Caracterização da evolução sorológica e clínica de pacientes tratados para COVID-19 em um hospital público: estudo transversal

Characterization of serological and clinical evolution of patients treated for COVID-19 in a public hospital: a cross-sectional study

 

Bianca Maliska Klauck1, Ana Frida Duarte2, Kelvinson Fernandes Viana3, Rafael Andrade Menolli4, Alex Sandro Jorge4

 

1  Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Residência Farmacêutica em Análises Clínicas. Cascavel, PR, Brasil.

2    Farmacêutica graduada pela Universidade Paranaense (2020), unidade universitária de Francisco Beltrão – PR. Francisco Beltrão, PR, Brasil.

3    Centro Interdisciplinar para Ciências da Vida e da Natureza, Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Foz do Iguaçu, PR, Brasil.

4    Centro de Ciências Médicas e Farmacêuticas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Cascavel, PR, Brasil.

 

Recebido em 21/02/2022

Aprovado em 24/10/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202200023

 

INTRODUÇÃO

 

A Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus 2 (SARS-CoV-2) foi descoberta em Wuhan, província de Hubei, China, em dezembro de 2019, e desde então vem infectando milhares de pessoas e causando inúmeras mortes em todo o território mundial. O SARS-CoV-2, bem como o SARS-CoV e o coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) causam pneumonia grave com alta taxa de mortalidade.(1)

O SARS-CoV-2, causador da doença Covid-19, é um vírus de ácido ribonucleico (RNA) de fita simples, sentido positivo, pertencente à família Coronaviridae. Seu tamanho varia de 60nm a 140nm de diâmetro, com projeções semelhantes a pontas em sua superfície, dando-lhe uma aparência de coroa sob o microscópio eletrônico. A transmissão ocorre por inalação ou contato com gotículas geradas durante a tosse e espirro de indivíduos infectados sintomáticos e assintomáticos. Seu período de incubação varia de 2 a 14 dias e os principais sintomas relatados até o momento são: febre, tosse, dor de garganta, dificuldade em respirar, fadiga, mal-estar, entre outros.(2,3)

O diagnóstico se dá a partir da identificação do material genético do SARS-CoV-2 ou através da avaliação de respostas humorais geradas pelo organismo. O teste considerado padrão ouro para o diagnóstico é a identificação de alvos do genoma viral por reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR – do inglês reverse transcription polymerase chain reaction) em amostras coletadas por swab nasal ou da orofaringe durante a primeira semana de sintomas. Já através dos testes sorológicos, buscamos identificar a presença de resposta humoral ao SARS-CoV-2, por meio de anticorpos de isotipos IgA, IgM e IgG específicos para diferentes proteínas do vírus. Estes anticorpos são detectados por ensaio imunoenzimático (ELISA) ou imunoensaios de quimioluminescência (CLIA), e devem ser indicados a partir da segunda semana dos sintomas.(4)

O Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP) é referência no atendimento de pacientes com o novo coronavírus (SARS-CoV-2) na macrorregião Oeste, contando com uma população de cerca de dois milhões de habitantes. Uma vez que o paciente é admitido no hospital com sintomatologia de Covid-19, é realizada a coleta de material para detecção do vírus pelo método RT-PCR. Entretanto, não se faz o acompanhamento da conversão sorológica do paciente, visto que isto demanda elevado custo ao hospital.

Atualmente existe uma lacuna científica sobre como o sistema imune responde à infecção por SARS-CoV-2, visto que o conhecimento sobre esta doença vai se desenvolvendo à medida que a pandemia evolui. Neste sentido, se faz necessária uma testagem sorológica seriada destes pacientes a fim de acompanhar a evolução da doença e a necessidade de tratamento.

O presente estudo visa analisar a conversão e perfil sorológico dos pacientes em diferentes tempos de internação no Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP), assim como os dados fornecidos pelo sistema de prontuário eletrônico TASY® (Philips Tasy, Blumenau-SC, BR), como sintomatologia, dados epidemiológicos e clínicos, além de acompanhar a evolução clínica do paciente durante seu tempo de internação na unidade hospitalar.

