Comparação entre três métodos para detecção de glicosúria em cães e gatos

 

Comparison between three methods for detection of glycosuria in dogs and cats

 

Tainara Renata Tineli1
Maurício Eduardo Mezaroba1
Angela Patricia Medeiros Veiga2

  

  1. Acadêmica(o) de Medicina Veterinária – Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Curitibanos – Curitibanos-SC, Brasil.
  2. Doutorado. Professor Adjunto – Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Curitibanos – Curitibanos-SC, Brasil.

 

Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Curitibanos – Curitibanos-SC, Brasil.

 

Artigo recebido em 07/11/2017
Artigo aprovado em 06/02/2018
DOI: 10.21877/2448-3877.201800640

 

Resumo

Objetivo: Objetivou-se nesse estudo avaliar a presença de glicose na urina utilizando três metodologias. Métodos: Foram utilizadas 22 amostras de urina da rotina laboratorial, provenientes de 12 caninos e 10 felinos. As amostras foram submetidas a avaliação da glicosúria através de tiras reagentes urinárias – uma com leitura manual e outra automática – e reação de Benedict. Aplicou-se o teste de correlação de Pearson para se compararem os resultados entre os métodos. Resultados: A correlação entre os dois tipos de leituras de tiras reagentes foi alta (R=0,80), indicando que os resultados foram semelhantes entre as tiras, e baixa correlação entre ambas as tiras e o teste de Benedict (manual: R=0,35; automática: R=0,44), indicando que os resultados obtidos entre as tiras e o teste de Benedict não foram semelhantes. Conclusão: Os resultados permitem concluir que, assim como em humanos, o teste de Benedict é mais eficiente do que as tiras reagentes na detecção de glicosúria em cães e gatos, já que detectou um maior número de animais com glicosúria do que as tiras reagentes.

Palavras-chave

Urinálise; Diabetes mellitus; Animais

INTRODUÇÃO

Os rins possuem capacidade expressiva na produção de glicose através da medula renal, em períodos de jejum prolongado, chegando a ter uma contribuição na gliconeo­gênese semelhante ao fígado. Além disso, os rins também utilizam a glicólise para obtenção de energia e, de acordo com o estado de glicemia do paciente, reabsorvem mais ou menos glicose nos túbulos renais. Portanto, sabe-se que os rins participam da produção, utilização e conservação da glicose.(1) Quando ocorre elevação dos níveis sanguíneos de glicose excedendo o limiar de reabsorção urinária, 180 mg/dL no cão e 280 mg/dL no gato, o transporte tubular cessa e a glicose é detectada na urina. A glicosúria pode estar relacionada com a perda da função de reabsorção tubular, ou, na presença ou ausência de condições patológicas, ela pode estar presente a fim de evitar a presença de níveis tóxicos de glicose no sangue, agindo de acordo com o limiar, para que não exceda o fisiológico.(2)

A presença de glicose na urina é considerada um distúrbio, mas pequenas quantidades podem ser observadas fisiologicamente, associadas a casos de hiperglicemia que ultrapassa o limiar. A glicose exerce um efeito osmótico, podendo aumentar o volume urinário, consequentemente a taxa de filtração glomerular, conferindo à urina uma coloração clara.(1)

O exame comum de urina subdivide-se em exame físico, químico e sedimentoscopia. No exame químico avaliam-se, principalmente, pH, glicose, cetonas, bilirrubina, proteínas e sangue oculto.(3) O diabetes mellitus é considerado uma das enfermidades em que quadros de glicosúria ocorrem com maior frequência, caracterizada por hipergli­cemia causada por um distúrbio metabólico.(4) Existem três métodos utilizados para detecção de glicose na urina: leitura manual da tira reativa, uso da tira reativa com leitura automatizada e através da reação de Benedict, porém, no conhecimento dos autores, o uso do teste de Benedict ainda não foi avaliado em amostras caninas e felinas na detecção de glicosúria, bem como este teste nunca foi comparado com as tiras reagentes, que são utilizadas com frequência na rotina laboratorial veterinária.

O reativo de Benedict é um reagente químico que recebeu este nome devido ao químico Stanley Rossiter Benedict. Consiste em uma mistura complexa de carbonato de sódio, citrato de sódio e sulfato de cobre (II) penta-hidratado.(5) Na maioria das vezes, é utilizado para detectar a presença de acúcares redutores, mas a presença de outras substâncias também produz uma reação positiva. O teste que utiliza esta reação é chamado de teste de Benedict. Uma positividade neste teste é indicada por uma mudança da cor azulada do reagente para um precipitado de coloração laranja a avermelhado. O princípio do teste de Benedict envolve a conversão de açúcares redutores, quando presentes na urina, ao serem aquecidos na presença de um álcali, a espécies redutoras potentes, conhecidas como enedióis.

