Estudos da correlação de parâmetros clínicos avançados e achados na hematoscopia: granulócitos imaturos (IG%)

Studies of the correlation of hematimetric parameters and findings in hematoscopy: immature granulocytes (IG%)

 

Artur Fernando Soares da Silva1, Raphael Ferreira Pimentel2, Fábio Rodrigo Barbosa Dutra Nascimento3

 

1  Estudante. Centro Universitário dos Guararapes. Recife, PE, Brasil.

2  Especialista. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil.

3  Mestre. Docente. Centro Universitário dos Guararapes. Recife, PE, Brasil.

 

Recebido em 14/12/2020

Aprovado em 10/03/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202202087

 

INTRODUÇÃO

 

Os exames laboratoriais são essenciais na manutenção da saúde, na prevenção de doenças e no diagnóstico de inúmeras patologias. Sua importância na tomada de decisão no campo clínico é vital. A análise das amostras biológicas de forma quantitativa e qualitativa auxilia, em grande parte dos casos, os profissionais da área da saúde na conclusão mais correta do diagnóstico e no encaminhamento do paciente para o tratamento mais adequado.(1) Dentre os exames laboratoriais existentes, o hemograma é um dos principais aliados na conclusão dos diagnósticos, sejam ou não relacionados às patologias hematológicas. O hemograma avalia de forma quantitativa e qualitativa os elementos do sangue; é um dos exames mais requeridos nas consultas e faz parte de todas as revisões de saúde. Sua indicação consiste, principalmente, na contagem de eritrócitos, plaquetas e leucócitos.(2)

A automação do hemograma permite maior agilidade e sensibilidade na liberação de resultados num laboratório de análises clínicas. Especialmente naqueles que têm que administrar uma rotina intensa, é necessário o interfaceamento automático – ausência de revisão hematoscópica pelo analista – para liberação direta de exames cujos índices hematimétricos automatizados estejam dentro dos valores predeterminados como normais e padrões.(3) De acordo com o manual do maquinário XE-2100TM da SYSMEX e literaturas publicadas na área,(4;5) dentre os índices hematimétricos são alguns exemplos: WBC (White Blood Cell); RBC (Red Blood Cell); HGB (hemoglobina) e o HCT (hematócrito). Quando tais índices exibem qualquer alteração que não esteja dentro do considerado normal, é sinalizado ao analista em forma de alarmes (flags). Ao receber esse sinal, é necessário realizar a hematoscopia do material analisado para identificar qual mudança foi responsável por aquela sinalização.

Além dos índices hematimétricos automatizados usuais, existem parâmetros clínicos avançados que permitem aos equipamentos de hemograma realizar análises específicas sobre determinada série hematológica baseando-se no conteúdo do interior das células em análise, conforme a tecnologia de cada analisador. Essas análises têm importante significado clínico quando bem interpretadas. Enquadram-se nesta categoria os parâmetros: NRBC (eritroblastos); IPF (plaquetas imaturas); IRF (fração imatura de reticulócitos); RETHe (conteúdo de hemoglobina dos reticulócitos) e IG% (granulócitos imaturos),(6) sendo este último o objeto de estudo deste trabalho.

O parâmetro clínico avançado IG% (immature granulocyte) consiste na avaliação por meio da automação da série maturativa de granulócitos que aparecem nos casos de aumento da atividade medular. Segundo o documento técnico, “O novo modelo de negócios para parâmetros avançados em hematologia – granulócitos imaturos (IG)” da SYSMEX,(7) foi criado, assim como os outros parâmetros clínicos avançados, por se observar a necessidade de melhoria nos cuidados com os pacientes, sendo, portanto, muito importante no diagnóstico, mesmo que seu uso ainda seja reduzido e sua aplicação pouco explorada devido à insciência de alguns profissionais e laboratórios.

Em geral, os equipamentos que realizam os exames hematológicos, apesar de identificarem nas amostras, não são capazes de distinguir na sua avaliação os diferentes tipos de granulócitos imaturos devido a sua sensibilidade limitada. Quando isso acontece, além da porcentagem de IG%, exibem os flags “presença IG”, “neutrófilos bandas?” e “granulócitos imaturos?”, indicando ao analista quando se faz necessária uma avaliação microscópica daquele exame que está sendo realizado. Entretanto, dependendo de cada laboratório, o parâmetro clínico avançado IG% pode simplesmente ser solicitado para demonstrar o percentual desses granulócitos imaturos no espécime analisado, evitando revisões desnecessárias de microscopia.(5)