 

METODOLOGIA

 

Consiste em um estudo transversal e retrospectivo, no qual foram usadas dosagens de anticorpos IgA, IgM, Ig; foram utilizadas 31 amostras de soro de pacientes positivos pertencentes à soroteca do Laboratório do HUOP. Estas amostras foram previamente coletadas de pacientes da primeira onda de Covid-19 internados na Ala Covid e UTI-Covid do referido hospital, no período de abril a junho de 2020. Participaram da pesquisa somente os pacientes internados por cinco dias ou mais, sendo utilizadas amostras alternadas dos dias de internamento (dia 0, 5º, 10º, 15º e 20º).

A análise das amostras foi realizada no Laboratório de Análises Clínicas, Ensino, Pesquisa e Extensão (LACEPE) do HUOP pelo método de ELISA indireto (Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay). Este método baseia-se na ligação antígeno-anticorpo, sendo que o antígeno pode se ligar a um anticorpo específico, que é subsequentemente detectado por um anticorpo secundário acoplado à enzima. Um substrato cromogênico para a enzima produz uma mudança de cor visível ou fluorescência, indicando a presença de antígeno.

Após isso, as amostras foram classificadas em reagentes ou não reagentes a partir do cálculo do cut-off, que seria a média do resultado das absorbâncias dos controles negativos multiplicados por dois. Os resultados foram tabulados na plataforma Excel 365® para análise estatística do tipo descritiva e organizada em tabelas e gráficos.

 

ÉTICA

 

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos sob o Parecer de nº 4.517.274.

 

RESULTADOS

 

Os dados epidemiológicos referentes aos 31 pacientes do estudo foram obtidos através do sistema TASY® e caracterizados em faixas etárias, sexo, cidade de residência e evolução clínica, conforme apresentado na Tabela 1.

Os pacientes mais acometidos pelo SARS-CoV-2 na macrorregião Oeste do Paraná foram pessoas do sexo masculino (61,29%), residentes na cidade de Cascavel (83,87%), com idade de 41 a 60 anos (58,06%) e que obtiveram cura (83,87%) como desfecho clínico.

 

Tabela 1

Perfil epidemiológico dos pacientes acometidos pelo SARS-CoV-2 no período de abril a junho de 2020, em um hospital universitário.

CARACTERÍSTICAS CATEGORIA N %
Faixa etária 20-40 anos 4 12,90
41-60 anos 18 58,06
61-80 anos 7 22,58
>80 anos 2 6,45
Sexo Feminino 12 38,70
Masculino 19 61,29
Residência Cascavel 26 83,87
Santa Tereza do Oeste 2 6,45
Maringá 1 3,23
Lindoeste 1 3,23
Cafelândia 1 3,23
Óbito Sim 5 16,13
Não 26 83,87

 

A Figura 1 demonstra a dosagem dos anticorpos IgG durante os dias 0, 5º, 10º, 15º e 20º de internamento, sendo as médias dos títulos 0,319, 0,379, 0,356, 0,390 e 0,371, respectivamente, concluindo em uma média geral de 0,363, ficando abaixo do valor de cut-off: 0,462.

A Figura 2 demonstra a dosagem dos anticorpos IgM durante os dias 0, 5º, 10º, 15º e 20º de internamento, sendo as médias dos títulos 0,076, 0,108, 0,145, 0,166 e 0,067, respectivamente, concluindo em uma média geral de 0,112 ficando acima do valor de cut-off – 0,104.

A Figura 3 demonstra a dosagem dos anticorpos IgA durante os dias 0, 5º, 10º, 15º e 20º de internamento, sendo as médias dos títulos 0,247, 0,274, 0,325, 0,279 e 0,336, respectivamente, concluindo em uma média geral de 0,292, ficando acima do valor de cut-off: 0,269.

 

Figura 1

Dosagem de anticorpos IgG em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário.

Figura 2

Dosagem de anticorpos IgM em pacientes internados na Ala Covid/ UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário.

Figura 3

Dosagem de anticorpos IgA em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário.

 

As médias obtidas dos títulos de anticorpos IgG foram classificadas por faixas etárias, demonstrando que pacientes de 20 a 40 anos apresentaram títulos de IgG inferiores às demais faixas etárias no dia 0 (0,222) e reduziram nas dosagens seguintes. Os indivíduos de 41 a 60 tiveram maior média no 10º dia (0,384) e mantiveram títulos elevados durante a internação, enquanto pacientes de 61 a 80 anos a maior média foi no 20º dia (0,489) e pacientes acima de 80 anos no 15º dia (0,464), como aponta a Figura 4.

