A técnica de imunocitoquímica e suas aplicações na pesquisa e diagnóstico laboratorial: revisão integrativa da literatura

The immunocytochemistry technique and its applications in laboratory research and diagnosis: integrative literature review

 

Thais Campos Vicentim1, Ana Laura Remédio Zeni Beretta2

 

1  Bacharel em Ciências Biológicas, Discente do curso de Especialização em Análises Clínicas – Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto (FHO). Araras, SP, Brasil.

2  Doutora em Genética e Biologia Molecular Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil. Coordenadora e Docente do Curso de Especialização em Análises Clínicas do Centro Universitário da Fundação Hermínio Ometto de Araras/FHO. Araras, SP, Brasil.

Recebido em 23/06/2020

Aprovado em 04/03/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202202021

INTRODUÇÃO

 

Um grupo de pesquisadores analisava uma forma pela qual substâncias antigênicas fossem expressas em tecidos de mamíferos. Em virtude disto desenvolveram uma técnica denominada imunocitoquímica pelo método de fluorescência, com a utilização de derivados de anticorpos de coelhos, que demonstram serem eficazes em conservar as propriedades imunológicas iniciais da reação, favorecendo sua visualização. A ligação do anticorpo com o antígeno tornava-se fluorescente quando a amostra era exposta à luz ultravioleta.(1)

Em continuidade, muitos estudos se aprofundaram no aperfeiçoamento desta técnica para potencializar sua precisão diagnóstica e elevar a abrangência de células e tecidos em futuros estudos.

A técnica de imunocitoquímica utiliza a marcação de antígenos (Ag) sendo eles proteínas ou polissacarídeos, em células ou tecidos usando a especificidade ou sensibilidade de um determinado anticorpo (Ac), e esta marcação só será visualizada devido à ligação do anticorpo ao antígeno, condição também chamada de afinidade. Todos os antígenos possuem estruturas químicas chamadas epítopos que irão possibilitar a ligação não covalente à estrutura do anticorpo, os parátopos.(2,3)

Na sua metodologia, há o uso de um único anticorpo primário ou pode ser em conjunto com um anticorpo secundário, sendo eles monoclonais ou policlonais. Os anticorpos monoclonais possuem como alvo somente um único epítopo do antígeno em questão, o que o torna mais específico. Por outro lado, os anticorpos policlonais são sensíveis, pois tendem a ligar-se a diversos epítopos do antígeno.(4)

A imunocitoquímica pode ser aplicada pelo método direto, em que a amostra é incubada em uma solução contendo o anticorpo primário por um período preestabelecido em protocolo e visualizada com o auxílio de cromógenos de modo mais ágil, mas com pouca amplificação do sinal emitido pela reação. No método indireto, posteriormente à incubação do anticorpo primário, a amostra é incubada em uma solução contendo o anticorpo secundário, que criará um sítio antigênico maior, o qual elevará a amplificação do sinal da reação favorecendo a identificação de antígenos em baixa concentração.(4)

A técnica tornou-se viável em diversas identificações de antígenos na pesquisa e como resultado, na rotina diagnóstica. Houve pesquisadores que utilizaram a imunocitoquímica para estudar em cães o contágio do vírus da hepatite infecciosa canina (adenovírus tipo 1), utilizando tecidos em diversos estágios da doença, detectando os antígenos marcados com anticorpos com fluoresceína para visualização.(5)

Gradativamente, a imunocitoquímica fez-se indispensável na pesquisa e na rotina de diagnóstico laboratorial, onde estudos declaram a sua importância na identificação de inúmeros carcinomas, como pulmonar, pancreático, bexiga urinária, entre outros.(6)

O presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão da literatura para analisar e discutir a técnica de imunocitoquímica, sua aplicação na pesquisa científica atual e sua relevância no diagnóstico laboratorial.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A produção do conteúdo baseou-se em revisão da literatura científica, com o objetivo de análise e discussão do uso da técnica de imunocitoquímica, tanto na pesquisa científica como no diagnóstico laboratorial. Utilizou-se banco de dados eletrônicos, como preferencialmente periódicos disponíveis pelo National Center for Biotechnology Information, U.S. National Library of Medicine (PubMed), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e posteriormente Literature in the Health Sciences in Latin America and the Caribbean (LILACS).

