos e testados. Problemas relacionados ao isolamento e manutenção de culturas de microrganismos, colorações para visualizações microscópicas, frascos, recipientes e dispositivos para manipulação de culturas e o poder discriminatório dos microscópios eram questões que estavam sendo paulatinamente resolvidas pelos pesquisadores. O isolamento bacteriano em cultura pura, contudo, era uma situação pontualmente crítica. Como naquela época já se aceitava o fato de que existiam diferentes espécies de bactérias na natureza, percebeu-se que era fundamental, para um melhor estudo microbiano, ter esses microrganismos isolados separadamente no laboratório.

Meios de cultura e técnicas de recuperação e isolamento vinham sendo estudadas por diversos centros de pesquisa na Europa e em outras partes do mundo, mas os resultados eram insatisfatórios porque se empregavam meios de cultura líquidos e a contaminação com bactérias ambientais era frequente. Os meios líquidos não permitiam a individualização das culturas e os recipientes disponíveis que continham esses meios não permitiam o trabalho em assepsia. Essa problemática foi exaustivamente analisada por Koch e seus assistentes, que propuseram a substituição dos meios líquidos ou caldos nutritivos pelo uso de batatas cozidas cortadas, esterilizadas e acondicionadas em frascos de vidro. O cultivo de bactérias sobre uma superfície sólida permitia que elas se desenvolvessem separadamente. Desse modo, o crescimento em batatas passou a ser uma prática de isolamento microbiológico. No entanto, apesar do crescimento individualizado, as colônias de coloração clara não eram bem visualizadas sobre as batatas quando comparadas com aquelas mais pigmentadas, dificultando o estudo de muitos grupos bacterianos.

Avançando no desenvolvimento dos meios de cultura sólidos, Koch propôs o emprego de gelatina para solidificar os meios líquidos, em substituição às batatas. Ele depositou sobre a superfície de lâminas de microscopia ou pratos de vidro um meio gelatinizado fundido, de forma a produzir uma fina camada uniforme de alguns milímetros de gelatina. Uma vez solidificado, o meio poderia ser inoculado com a bactéria sob estudo. Como nas batatas, por se tratarem também de uma superfície sólida, as bactérias cresciam isoladamente sobre a gelatina. Para a incubação, a lâmina de microscopia com a gelatina inoculada era introduzida numa câmara úmida, representada por uma caixa circular de vidro com tampa, forrada em sua base com papel de filtro umidificado. A vantagem dessa técnica era que o meio gelatinizado se mantinha transparente, permitindo a visualização de todo tipo de colônia. Todavia, como uma importante desvantagem, havia a susceptibilidade da gelatina à temperatura ambiente, pois em períodos de temperatura mais elevada, a gelatina se liquefazia.

O problema da solidificação dos meios de cultura foi definitiva e eficientemente resolvido, em 1881, por Fanny Angelina Hesse (1850-1934), uma assistente de Koch, que substituiu, na composição do meio, a gelatina por um polissacarídeo derivado do ágar-ágar (alga marinha vermelha), que era estável em diferentes temperaturas. Ao ágar fundido, Koch acrescentou caldo de carne e a mistura era, então, vertida numa placa de vidro rasa, coberta por uma campânula também de vidro. Nesse recipiente, ao esfriar, o meio solidificava e poderia ser inoculado. Como o ágar era claro, permitia a contagem e a identificação das bactérias sem maiores dificuldades. No entanto, pela exposição ao ar atmosférico, a contaminação do meio por bactérias ambientais era uma questão ainda sem solução.

fig 2Essa exposição ambiental ocorria porque, para se visualizarem as bactérias ao microscópio, a campânula tinha que ser removida para que o prato com seu conteúdo microbiano pudesse ser colocado sob as objetivas. Nesse momento, as culturas isoladas eram expostas a condições adversas e à contaminação. Petri, então, teve a ideia de acrescentar uma parede perpendicular de alguns centímetros ao redor da base do prato e de tampá-lo com uma outra placa de mesmo desenho, mas um pouco maior, que se ajustava perfeitamente à placa menor que continha o meio de cultura. Dessa forma, o meio sólido e as bactérias isoladas não tinham contato com o ar atmosférico contaminado, pois a placa assim fechada poderia ser colocada sob as objetivas do microscópio para que os microrganismos pudessem ser visuali-zados, já que tanto a base quanto a tampa eram confeccionadas com vidro transparente. Em 1887, Petri publicou sua invenção num artigo seminal intitulado Eine Kleine Modification des Koch’schen Plattenverfahrens [Pequena Modificação da Placa de Koch] (Fig. 2), que descrevia uma placa circular de vidro com 10 cm a 11 cm de diâmetro, 1,0 cm  a 1,5 cm de altura da borda e com 0,5 cm a 0,7 cm de espessura, fechada por uma tampa exatamente igual à base, mas com um diâmetro alguns centímetros maior. Nascia assim a famosa “Placa de Petri”, cuja invenção, mais de 130 anos depois, permanece como um dos fundamentos do trabalho microbiológico.

BIBLIOGRAFIA

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10.1016/j.endeavour.2019.04.001.

 

Paulo Murillo Neufeld, PhD

Editor-Chefe da Revista Brasileira de Análises Clínicas