Nas dosagens de anticorpos IgM, a média de títulos da faixa etária acima de 80 anos foi superior às demais idades, com maior média (0,202) no 5º dia. A partir do 5º dia, as idades de 41 a 60 anos e de 61 a 80 anos obtiveram títulos de IgM mais elevados e maiores médias no 15º dia (respectivamente 0,159 e 0,175). Pacientes de 20 a 40 anos apresentaram títulos de IgM inferiores às demais faixas etárias e a maior média foi no 10º dia (0,190), como exibido na Figura 5.

Na Figura 6 podemos identificar que as médias dos títulos de anticorpos IgA dosados em indivíduos acima de 80 anos foi superior às demais idades em todas as dosagens e maior média (0,781) no 5º dia. As faixas etárias classificadas de 61 a 80 anos e de 20 a 40 anos também obtiveram médias de títulos de IgA mais elevados no 5º dia (0,286 e 0,233, respectivamente). Entretanto, pacientes com 41 a 60 anos manifestaram títulos superiores apenas no 10º dia (0,363).

Em relação ao sexo e à dosagem de anticorpos IgG dos 31 pacientes incluídos no estudo, 12 pacientes eram do sexo feminino e 19 pacientes do sexo masculino. A maior média de títulos dosados de anticorpos IgG foi para o sexo masculino no 20º dia (0,489); no sexo feminino, a maior média foi no 10º dia (0,385), como demonstrado na Figura 7.

 

Figura 4

Dosagem de anticorpos IgG em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário por faixas etárias.

Figura 5

Dosagem de anticorpos IgM em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário por faixas etárias.

Figura 6

Dosagem de anticorpos IgA em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário por faixas etárias.

Figura 7

Dosagem de anticorpos IgG em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário por sexo.

 

Já para anticorpos IgM, a média de títulos dosados foi superior no sexo feminino em todas as datas de internação, conforme constatado na Figura 8. No 15º dia encontramos uma média de 0,177 para o sexo feminino, enquanto para o sexo masculino, uma média de 0,159.

O sexo feminino apresentou médias de títulos de anticorpos IgA superiores às do sexo masculino em todos os dias de dosagens. No 10º dia, o sexo feminino obteve uma média de 0,376. Entre os pacientes do sexo masculino, a maior média (0,280) de títulos de IgA foi no 10º dia. Estes dados estão presentes na Figura 9.

Figura 8

Dosagem de anticorpos IgM em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário por sexo.

Figura 9

Dosagem de anticorpos IgA em pacientes internados na Ala Covid/UTI-Covid no período de abril a junho de 2020 em um hospital universitário por sexo.

 

DISCUSSÃO

 

Considerando como variável o sexo e os anticorpos do tipo IgG, verificamos uma maior prevalência em indivíduos do sexo masculino, podendo ser correlacionado ao estudo de Graham (2020), em que foram coletadas amostras de soro de 32 pacientes com teste de COVID-19 positivo por RT-PCR com swab nasofaríngeo e que demonstrou este mesmo perfil sorológico.(5)

A diferença na produção de anticorpos entre indivíduos masculinos e femininos pode ser explicada por meio da variação nas concentrações de esteroides sexuais que ocorre ao longo do curso de vida, a qual contribui para diferenças nos perfis imunológicos, além do papel dos alelos sexuais (X e Y) e as doenças ligadas a eles, que podem estar relacionadas a doenças autoimunes de caráter genético.(6)

Em relação à faixa etária, nosso estudo encontrou um aumento de títulos de anticorpos em geral em pacientes mais velhos, se contrapondo ao estudo de Ciarambino (2021), uma revisão bibliográfica que relaciona a diminuição dos títulos de anticorpos e menor afinidade de células de memória a partir da idade do paciente.(7)

Yang e colaboradores (2021) compararam níveis de anticorpos IgG SARS-CoV-2 de 85 amostras pediátricas positivas e 3.648 pacientes adultos positivos, obtendo resultados similares ao presente estudo, onde pacientes com idade entre 19 e 24 anos mostraram níveis de IgG significativamente mais baixos do que os 612 adultos com idade entre 51 e 60 anos.(8)

Esperava-se que a inflexão da resposta do anticorpo SARS-CoV-2 ocorresse em uma idade mais avançada, quando o sistema imunológico em envelhecimento não está apto para reagir a novos antígenos. Podemos dizer que um aumento do nível basal de citocinas pró-inflamatórias associadas a algumas comorbidades comuns da velhice, como obesidade, hipertensão ou diabetes, podem ter um efeito estimulador na resposta humoral da SARS-CoV-2.(9)

