Uso indiscriminado de antibióticos durante a pandemia: o aumento da resistência bacteriana pós-COVID-19

Indiscriminate use of antibiotics during the pandemic: increasing in post-COVID-19 bacterial resistance

 

Líllian O. P. Silva1
Joseli M. R. Nogueira2

1Mestranda do PPGSPMA – Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ – Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
2Chefe do Laboratório de Microbiologia – DCB – Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ – Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

Recebido em 10/03/2021
Aprovado em 29/04/2021
DOI: 10.21877/2448-3877.202100963

 

Prezado editor,

 

A resistência bacteriana é um grave problema de saúde pública mundialmente negligenciado que vem sendo estudado há mais de dez anos, pois é capaz de causar milhares de mortes por ano. Em consonância, a preocupação atual com esse tema se amplia devido ao uso indiscriminado dos antibióticos durante a pandemia da COVID-19, que vem sendo tratada muitas vezes com antimicrobianos.(1,2) Contudo, a infecção é oriunda da presença do novo Coronavírus, SARS-CoV-2, um RNA-vírus zoonótico, de fita simples, descoberto no final de 2019 após um surto de pneumonia desconhecida em Wuhan, na China.(3,4) Tal sintoma foi responsável por justificar o uso dos antibióticos no tratamento da doença, mesmo sem a confirmação de  coinfecção bacteriana, uma vez que os sintomas são semelhantes às pneumonias bacterianas.(5)  É válido ressaltar que a terapia antimicrobiana está sendo aplicada não só pela comunidade médica, no ambiente hospitalar, mesmo sem o embasamento científico de sua eficácia no tratamento da COVID-19, mas também pela população leiga que faz uso da automedicação, que é amplamente estimulada pelas Fake News, notícias falsas que circulam pela mídia e redes sociais de forma geral, e pelas indicações de diversos profissionais, sejam eles da área da saúde ou não.(6)

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas 15% dos infectados pelo SARS-CoV-2 desenvolvem uma coinfecção bacteriana que justifica o uso da antibioticoterapia.(7) Outros estudos afirmam que os antibióticos foram prescritos em cerca de 59% dos casos de internação por COVID-19, independentemente da presença de infecção bacteriana, o que, mediante a capacidade de adaptação e produção de mecanismos de resistência destes microrganismos, embasa a preocupação dos profissionais de saúde quanto ao aumento da ameaça de uma nova pandemia, desta vez causada por bactérias pan-resistentes, ou seja, resistentes a todas as classes de antimicrobianos disponíveis no mercado.(8)

O uso indiscriminado desses fármacos apresenta um risco iminente à saúde pública mundial, pois, a partir do momento em que não haverá tratamento farmacológico disponível para os pacientes infectados por bactérias pan-resistentes, também conhecidas popularmente como “superbactérias”, ocorrerá um possível colapso dos hospitais, sejam eles públicos ou privados, devido ao aumento do número de leitos ocupados e, consequentemente, de óbitos relacionados.(9,10)

Ainda que o impacto da COVID-19 no futuro da humanidade não esteja totalmente elucidado, a perspectiva da crise sanitária relacionada às bactérias resistentes é real e precisa receber a devida atenção para que possamos, desde já, tentar contornar a situação através do controle de prescrições e dispensação dos antibióticos.

 

REFERÊNCIAS

  1. Oliveira AC, et al. Infecções hospitalares: Abordagem, Prevenção e Controle. Medsi, Rio de Janeiro, 1998.
  2. OPAS/OMS BRASIL. Novo relatório pede ação urgente para evitar crise de resistência antimicrobiana. 2019. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5922:no vo-relatorio-pede-acao-urgente-para-evitar-crise-de-resistencia-antimicrobiana&Itemid=812. Acesso em: 20 mai. 2021.
  3. Uzunian A. Coronavirus SARS-CoV-2 and Covid-19. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 56, 2020.
  4. Wang X et al. Nosocomial outbreak of COVID-19 pneumonia in Wuhan, China. European Respiratory Journal, v. 55, n. 6, 2020.
  5. Huttner B, et al. COVID-19: don’t neglect antimicrobial stewardship principles! Clinical Microbiology and Infection, v. 26, n. 7, p. 808-810, 2020.
  6. Guimarães AS, Carvalho WRG. Desinformação, Negacionismo e Automedicação: a relação da população com as drogas “milagrosas” em meio à pandemia da COVID-19. Interamerican Journal of Medicine and Health, v. 3, 2020.
  7. Preventing the COVID-19 pandemic from causing an antibiotic resistance catastrophe. World Health Organization, Europa, v. 1, n. 1, p. 1-1, nov./2020. Disponível em: https://www.euro.who.int/en/health-topics/disease-prevention/antimicrobial-resistance/news/news/2020/11/preventing-the-covid-19-pandemic-from-causing-an-antibiotic-resistance-catastrophe. Acesso em: 20 mai. 2021.
  8. Wei W et al. Limited Role for Antibiotics in COVID-19: Scarce Evidence of Bacterial Coinfection, Disponível em SSRN 3622388, 2020.
  9. Miranda C et al. Implications of antibiotics use during the COVID-19 pandemic: present and future. Journal of Antimicrobial Chemotherapy, v. 75, n. 12, p. 3413- 3416, 2020.
  10. Vellano PO, Paiva MJM. O uso de antimicrobiano na COVID-19 e as infecções: o que sabemos. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, p. e841997245-e841997245, 2020.

 

 

Correspondência

Joseli Maria da Rocha Nogueira

Laboratório de Microbiologia

Departamento e Ciências Biológicas

Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP)

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – Manguinhos

Rio de Janeiro-RJ, Brasil

E-mail: [email protected]