O levantamento de dados se processou por meio dos descritores: “immunocytochemistry technique, biomarkers, laboratory diagnosis, research”, e os indexados de interesse foram selecionados entre os anos de 1941 até 2020.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Nas linhas de pesquisas atuais, a imunocitoquímica é utilizada para identificação da presença de antígenos pela marcação com anticorpos específicos para a amostra que será estudada visando aplicá-la no diagnóstico de forma produtiva.(6)

Em estudos da presença de telócitos em camundongos machos com deficiência do gene ApoE-/-, que resulta na alteração da homeostase celular e no desenvolvimento tecidual, além de favorecer a fisiopatologia de doenças, foram utilizadas a imunocitoquímica pelo método indireto e 3,3′-diaminobenzidina (DAB) como cromógeno para identificação dos biomarcadores CD28, CD34, CD117 e PDGFR-α em amostras de rins, fígado e coração. Os telócitos foram negativados para CD28, positivados para CD34 e CD117 e parcialmente positivos para PDGFR-α no fígado e no coração, porém foram negativados em amostras renais, logo demonstra a relação entre a aterosclerose e hiperlipidemia em deficientes do gene ApoE-/-.(7)

Aplicada em outro contexto, a imunocitoquímica juntamente com a DAB possui papel fundamental na marcação da expressão do ligante de morte programada 1 (PD-L1) ao receptor de morte programada 1 (PD-1) que desempenha a função das células tumorais em evitar o sistema imune do paciente, desta forma inibindo a ativação do linfócito T, em amostras de adenocarcinoma e carcinomas de células escamosas do pulmão.(8,9)

O método indireto é a técnica aplicada com mais regularidade na pesquisa. Por utilizar a incubação de um anticorpo secundário, ela torna-se mais sensível a diversos epítopos, facilitando nas identificações de inúmeras proteínas, mas demandando tempo e empenho por parte dos pesquisadores e profissionais.(9)

Por conta de sua sensibilidade, a imunocitoquímica pode ser executada em diferentes linhas de pesquisa e visando diversos fins. Por exemplo, como referência para marcação de antígenos em organoides de diversas origens, tamanhos e componentes celulares para produzir a renderização em 3D com o software de visualização para as imagens geradas, o que propicia a compreensão das complexidades celulares e reduz a variabilidade na interpretação dos pesquisadores.(10)

A modernização das técnicas vem sendo frequentemente aplicada na rotina diária dos laboratórios.(10) Devido à grande demanda de amostras, pesquisadores e citopatologistas necessitam da automação para serem capazes de desempenhar todas suas atividades. A MALDI (Matrix Assisted Laser Desorption Ionization) é um método que torna o extenso processo da imunocitoquímica mais ágil, em que a oncologia pode fazer uso de biomarcadores para serem analisados rapidamente, não somente para diagnóstico, mas também para determinar prognósticos.(11)

Na rotina laboratorial, a imunocitoquímica possui papel crucial no diagnóstico e prognóstico de diversas patologias, como carcinomas e neoplasias na identificação de agentes infecciosos. Em pacientes saudáveis, a imunocitoquímica se mostra eficaz na marcação de altos níveis das proteínas KRT84 e ARID1A.(12,13) Em condições não saudáveis, quando os pacientes são diagnosticados com carcinoma pulmonar e urotelial, a expressão destas proteínas diminui conforme aumenta o grau e estágio do tumor, evidenciando que a imunocitoquímica possui papel no diagnóstico e prognóstico, assim como define marcadores preditivos na citologia oncótica.(9,12,13)

