Buscando novos antimicrobianos: avaliação da atividade antibacteriana de extratos de Eugenia brasiliensis

Searching for new antimicrobials: evaluation of the antibacterial activity of Eugenia brasiliensis extracts

 

 

Fabio Luiz Ribeiro Mendes1              

Erika Martins de Carvalho2              

Jaime Antonio Abrantes3                

Joseli Maria da Rocha Nogueira4

 

 

1Mestre. Farmanguinhos – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – Manguinhos. Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

2Doutorado. Farmanguinhos – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – Manguinhos. Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

3Mestre. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP). Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – Manguinhos – Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

4Doutorado. Chefe do Laboratório de Microbiologia – Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  Manguinhos – Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

 

Instituição: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – Manguinhos. Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

Conflitos de interesse: Não há conflitos de interesse.

 

Recebido em 24/06/2020

Artigo aprovado em 24/07/2020

DOI: 10.21877/2448-3877.202002022

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A resistência aos antimicrobianos é uma ameaça crescente em infecções bacterianas, não só dificultando os tratamentos, mas aumentando a morbidade e mortalidade.(1) Bactérias como Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus são causas comuns de infecções resistentes à antibióticos.(2) Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou em 2020 um alerta para a escassez de novos medicamentos eficazes contra bactérias.(3) Em contrapartida, fontes naturais como plantas, ainda pouco exploradas, podem possuir atividade antimicrobiana ainda por ser descoberta. Portanto, urge explorar esse potencial, especialmente, em vegetais promissores, como no gênero Eugenia, pois apesar de ser um gênero que já tem sido pesquisado exitosamente quanto ao seu potencial bioativo, nem todas as suas espécies já foram analisadas, levando-nos à escolha de uma espécie ainda pouco estudada.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), nos países em desenvolvimento, grande parte da população depende da medicina tradicional para atenção primária à saúde. Além disso, uma parcela significativa da população mundial confia nos produtos à base de plantas medicinais para o tratamento de suas doenças, ou utiliza a medicina tradicional. Vários autores apontam para o fato de que, quando há segurança e eficácia, a medicina tradicional pode garantir amplo acesso a tratamentos de saúde, quando a medicina convencional não está acessível.(4,5)

Analisando as várias possibilidades de pesquisa com fins medicinais em plantas de nossa biodiversidade, ressalta-se a urgência no desenvolvimento de novos anti­microbianos capazes de combater agentes etiológicos resistentes aos tratamentos atualmente disponíveis.(5) Desta forma, várias pesquisas já vêm sendo desenvolvidas e direcionadas para a busca de novos agentes antimi­cro­bianos provenientes de extratos de plantas e outros produtos naturais. As variações referentes à determinação da Concentração Inibitória Mínima (CIM) de extratos de plantas frente aos micro-organismos podem ser atribuídas a vários fatores, que vão desde a forma e local de cultivo, método de pesquisa, até a técnica de verificação de sensibilidade antimicrobiana empregada. Portanto, faz-se necessário uma sistematização e também uma padronização das pesquisas e testes nesse campo.(6)

Tomando por base as várias espécies vegetais da biodiversidade brasileira, as pesquisas de atividade antimi­crobiana propostas na literatura e o uso já descrito da Família Myrtaceae, principalmente do gênero Eugenia, na medicina tradicional,(6) foi selecionada a espécie Eugenia brasiliensis para este projeto. Cabe ressaltar que apesar de haverem relatos de outras espécies de Eugenia apresentando essa atividade, há raros trabalhos sobre essa espécie que, portanto, possui um grande potencial ainda a ser explorado.(7)

 

Antimicrobianos e resistência bacteriana

 

