COVID-19 e o exame do líquor

COVID-19 and Cerebral Spinal Fluid analysis

 

João Batista Costa Neto1

1Diretor do Laboratório de Líquor – LCR . Campo Grande-MS, Brasil.

Instituição: Laboratório de Líquor – LCR . Campo Grande-MS, Brasil.

Recebido em 22/04/2020
Artigo aprovado em 18/05/2020
DOI: 10.21877/2448-3877.202001983

 

Prezado Editor

 

Os coronavírus podem causar infecções sistêmicas em humanos e animais.(1) No entanto, alguns deles podem se adaptar rapidamente e atravessar a barreira de defesa das espécies, como nos casos de SARS-CoV e da Sín­drome Respiratória do Oriente Médio-Cov (MERS-CoV), causando epidemias e pandemias. Em seres humanos, podem levar a sintomas clínicos graves e até à morte.(2,3) Dentre os principais sintomas estão as manifestações respiratórias, a fadiga e mialgia.(1,4) Já para a COVID-19, têm sido informados sintomas neurológicos relevantes, destacando-se: dor de cabeça, tontura, ataxia, doença cerebro­vascular aguda, epilepsia, hipogeusia, hiposmia, hipóxia,  neuralgia e os sintomas musculares graves.(4,5) Vale ressaltar que a população de idosos, principalmente aqueles com comorbidades associadas, como bronquite crônica, enfise­ma, insuficiência cardíaca e/ou diabetes têm mais probabilidade a desenvolver doença grave.(6)

Numa tentativa de traçar um parâmetro entre a infecção pelo coronavírus e as possíveis alterações do líquor ou líquido cefalorraquidiano (LCR), consolidamos alguns dados obtidos na literatura, que são apresentados na Tabela 1.

1

Apesar de escassos relatos da utilização do LCR como ferramenta diagnóstica de COVID-19, é importante reconhecer seu possível uso, não somente nas investigações de rotina ou convencionais, mas também em biologia molecular, buscando diretamente o material genético do vírus por meio de técnicas como RT-PCR.(2,7-11) Dependendo dos achados na anamnese clínica, a solicitação do exame poderá ser de valia para o diagnóstico diferencial com outros agentes mais comuns e que, igualmente, produzem infecções e reações inflamatórias e imunológicas no sistema nervoso central (SNC), tais como o vírus da Zika, Dengue, Nilo Ocidental, Herpes 1 e 2, Zoster, citomegalovírus, Epstein-Barr e enterovírus.(1,12)

Com base no comportamento do LCR apresentado na Tabela 1, passamos a uma rápida discussão dos dados. O fato de estarmos diante de um resultado liquórico, que eu chamaria de “inocente”, em decorrência do aspecto límpido e incolor, não podemos tratá-lo como um exame sem importância, tendo em vista que um aumento da celularidade global tem sido relatado. O aumento da proteinorraquia indica normalmente a quebra da barreira hematoencefálica (BHE), sinalizando a diminuição do fluxo liquórico, o que pode apontar para uma infecção ou inflamação.

Interessante mencionar que, mesmo sendo pouco relatada, a análise do ácido lático no líquor poderia ser um protocolo mais aplicável, pois nos quadros em que se exigem cuidados intensivos com uso de ventilação mecânica, como em alguns casos de COVID-19, poderia se empregar esse marcador como um apoio para a avaliação e o acompanhamento desses pacientes em situações de hipóxia cerebral, já que a dosagem de ácido lático tem, sabidamente, relevância em microbiologia e bioquímica clínica. (12)

 

 

Abstract

The new coronavirus (SARS-Coronavirus-2: SARS-Cov-2), was initially reported in 2019 in Wuhan, China, where the appearance of many unexplained cases of severe pneumonia has put all health services on alert of the world. The World Health Organization (WHO) recently declared a pandemic, with more than 1,000,000 cases reported to date as of COVID-19. The pathophysiological relationship of this new infectious agent associated with the behavior of laboratory findings of Cerebrospinal Fluid (CSF) examination, through case descriptions and reports, are important for analysis, interpretation and diagnostic support.

 

Keywords

Cytologic analysis; cerebrospinal; neurotology; Coronavirus

 

 

REFERÊNCIAS

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  2. Moriguchi T, Harii N, Goto J, Harada D, Sugawara H, Takamino J, et al. A first case of meningitis/encephalitis associated with SARS-Coronavirus-2. Int J Infect Dis. 2020 May;94:55-58. doi: 10.1016/j.ijid.2020.03.062.
  3. OMS. Coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV). Novembro,2019. https://www.who.int/emergencies/mers-cov/en/ (acessado em 19 jan. 2020).
  4. Mao L, Jin H, Wang M, Hu Y, Chen S, He Q, et al. Neurologic manifestations of hospitalized patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan, China. JAMA Neurol. Published online April 10, 2020. doi:10.1001/jamaneurol.2020.1127
  5. Nath A. Neurologic complications of coronavirus infections. Neurology. 2020 May 12;94(19):809-810. doi: 10.1212/WNL. 0000000000009455.
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  1. Toscano G, Palmerini F, Ravaglia S, Ruiz L, Invernizzi P, Cuzzoni MG, et al. Guillain-Barré Syndrome Associated with SARS-CoV-2. N Engl J Med. 2020 Apr 17. doi: 10.1056/NEJMc2009191.
  2. Zhao H, Shen D, Zhou H, Liu J, Chen S. Guillain-Barré syndrome associated with SARS-CoV-2 infection: causality or coincidence. Lancet Neurol. 2020 May;19(5):383-384. doi: 10.1016/S1474-4422(20)30109-5.
  3. Costa Neto JB. Manual Prático Teórico com Atlas. Editora Life. 3ª Edição, 2013: 207 p.

 

 

Correspondência

João Batista Costa Neto:

Laboratório de Líquor – LCR

Rua Dom Aquino, 2339

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