Os enedióis reduzem os compostos férricos (Cu2+), presentes no reativo, a ferrosos (Cu+), que são precipitados como óxido de ferro (I) (Cu2O) vermelho insolúvel.(6,7) A cor do precipitado obtido dá uma ideia sobre a quantidade de açúcar presente na solução, já que o teste é semiquantitativo. Um precipitado esverdeado indica uma concentração de cerca de 500 mg/dL de açúcar; um precipitado amarelo indica uma concentração de 1.000 mg/dL de açúcar; laranja indica 1.500 mg/dL e vermelho indica 2.000mg/dL ou mais.(8)

As tiras reagentes urinárias são compostas por várias almofadinhas impregnadas com reagentes químicos que, ao entrar em contato com a urina, reagem com determinados compostos presentes na amostra, modificando sua coloração, a qual pode ser comparada com o rótulo do produto para uma determinação semiquantitativa das suas concentrações. No caso do teste de glicose, a amofada é composta por glicose oxidase 451U, peroxidase186U e iodeto de potássio. A glicose oxidase converte a glicose em ácido glicônico e peróxido de hidrogênio e a peroxidase catalisa a reação do peróxido de hidrogênio como iodeto de potássio, formando o cromógeno. O indicador utilizado nas tiras reativas para a determinação de glicose é o cloridrato de tolidina, com formação de cor que varia de verde claro a verde escuro.

OBJETIVOS

Objetivou-se avaliar a presença de glicose na urina em cães e gatos utilizando três diferentes metodologias, sendo duas através do uso de tiras reagentes: uma avaliada manualmente e outra automaticamente, e a terceira através da reação de Benedict.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizadas 22 amostras de urina de animais provenientes do atendimento clínico da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo eles dez felinos (cinco machos e cinco fêmeas) e 12 caninos (seis machos e seis fêmeas), no município de Curitibanos, SC. Os animais apresentavam-se saudáveis e submetidos a exames pré-operatórios para cirurgias eletivas, foram submetidos à colheita de urina por meio de micção espontânea, massagem seguida de compressão vesical ou cistocentese.

Após a colheita, todas as amostras de urina foram analisadas por três metodologias para detecção de glicose: através do uso de duas tiras reagentes, uma lida automaticamente no leitor de tiras urinárias e outra lida manualmente (Urigold®, Analisa, Belo Horizonte, MG, Brasil), e através da reação de Benedict.

As análises foram realizadas em série, imediatamente após a colheita, sempre pela mesma pessoa. Para os três testes de cada amostra transcorreram-se 15 minutos. Para a determinação de glicose urinária por meio de tiras reagentes com leitura automática, sobre cada almofada da tira (Uricolor-Check®, Wama, São Carlos, SP, Brasil) foi gotejada uma gota de urina. A tira foi posicionada no leitor de tiras urinárias Urivision® (Wama, São Carlos, SP, Brasil) previamente ligado e calibrado, a gaveta fechada, dando-se início à leitura automatizada que, em 60 segundos, emite o resultado. Já a determinação semiquantitativa por leitura manual da tira reagente foi realizada gotejando-se uma gota de urina em cada almofada da tira (Urigold®, Analisa, Belo Horizonte, MG, Brasil) e comparando-se a cor obtida em 60 segundos com o rótulo do produto. O limite de detec­ção de ambas as tiras apresentava uma variação de 30 mg/dL (+), passando por 100 mg/dL(++) e 500 mg/dL(+++), a 1000 mg/dL (++++).

Para a realização do teste de Benedict, utilizaram-se, para cada amostra, dois tubos de ensaio previamente identificados como “controle negativo” e “teste”, sendo a mistura contida no controle negativo constituída por 80 µL de água destilada e 2,5 mL de reativo de Benedict, e no tubo teste por 80 µL de urina e 2,5 mL de reativo de Benedict. Em seguida, os mencionados tubos de ensaio foram incubados por cinco minutos em banho maria a 100ºC e, após, foram submetidos a observação de cor, onde o azul representa o controle negativo e colorações diferentes de azul indicam que há presença de glicose; sendo assim, observa-se se houve alguma mudança de coloração na solução teste, que pode variar de verde límpido a vermelho tijolo, conforme a concentração de glicose presente na amostra.(10) (Figura 1).

001 - Figura 1

                  Figura 1.

 Para a análise estatística, os resultados obtidos nos três testes foram submetidos a teste de correlação de Pearson (JMP 8.0.2) para se avaliar a semelhança dos resultados de cada teste. Uma alta correlação indica resultados semelhantes, enquanto que uma baixa correlação indica resultados diferentes entre os testes.