Desde a descoberta do primeiro antimicrobiano, houve uma preocupação constante com a resposta bacteriana às substâncias que causavam sua inibição ou morte. O uso excessivo de penicilina após a Segunda Guerra Mundial resultou no aparecimento das primeiras cepas de bactérias Gram positivas não susceptíveis a antibióticos penicilí­nicos, conhecidas como penicillin-resistant Streptococcus pneumoniae (PRSP). Igualmente para os antibióticos lançados no mercado nos anos seguintes, várias cepas bacte­rianas começaram a apresentar resistência, devido a mecanismos de seleção, troca de informações e ao uso desregrado que ocorre até os dias atuais. Algumas bactérias que inicialmente eram combatidas facilmente com penicilina, como o Staphylococcus aureus, começaram a expressar enzimas b-lactamases, conferindo uma maior resistência a antibióticos b-lactâmicos. A partir deste momento vários mecanismos foram sendo desenvolvidos, chegando algumas cepas atualmente a apresentar resistência a todas as drogas de uso comercial.(8) Uma das últimas linhas de defesa surgiu a partir da descoberta do antibiótico vanco­micina que demonstrou excelente desempenho frente às cepas resistentes à meticilina, conhecidas por MRSA (methicillin-resistant S. aureus), causadoras de problemas como infecções hospitalares. Esta supremacia começou a sofrer abalos com o aparecimento das primeiras cepas de Enterococcus resistentes à vancomicina, conhecidos por VRE (Vancomycin-Resistant Enterococci). O temor de que genes causadores de resistência à vancomicina presentes nos VRE fossem transmitidos para MRSA foi confirmado, e, em 2002, nos Estados Unidos, foi descrito o primeiro caso de resistência total do Staphylococcus aureus à vancomicina, sendo conhecidos atualmente como VRSA (vancomycin-resistant S. aureus).(9)

No caso das bactérias Gram negativas, principalmente o grupo das enterobactérias, os mecanismos de resistência podem variar desde a deficiência de porinas até a produção de enzimas capazes de inativar a ação de drogas antimicrobianas,(10) como, por exemplo as beta-lacta­mases já escritas para S.aureus. Essa enzima propicia um importante mecanismo de resistência a b-lactâmicos, pois tem a capacidade de hidrolisar o anel beta-lactâmico do antimicrobiano pela quebra da ligação amida, o que leva à perda da capacidade deste em inibir a síntese da parede celular bacteriana.(11)

Dentre os fármacos antimicrobianos, a categoria dos b-lactâmicos são os mais utilizados, seu mecanismo de ação atua na parede celular inibindo enzimas chamadas penicillin binding protein (PBP). Os S. aureus possuem três mecanismos distintos de resistência à meticilina: hiper­produção de beta-lactamases, modificações na capacidade de ligação das PBPs e a presença de uma proteína ligadora de penicilina alterada denominada PBP 2ª que é determinada pela presença do gene mecA. Este último, designado para resistência à meticilina, impede a terapia com qualquer um dos antibióticos b-lactâmicos atualmente disponíveis e pode prever resistência a várias classes de antibióticos além dos b-lactâmicos.(12) Atualmente, mais de 35 enzimas beta-lactamases distintas já foram descritas, incluindo as carbapenemases, que atribuem às bactérias resistência aos antimicrobianos carbapenêmicos, aumentando as taxas de mortalidade e gerando um grande problema de saúde pública no Brasil e no mundo.(11)

O uso indiscriminado de antimicrobianos, por auto­medicação, tempo de uso inadequado, utilização irregular ou excesso de prescrições também contribui para aumento global da resistência bacteriana, o que leva a uma escassez na atualidade de antibióticos capazes de conter muitas infecções dessa etiologia.(9) Esse fato reforça a necessidade de lançamento de novas substâncias com essa atividade.(13) De fato, o uso abusivo de antibióticos até mesmo para tratamento de infecções virais e febres de etiologia desconhecida, que não respondem à antibioticoterapia, além de inútil, também promove o surgimento da resistência, já que bactérias pertencentes a microbiota acabam entrando em contato com essas substâncias que também, posteriormente, são liberadas no ambiente. Diante deste cenário alarmante, fármacos que hoje lideram as listas dos mais vendidos correm o risco de se tornarem inúteis ao longo do tempo, devido ao aumento da resistência bacte­riana. Desta forma, a comunidade médica e científica vem procurando compreender os fenômenos responsáveis pelos mecanismos adaptados de resistência, de forma a criar alternativas e novas estratégias para o combate a bactérias.(10,14)

 

Família Myrtaceae

 

A família Myrtaceae é composta de mais de cem gêneros. São todas plantas tropicais ou subtropicais, mas no Brasil há cerca de mil espécies. Os gêneros mais importantes são Psidium (goiabeira), Myrciaria (cravo-da-índia) e Eugenia, ao qual pertence a espécie em estudo neste trabalho. Na América do Sul, Eugenia distribui-se desde o Brasil até o norte e nordeste da Argentina, Uruguai e Paraguai. Muitas espécies deste gênero são apreciadas por seus frutos e usadas como alimento.(15) Este gênero compreende cerca de quatrocentas espécies, sendo um dos maiores da família Myrtaceae.(9)