Há escassez de estudos sistemáticos sobre a produção de IgA em pacientes com COVID-19. Os testes sorológicos relatados se concentram em IgM, IgG e imunoglobulinas totais, embora IgA desempenhe um papel importante na imunidade da mucosa. Na verdade, a IgA é a imunoglobulina mais importante para combater o patógeno infeccioso no sistema respiratório e digestivo no ponto de entrada do patógeno. Como uma barreira imunológica, a IgA secretora pode neutralizar o SARS-CoV-2 antes de atingir e ligar as células epiteliais.(10)

 

CONCLUSÃO

Das 31 amostras analisadas, a população e a faixa etária prevalente corresponderam a adultos masculinos de 41 a 60 anos, habitantes de Cascavel (83,9%) e com desfecho de cura (83,87%). Somente a média de anticorpos IgG ficou abaixo do valor de cut-off, sendo que os demais anticorpos positivaram. Os maiores títulos de anticorpos foram encontrados em pacientes com idade mais elevada, e a dosagem de anticorpos da classe IgA e IgM manteve-se mais elevada entre as mulheres, porém, para anticorpos da classe IgG, os homens obtiveram maiores títulos.

 

SUPORTE FINANCEIRO

 

Esta pesquisa possui financiamento próprio.

 

AGRADECIMENTOS

 

Primeiramente à Universidade Estadual do Oeste do Paraná pelo incentivo à realização de pesquisa em toda a sua extensão; ao Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário do Oeste do Paraná por ceder espaço para execução da pesquisa, bem como sua vasta fonte de dados. E aos meus colegas de profissão, que sempre estiveram ao meu lado.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Ciotti M, Ciccozzi M, Terrinoni A, Jiang W-C, Wang C-B, Bernardini S. The COVID-19 Pandemic. Critical Reviews in Clinical Laboratory Sciences [Internet]. 2020 Jul 9;57(6):365-88. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10408363.2020.1783198>
  2. Singhal T. A review of coronavirus disease-2019 (COVID-19). The Indian Journal of Pediatrics. 2020 Mar 13;87(4):281-6.
  3. Kumar KSR, Mufti SS, Sarathy V, Hazarika D, Naik R. An Update on Advances in COVID-19 Laboratory Diagnosis and Testing Guidelines in India. Frontiers in Public Health. 2021 Mar 4;9.
  4. Goudouris ES. Laboratory diagnosis of COVID-19. Jornal de Pediatria. 2020 Aug.
  5. Graham NR, Whitaker AN, Strother CA, Miles AK, Grier D, McElvany BD, et al. Kinetics and Isotype Assessment of Antibodies Targeting the Spike Protein Receptor Binding Domain of SARS-CoV-2 In COVID-19 Patients as a function of Age and Biological Sex. medRxiv [Internet]. 2020 Jul 16 [cited 2022 Feb 13];2020.07.15.20154443. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7386516/>
  6. Scully EP, Haverfield J, Ursin RL, Tannenbaum C, Klein SL. Considering how biological sex impacts immune responses and COVID-19 outcomes. Nature Reviews Immunology [Internet]. 2020 Jul 1;20(7):442–7. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41577-020-0348-8>
  7. Ciarambino T, Para O, Giordano M. Immune system and COVID-19 by sex differences and age. Women’s Health. 2021 Jan;17:174550652110222.
  8. Yang HS, Costa V, Racine-Brzostek SE, Acker KP, Yee J, Chen Z, et al. Association of Age With SARS-CoV-2 Antibody Response. JAMA Network Open [Internet]. 2021 Mar 22 [cited 2021 Mar 27];4(3):e214302. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2777743?resultClick=1
  9. Chen Y, Klein SL, Garibaldi BT, Li H, Wu C, Osevala NM, et al. Aging in COVID-19: Vulnerability, immunity and intervention. Ageing Research Reviews. 2021 Jan;65:101205.
  10. Chao YX, Rötzschke O, Tan E-K. The role of IgA in COVID-19. Brain, Behavior, and Immunity. 2020 Jul;87:182-3.

 

 

Correspondência

Bianca Maliska Klauck

E-mail:  [email protected]