ÉTICA

Para o presente experimento, não houve necessidade de manipulação com animais. No entanto, todos os critérios determinados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) foram estritamente considerados.

RESULTADOS

Os resultados obtidos podem ser observados nas Tabelas 1 e 2.

Das amostras testadas, dez (45,45%) apresentaram positividade no teste de Benedict, mostrando coloração esverdeada; dentre estes, quatro felinos (três machos e uma fêmea) e seis caninos (três machos e três fêmeas), enquanto que somente duas apresentaram positividade pelo método de leitura manual e três pelo automático de tiras reagentes.

002 - Tabela 1 003 - Tabela 2

DISCUSSÃO

A glicosúria em caninos e felinos pode ser fisiológica, ocorrendo em dietas ricas em carboidratos, excitação, administração parenteral (como nos casos de fluidoterapia com glicose) ou em casos em que não tenha sido respeitado jejum previamente à colheita. A glicosúria também pode ter origem patológica, sendo observada em casos de diabetes mellitus, necrose pancreática e síndrome nefrótica, dentre outras.(11)

Em análises humanas, a minoria dos voluntários em jejum apresentou reação esverdeada ao teste de Benedict, indicando menor porcentagem de amostras positivas para glicose. Já as coletas realizadas após o almoço apresentaram-se 100% positivas, o que se assemelha com os resultados obtidos a partir de amostras animais.(5)

Ao analisar a glicosúria pela reação de Benedict, deve-se levar em consideração que a presença de ácido ascórbico ou outros agentes redutores causam um falso-negativo por alterar a coloração final.(12) No entanto, a alteração de cor causada quando há presença de ácido ascórbico ou outros agentes redutores no final da reação é um sobrenadante laranja com precipitado vermelho.(13) Nenhum dos animais apresentou tal coloração no presente estudo. Por outro lado, o resultado obtido pela tira reativa na presença de tais compostos não pode ser diferenciado de amostras verdadeiramente negativas, mostrando a utilidade do mencionado teste sobre as tiras urinárias. Considerando-se que caninos podem eliminar fisiologicamente grandes quantidades de ácido ascórbico na urina,(14) este teste torna-se bastante útil para a análise de urina, principalmente nesta espécie. Atualmente, existem no mercado tiras reativas exclusivas para uso veterinário que prometem ausência de falsos negativos mediante presença de ácido ascórbico na amostra, porém a veracidade desta informação ainda não foi comprovada cientificamente, necessitando de maiores estudos.

Em outro estudo humano, visando a enorme diversidade de tiras reativas de urina disponíveis, observou-se uma disparidade nos intervalos de leitura na determinação da glicosúria. Através da análise dos dados, verificou-se que 58% dos pacientes apresentaram glicose plasmática de jejum elevada, mostrando uma frequência maior de usuários femininos.(15) Porém, neste caso, quando avaliado através do método Benedict, percebe-se que mais de sete casos considerados negativos no teste da tira são considerados positivos.

No presente estudo, além de o teste de Pearson mostrar positividade para um maior número de amostras do que as tiras urinárias, a análise dos dados mostrou alta correlação (R=0,80), através do teste de Pearson, entre os resultados obtidos pelas tiras reagentes e baixa correlação entre ambas as tiras e o teste de Benedict (manual: R=0,35; automático: R=0,44), mostrando resultados semelhantes a estudos na espécie humana.(15)

CONCLUSÕES

Os resultados permitem concluir que, assim como em humanos, o teste de Benedict é mais eficiente do que as tiras reagentes na detecção de glicosúria em cães e gatos, apresentando uma maior sensibilidade quando comparado com os resultados das tiras reativas.

Abstract

Objective: To evaluate the presence of urinary glucose using three methods. Methods: Twenty two urine samples from laboratory routine was used. These samples were originated from 12 dogs and 10 cats. The samples were submitted to glucosuria evaluation through reagente strips (one of them under manual reading and another under automatic reading, and Benedict reaction). Pearson’s correlation test was applied to compare the results between methods. Results: Correlation was high between the two types of strip readings (R=0,80), indicating that the results were alike between them, and low between both strips and Benedict test (manual: R=0,35; automática: R=0,44), showing that the results obtained between strips and Benedict test were not similar. Conclusion: The results allow to conclude that, as well as in human subjects, Benedict test is more effective to detect glucosuria in dogs and cats than reagente strips, since it detected a higher number of samples with glucosuria than reagente strips.

Keywords

Urinalysis; Diabetes mellitus; Animals

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência

Angela Patricia Medeiros Veiga
CEDUP
 Av. Advogado Sebastião Calomeno, s/n – Centro
                                                                                                                                        89520-000 – Curitibanos-SC, Brasil