A espécie Eugenia brasiliensis Lamarck é conhecida popularmente como grumixama, grumixameira, grumi­xaba, iapoiroti e cumbixaba. Na medicina popular, o uso da espécie na forma de infusão das folhas foi relatado para o tratamento de artrite, reumatismo e como diurético. Os frutos maduros são usados como alimento e para a preparação de bebidas fermentadas. Devido ao seu alto teor de taninos, o que lhe confere ação adstringente, as cascas eram usadas na indústria de couro, como tanantes.(15)

Como já pontuado, fontes naturais como plantas de nossa biodiversidade, ainda pouco exploradas, poderão possuir atividade antimicrobiana ainda por ser descoberta e possibilitar, a partir de pesquisas, a detecção de novos compostos relevantes. Com base nessa poten­cialidade, esse trabalho buscou avaliar e comparar o potencial anti­bacteriano de extratos de folhas de Eugenia brasiliensis, obtidas por coletas sazonais, definindo a partir da obtenção dos extratos, a CIM e a CBM, frente a cada cepa bac­teriana testada em diferentes estações do ano e avaliar sua toxicidade nas concentrações consideradas ativas.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A escolha do material vegetal se restringiu às folhas, por ser esta a porção onde ocorre a maior parte do transporte de gases e fotossíntese e onde há mais chance de serem encontrados metabólitos interessantes para pros­pecção de atividade biológica,(14) mas também seguindo o uso tradicional.(8)

A coleta do material vegetal foi autorizada e realizada sazonalmente no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). O espécimen de escolha para nosso estudo, Eugenia brasiliensis Lam. está registrado no herbário do JBRJ (RB 01194107) e localizado no canteiro 18E (22°58’04.4″S 43°13’37.3″W). A primeira coleta foi realizada na primavera, a segunda durante o verão, a terceira durante o outono e a quarta coleta foi realizada no inverno.

As folhas foram coletadas por todo o espécimen e, após a montagem, imediatamente transportadas ao Laboratório de Microbiologia do DCB – ENSP – Fiocruz, onde foram limpas com papel toalha, pesadas e secas em estufa com temperatura de aproximadamente 40ºC por 48 a 72 horas. Após esse período, o material foi novamente pesado para cálculo de rendimento e, em seguida, pulverizado em moinho de facas. O extrato alcoólico foi preparado com 50 g do pó resultante das folhas secas, adicionado de 1L de etanol P.A e mantido em frasco estéril por sete dias. Foi então rotaevaporado para a remoção dos solventes voláteis e submetido à evaporação até a secura seguindo as recomendações de Abrantes.(6) O rendimento em cada etapa, considerando as folhas desde a coleta, secagem e realização do extrato, foi determinado calculando-se o rendimento total dos extratos.(16) Após este processo houve a ressuspensão com solução hidro­alcoó­lica a 50%. Este extrato é similar às tinturas realizadas popularmente, onde se misturam as partes ativas das plantas às bebidas alcoólicas.(6)

 

Teste de atividade antimicrobiana

 

No presente estudo foram utilizadas cepas bacte­rianas padrão ATCC (American Type Culture Collection): duas Gram positivas de S.aureus, uma não produtora da enzima b-lactamase (ATCC25923), outra com essa particularidade (ATCC29213) e duas Gram negativas, E.coli (28922), bactéria indicadora de contaminação fecal, e Pseudomonas aeruginosa (27853), bactéria reconhecidamente resistente a vários antimicrobianos comerciais.

Para testar a atividade do extrato foi utilizada a técnica de microdiluição em caldo em placa de poliestireno estéril de 96 poços. Nesse ensaio foram adicionados assep­ticamente 100 µL de caldo BHI (infuso de cérebro e coração) em todos os poços onde a pesquisa do extrato seria realizada. A diluição de cada extrato nas cavidades foi realizada em duplicata, iniciada a partir de 2 mg/mL(6) e reduzida pela metade no poço abaixo de forma sucessiva, seguindo as recomendações de Mendes.(9) Nos poços seguintes foram feitas diluições seriadas, de maneira que foram retirados 100 µL de cada poço anterior com a mistura extrato + BHI e adicionados ao poço seguinte, reduzindo assim a concentração do poço posterior pela metade. Nos poços com o caldo BHI + extrato foram adicionados 10 µL do inóculo bacteriano na concentração correspondente ao tubo 0,5 da escala de Mc Farland. Todo o teste foi realizado em duplicata, inclusive os controles. Após esse processo a placa foi colocada na estufa a 35ºC por 24 horas.(6)