Para aumentar a precisão diagnóstica das amostras de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) em tumores de tecidos moles, a imunocitoquímica foi incluída nas abordagens de identificação por sua capacidade de diagnosticar neoplasias de células pequenas, neoplasia de células fusiformes e histiocitose de células de Langerhans (HCL) positivando seus devidos alvos.(14) A imunomarcação de esfregaços de PAAF é uma forma ágil, efetiva e econômica para inúmeros diagnósticos oncológicos.(14-16)

Assim como qualquer outra técnica utilizada na pesquisa ou como forma diagnóstica, a imunocitoquímica também possui desvantagens. Um estudo publicado pela Citopatologia do Câncer (Cancer Cytopathology), no qual se afirma que os citopatologistas, ao analisarem amostras, como por exemplo, de fluidos corporais, que possuíam maiores níveis do uso da imunocitoquímica como técnica primária obtiveram altas porcentagens de diagnósticos finais indete, diferentemente dos citopatologistas que a aplicavam somente como uma técnica confirmatória do diagnóstico já obtido por outro método.(17)

Outro estudo investigou se tecidos de amígdalas palatinas e de adenoides poderiam ser locais de replicação e fontes de partículas virais viáveis removidas de crianças com hipertrofia tonsilar. A citometria de fluxo em conjunto com a imunocitoquímica de seções destes tecidos embebidas em parafina indicaram que linfócitos CD20+ B, TCD8+ e as células CD11c+ são passíveis à infecção por vírus Influenza A e os dados indicam que os tecidos não somente abrigam a expressão de proteínas, mas também abrigam o vírus infeccioso ativo.(18)

Assim como na detecção do vírus influenza A,(18) foi possível detectar, com a utilização da imunocitoquímica, o betacoronavírus MERS-CoV em tecidos fixados em formalina dos cornetos nasais de alpacas infectadas. Com a utilização de anticorpos monoclonais humanos, designados 1.2g5, 1.10f3 e 1.6c7, demonstraram serem eficazes em identificar o antígeno MERS-CoV, com melhores resultados em marcações imunológicas de anticorpos em menores diluições (1:5).(19)

Em um novo estudo foi possível  identificação de três anticorpos policlonais de coelho para as espículas do SARS-CoV-2, um anticorpo monoclonal de coelho e um de camundongo e um anticorpo policlonal de coelho para uma proteína nucleocapsídica para diagnóstico de SARS-CoV-2 por meio da imunocitoquímica juntamente com a imunofluorescência em tecidos de humanos e animais infectados fixados em parafina. Estes ensaios podem apressar os estudos sobre a patogenicidade do Covid-19 em humanos futuramente.(20)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Conforme demonstrado, os resultados exibidos no presente estudo nos revelou que a técnica de imunocitoquímica exerce um papel ativo e crucial nos laboratórios de pesquisa e diagnóstico em diversos setores. Aplicada preferencialmente em conjunto com um segundo método, a imunocitoquímica pode ajudar a corroborar com o resultado, propor um diagnóstico inicial e determinar um prognóstico, demonstrando seu papel confirmatório.

Trata-se de uma técnica ágil e econômica que demanda atenção e cautela para se evitar erros pré-analíticos e analíticos. O estudo sugere que os métodos imunocitoquímicos vêm passando por aperfeiçoamentos para que se obtenha maior especificidade e uma localização cada vez mais precisa das macromoléculas pesquisadas, capaz de contribuir para futuros entendimentos científicos.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Coons AH, Creech HJ, Jones RN. Immunological Properties of an Antibody Containing a Fluorescent Group. Experimental Biology and Medicine, 1941. Acesso em: 11 Mar 2020. Disponível em: /http://ebm.sagepub.com/content/47/2/200. doi: 10.3181/00379727-47-13084P.
  2. Muro LFF, Ferreira LL, Gonzaga PAL, Pereira REP. Relação Antígeno-Anticorpo. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária. 2009; 12.
  3. Carvalho HF, Recco-Pimentel SM. A Célula. 4 ed. São Paulo: Manole; 2019.
  4. Magaki S, Hojat AS, Wei B, So A, Yong WH. An Introduction to the Performance of Immunohistochemistry. Methods Mol Biol. 2019; 1897: 289-298. doi:10.1007/978-1-4939-8935-5_25.
  5. Coffin DI, Coons AH, Cabasso VJ. A histological study of infectious canine hepatites by means of fluorescente antibody. The Journal of Experimental Medicine. 1953; 98 (1): 13-20.
  6. Skoog L, Tani E. Immunocytochemistry: an indispensable technique in routine cytology. Cytopathology. 2011; 22: 215-229. doi: 10.1111/j.1365-2303.2011.00887.
  7. Xu Y, Tian H, Cheng J, Liang S, Li T, Liu J. Immunohistochemical Biomarkers and Distribution of Telocytes in ApoE−/− Mice. Cell Biology International. 2019, 43: 1286-1295. doi: 10.1002/cbin.11128.
  8. Humphries MP, McQuaid S, Craig SG, Bingham V, Maxwell P, Maurya M et al. Critical Appraisal of Programmed Death Ligand 1 Reflex Diagnostic Testings: Current Standards and Future Opportunities. Journal of Thoracic Oncology. 2018; 14(1): 45-53. doi: https://doi.org/10.1016/j.jtho.2018.09.025.
  9. Metovic J, Righi L, Delsedime L, Volante M, Papotti M. Role of Immunocytochemistry in the Cytological Diagnosis of Pulmonary Tumors. Acta Cytol. 2020; 64: 16-29. doi: 10.1159/000496030.
  10. Dekkers JF, Alieva M, Wellens LM, Ariese HCR, Jamieson PR, Vonk AM et al. High-resolution 3D imaging of fixed and cleared organoids. Nature Protocols. 2019; 14: 1756-1771. doi: https://doi.org/10.1038/s41596-019-0160-8
  11. Ahmed M, Broeckx G, Baggerman G, Schildermans K, Pauwels P, Craenenbroeck AHV et al. Next-generation protein analysis in thepathology department. Journal of Clinical Pathology. 2019; 0: 1-6. doi: 10.1136/jclinpath-2019-205864.
  12. Dugas SG, Muller DC, Magnen CL, Federer-Gsponer J, Seifert HH, Ruiz C et al. Immunocytochemistry for ARID1A as a Potential Biomarker in Urine Cytology of Bladder Cancer. Cancer Cytopathol. 2019; 0: 1-8. doi: 10.1002/cncy.22167.
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  16. Lai C, Pan C, Tsay S. Contribution of Immunocytochemistry in Routine Diagnostic Cytology. Diagnostic Cytopathology. 1996; 14 (3): 21-225. doi: https://doi.org/10.1002/(SICI)1097-0339(199604)14:3<221::AID-DC5>3.0.CO;2-K.
  17. Alshaikh S, Lapadat R, Atieh MK, Mehrotra S, Barkan GA, Wojcik EM. The Utilization and Utility of Immunostains in Body Fluid Cytology. Cancer Cytopathology. 2020; 0: 1-8. doi: 10.1002/cncy.22256
  18. Castro IA, Jorge DMM, Ferreri LM, Martins RB, Pontelli MC, Jesus BLS et al. Silent infectation of B and CD8+T lymphocytes by influenza A vírus in children with tonsillar hypertrophy. Journal of Virology. 2020; 94 (9). doi:10.1128/JVI.01969-19.
  19. Haverkamp AK, Bosch BJ, Spitzbarth I, Lehmbecker A, Te N, Bensaid A et al. Detection of MERS-CoV antigen on formalin-fixed paraffin-embedded nasal tissue of alpacas by immunohistochemistry using human monoclonal antibodies directed against different epitopes of the spike protein. Veterinary Immunology and Immunopathology. 2019; 218: 109939. doi: 10.1016/j.vetimm.2019.109939.
  20. Liu J, Babka AM, Kearney BJ, Radoshitzky SR, Kuhn JH, Zeng X. Molecular detection of SARS-CoV-2 in formalina fized paraffin embedded specimens. JCI insight. 2020. doi: https://doi.org/10.1172/jci.insight.139042.

 

Correspondência

Thais Campos Vicentim

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