Foram realizados controles para garantir a qualidade e confiabilidade do teste: controle do meio BHI, onde somente o meio foi depositado nos poços para confirmar sua esterilidade e da placa utilizada; controle de crescimento (pool de cepas + BHI) para verificar a capacidade do meio em permitir o crescimento bacteriano; controle do solvente (álcool a 50%) com o meio BHI e o inóculo, que foi realizado a fim de demonstrar que não havia inibição do crescimento bacteriano por ação do solvente, o que poderia gerar dúvidas no resultado do teste, causando um falso positivo para atividade do extrato. O controle negativo (extrato + BHI) e o controle de inibição, onde foram adicionados ao meio, e as cepas, o antimicrobiano ciprofloxacino (cipro­floxacino + BHI + inóculo).(9)

A concentração anterior àquela onde houve turvação correspondente ao crescimento bacteriano foi denominada como Concentração Inibitória Mínima (CIM).(6) Os valores referentes à CBM (Concentração Bactericida Mínima) seguindo metodologia adaptada de Abrantes,(6) foram obtidos por meio de repique para meio de cultura sólido e rico, do conteúdo dos poços com o extrato + cepa bacte­riana, que não apresentaram crescimento bacteriano (turbidez) na placa de microdiluição, sendo considerada CBM a menor concentração que não apresentou crescimento no meio de cultura sólido após incubação. Quando ocorreu inibição bacteriana no meio líquido com o extrato, mas crescimento no meio sólido sem o extrato, a concentração correspondente foi considerada bacterios­tá­tica (CB).(9) Para efeito de confirmação nos casos duvidosos, já que o extrato vegetal pode algumas vezes apresentar alguma turbidez, o que dificulta a leitura visual e altera os resultados de leitura, foi também semeado em placa o material proveniente dos poços onde se observou uma ligeira diminuição da turbidez, mas não foi possível definir a CIM dentro das concentrações escolhidas para nossos experimentos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Foi possível observar que, apesar do peso total das folhas frescas obtidas na coleta do inverno ter sido menor que nas outras estações (Tabela 1), seu peso seco total não ficou muito diferente das outras coletas anteriores. Além disso, apesar de termos retirado a mesma quantidade em gramas para realização do extrato (50 g/1000 mL), essa foi a estação onde obtivemos maior rendimento no extrato obtido. Esses resultados vão de encontro com os obtidos por Soletti,(17) onde o rendimento dos seus vegetais foi menor no inverno. De qualquer forma, observa-se que, neste quesito, independente do vegetal, a sazonalidade pode levar à variação no rendimento após processamento.

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Atividade antimicrobiana do extrato bruto de Eugenia brasiliensis nas diferentes estações do ano

 

Na tabela disposta abaixo reunimos os resultados da atividade bacteriana de diferentes concentrações testadas dos extratos das folhas de E. brasiliensis de acordo com as estações do ano, e cepa bacteriana ATCC (Tabela 2).

2

 

Com base nestes resultados, foi possível observar que o extrato não só possui atividade antimicrobiana, mas que esta é semelhante entre as estações do verão e outono e também entre o inverno e a primavera. Nas duas primeiras estações houve uma melhor performance do extrato, corroborando com o trabalho de Siebert e colaboradores,(18)  que também obtiveram nessas mesmas estações, as melhores respostas para essa espécie vegetal. Segundo esses autores, faz-se necessária uma verificação sazonal e também do lugar da coleta do material vegetal utilizado, pois podem ocorrer variações significativas por conta dessas duas variantes. Nossos achados corroboram esses estudos, já que foi possível detectar uma menor CIM em relação às cepas de S.aureus no verão e outono (CIM=1mg/mL) do que na primavera e inverno (CIM=2mg/mL), provando que a sazonalidade influencia na bioatividade desta planta. Segundo Evans,(19) as variações de temperatura influenciam no desenvolvimento do vegetal, afetando a produção de metabólitos secundários, que parecem aumentar em temperaturas mais elevadas. Isso pode explicar em parte a melhor atividade antibacteriana verificada nos extratos de E. brasiliensis obtidos a partir de folhas coletadas no verão e outono. Em contrapartida, a redução da atividade, principalmente na primavera e inverno, que são meses mais frios, pode ser explicada pelo acionamento de um mecanismo natural de degradação dos metabólitos secundários, direcionando os compostos químicos do vegetal para a manutenção do seu metabolismo primário.(20)

Foi possível verificar que o extrato de Eugenia brasiliensis obteve melhor ação sobre as cepas Gram positivas testadas nesse trabalho, indicando assim um possível norte para futuras pesquisas de atividade antimicrobiana desta planta. A bactéria Staphylococcus aureus, testada, é um micro-organismo que está sempre envolvido em infecções hospitalares e é considerado um dos principais patógenos causadores de diversas infecções neste ambiente.(19) Sua resistência aos antimicrobianos tem sido um fator de alerta constante, e, em nosso estudo, o extrato obtido nas estações do verão e outono inibiu esse micro-organismo com uma concentração de apenas 1 mg/mL (Tabela 2), tornando a utilização deste extrato, como potencial antimicrobiano para esta espécie bacteriana, bastante promissora.

Outro fator importante observado é que durante a verificação da CBM do extrato da primavera nas cepas de S. aureus estudadas, apenas houve inibição (atividade bactericida), no crescimento em placa com meio sólido, da cepa não produtora de beta-lactamase, sendo possível observar o crescimento no meio sólido da cepa que produzia a enzima beta-lactamase (Figura 1). Esse achado sugere uma atividade bacteriostática para essa cepa, já que no teste da microdiluição houve inibição do crescimento do inóculo no poço referente à concentração de 2 mg/mL da cepa de S. aureus produtora de beta-lactamase. Esse resultado sugere que sejam necessários mais testes para elucidar o mecanismo de atuação do extrato testado, pois segundo Williams,(11) as cepas produtoras de beta-lacta­mase hidrolisam o anel beta-lactâmico pela quebra da ligação amida, levando à perda da capacidade do antimi­crobiano em inibir a síntese da parede celular bacteriana, o que sugere que o potencial antimicrobiano do extrato deva agir também neste sítio.

3

                                              Figura 1. Placa semeada para comprovação da CBM (Primavera).

                                                                      Foto: Fabio Mendes

 

Apesar de não haver na literatura uma concordância entre os pesquisadores quanto ao padrão que deve ser estipulado para avaliação da concentração ideal de um extrato na inibição microbiana, alguns autores determinaram em seus trabalhos que valores de CIM devem ser definidos como inibição forte ou fraca dependendo da concentração do extrato. Holetz e colaboradores,(21) por exemplo, consideram ativas somente CIM iguais ou menores de 0,5 mg/mL, já Aligiannis e colaboradores(22) consideram como uma CIM extremamente forte a obtenção de valores entre 0.28 -1.2 mg/mL e Webster e colaboradores(23) já consideram como ideal concentrações a partir de 2 mg/mL.

Apesar de todos esses autores justificarem suas escolhas, é importante considerar também que, além da atividade pontual do extrato, devem-se considerar possíveis sinergismos com outras drogas, o que não inviabiliza concentrações maiores como as obtidas por Michelin e colaboradores,(24) que, apesar de encontrarem CIM acima de 180 mg/mL, consideraram seus resultados promissores.

Também não existe um consenso sobre o nível aceitável para extratos de materiais vegetais quando comparados com antibióticos padrões. Alguns autores consideram somente resultados similares aos de antibióticos conhecidos desde que se trabalhe com uma fração já determinada,(25) o que não condiz com nosso estudo, já que trabalhamos com o extrato bruto.

Não foi observada atividade de completa inibição dos extratos contra a cepa de P. aeruginosa em nenhuma estação do ano (Tabela 2), e isso pode ser em parte explicado pelo fato de que P. aeruginosa é considerado um importante patógeno nosocomial devido à sua resistência intrín­seca a muitas classes de drogas, além de possuir grande facilidade de adquirir resistência por meio de trocas inter e extraespécie ou por mutações, demonstrando praticamente todos os mecanismos enzimáticos e mutacionais conhecidos de resistência bacteriana, além de possuir uma baixa permeabilidade de sua membrana externa (1/100 da permeabilidade da membrana externa de E. coli), várias bombas de efluxo expressadas e b-lactamase AmpC cro­mossômica natural da espécie (conhecida como cefalos­porinase).(26)

De forma geral, foi possível observar que os extratos de E. brasiliensis, apresentaram ação mais efetiva contra as bactérias Gram positivas do que contra as Gram negativas. Isso ocorre provavelmente devido à estrutura celular diferenciada das bactérias Gram negativas, já que estas possuem uma parede celular composta de peptideoglicano e uma membrana externa contendo lipopolissacarídeos, o que lhes confere maior proteção contra as substâncias ambientais, extratos de plantas e antibióticos.(9) Assim como em nossa pesquisa, vários autores também reportam melhores resultados em estudos com extratos de plantas contra as bactérias Gram positivas.(27,28)

Pesquisas semelhantes sugerem que o sucesso na extração de substâncias ativas do material vegetal pode estar também associado ao solvente utilizado no processo. Segundo Alo e colaboradores,(29) o etanol, utilizado em nosso estudo, é um solvente muito melhor que a água para a extração das substâncias ativas de plantas, tendo, juntamente com Abrantes,(6) relatado que as substâncias ativas identificadas a partir de plantas contra micro-organismos são geralmente compostos aromáticos ou orgânicos satu­rados, e que estes compostos são mais facilmente obtidos através da extração inicial com etanol ou metanol.

 

CONCLUSÕES

 

Verificou-se neste estudo que os extratos testados apresentaram diferentes níveis de atividade antimicrobiana contra as cepas testadas, porém a maior atividade ocorreu em S. aureus e a menor em P. aeruginosa. A CIM encontrada nas cepas de S. aureus variou entre os extratos obtidos das folhas coletadas em diferentes estações, com uma melhor resposta nas estações verão e outono, comprovando assim que estudos sazonais, quando se referem a produtos naturais, são de extrema relevância para futuras pesquisas.

Considerando os resultados da CIM/CBM, o extrato apresentou atividade bactericida para a maioria das cepas testadas; todavia, nas cepas de S. aureus produtoras de b-lactamases, a atividade observada foi bacteriostática, sugerindo como possível alvo a parede bacteriana.

Como foi possível observar, existem diferentes estratégias de resistência em diferentes cepas bacterianas, sendo inadmissível na atual conjuntura definir um antimi­crobiano para uso em qualquer infecção sem distinguir o micro-organismo e sua resposta a cada antimicrobiano. As plantas possuem um excelente potencial para essas pesquisas e provavelmente o futuro se voltará para seu uso em diferentes formulações. O que faz necessário é que se estabeleçam com brevidade, os mecanismos de ação de cada extrato, observando suas variações sazonais e definindo como eles afetam os micro-organismos.

 

Agradecimentos

Agradecemos aos técnicos do Laboratório de Micro­biologia do DCB/ENSP e aos integrantes do Laboratório PN-2 de Farmanguinhos, em especial a Jully Munhoz e Felipe Carvalho, pelo auxilio para realização deste trabalho.

 

 

Abstract

Objective: Due to the current bacterial resistance to antimicrobials and the need to search for new substances with this activity, mainly in natural products, this work aimed to evaluate and compare the antibacterial potential of Eugenia brasiliensis leaf extracts, still little studied, obtained by seasonal collections. Methods: Leaf collections were made quarterly at the Jardim Botânico do RJ (JBRJ) and ethanol extracts prepared with dry leaf powder. Reference strains ATCC (American Type Culture Collection) Gram positive from Staphylococcus aureus were used: 25923 (Beta Lactamase -) and 29213 (Beta Lactamase +), and two Gram negative strains, Escherichia coli (28.922) and Pseudomonas aeruginosa (27.853). The technique of choice was microdilution in a 96-well plate, as it allows the assessment of the minimum inhibitory concentration (MIC) and subsequently the minimum bactericidal concentration (CBM). Results: The best antibacterial activity (1 mg/mL) was identified in the extracts obtained in the warmer months (lower MICs for Gram positive bacteria). CBM was compatible with MIC in most seasons/ bacterial strains, indicating possible bactericidal activity of the extracts. Conclusion: The research demonstrated a promising antibacterial activity for Gram positive and seasonal variation, suggesting a good potential for the use of E.brasiliensis as an antimicrobial. The results also indicate that in the future, other studies should be carried out, such as the chemical prospecting of these extracts.

 

Keywords

Antibacterial agents; plant extracts; Eugenia brasiliensis

 

 

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Correspondência

Joseli Maria da Rocha Nogueira

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