O debate sobre a presença de granulócitos imaturos nos exames é pouco amplo e, em muitos casos, por falta de conhecimento sobre a aplicabilidade que o maquinário nos laboratórios apresenta, o analista clínico acaba por subutilizar o percentual IG% que poderia auxiliar diretamente na agilidade da liberação do laudo de determinado paciente, evitando gasto de energia e de labor desnecessários na microscopia. Portanto, o intuito desse artigo foi correlacionar a contagem manual por hematoscopia com a contagem de granulócitos imaturos automatizada. O estudo também teve potencial de ressaltar a utilização mais refinada do IG% na rotina, oferecendo subsídios para estudos posteriores de implantação do IG% em rotinas de laboratório, na prática clínica e nas tomadas de decisão.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Desenho experimental

Este estudo, de caráter prospectivo, foi realizado em 100 amostras oriundas dos pacientes da Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (HEMOPE), processadas no equipamento XT-4000iTM da SYSMEX, cujos critérios de inclusão e exclusão foram: a) presença do número de identificação da amostra (deveria ser uma amostra real de um paciente); b) ausência de número começando com QC (não poderia ser uma amostra-controle); c) WBC (White Blood Cells) acima de 1×103 (1000 leuc/µL); d) apresentar os flags: “granulócitos imaturos?”, “neutrófilos banda?” (bastonetes) e “presença IG”; e) demonstrar o percentual de IG%.

 

Análise em contador automatizado

As amostras foram processadas em um contador modelo XT-4000iTM da SYSMEX cuja metodologia envolve a contagem diferencial em seis partes para a obtenção do parâmetro clínico avançado IG%, aplicando a técnica de citometria de fluxo fluorescente e foco hidrodinâmico.(5) Foram utilizados os reagentes: CELLPACK-EPK, STROMATOLYSER-FB, STROMATOLYSER-4DL, STROMATOLYSER-4DS e SULFOLYSER, todos obtidos em uma distribuidora da SYSMEX em Recife – PE, Brasil.

 

Análise hematoscópica

As amostras foram coletadas em tubo a vácuo da marca VACUETTE® contendo o ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA) como anticoagulante. Distensões sanguíneas das amostras selecionadas foram realizadas sem anticoagulantes utilizando uma lâmina distensora no ângulo de 45º em relação a uma lâmina de vidro previamente desengordurada. As lâminas foram coradas utilizando a técnica de May Grunwald-Giemsa(8) e analisadas à microscopia de luz por dois citomorfologistas. A contagem diferencial foi feita em 200 leucócitos (100 por pesquisador) em zigue-zague, percorrendo o centro do esfregaço sanguíneo de maneira que as células fossem avaliadas sem sobreposição.

 

Análise de dados

Estabeleceu-se um limiar de positividade para o IG% automatizado a partir de 0,5% definido de acordo com estudos que tiveram como objetivo determinar valores de referência para a presença significante de IG%.(9) Esse valor se manteve o mesmo para a contagem manual de granulócitos imaturos devido ao número de células contadas, que foi de 200 células, sendo ≥0,5% positivo para a presença de IG em uma das contagens manuais. Os resultados foram inseridos em uma tabela de valores de verdade para a determinação da sensibilidade e especificidade do método manual para contagem de granulócitos imaturos em relação ao parâmetro automatizado. A análise de correlação dos métodos foi feita através do coeficiente de Spearman e o processamento dos dados deu-se através do programa GraphPad Prism versão 9.0.0.121.

 

ÉTICA

 

Este artigo seguiu a resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/12 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) do HEMOPE sob o Parecer 4.291.216. Não se fez necessária a aplicação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), tendo em vista que as amostras avaliadas foram identificadas por código de barras e não teve vínculo com a identificação do paciente.

 

RESULTADOS

 

A Tabela 1 demonstra a relação de amostras negativas e positivas de acordo com o liminar de positividade estabelecido de 0,5%. Foi possível quantificar o número de Verdadeiros Positivos, Verdadeiros Negativos, Falsos Positivos e Falsos Negativos, e assim determinar a sensibilidade de 0,90% e a especificidade de 1%.

A Figura 1 mostra a correlação das 100 amostras entre os resultados automatizados liberados pelo equipamento XT-4000iTM da SYSMEX e a contagem manual realizada pelos analistas. O resultado de correlação pelo método de Spearman (r) mostrou um valor de r=0,8775, em que o intervalo de confiança de 95% foi 0,8209 – 0,9169. O valor de P (p-value) foi p<0,0001 e a equação de regressão linear Y = 1,059*X + 1,012.

 

Tabela 1

Comparação entre os resultados positivos (≥0,5%) e os resultados negativos (<0,5%).

IG manual IG automatizado
  POSITIVO NEGATIVO
POSITIVO 78 (VP) 0 (FP)
NEGATIVO 9 (FN) 13 (VN)

*VP: Verdadeiros Positivos; FP: Falsos Positivos; FN: Falsos Negativos; VN: Verdadeiros Negativos

Figura 1

Correlação entre o método automatizado (Y) e o método manual (X). N = 100 amostras. Tamanho: 13 x 17cm.

DISCUSSÃO

 

Os granulócitos apresentam grande importância no sangue periférico e, consecutivamente no hemograma realizado, representando cerca de 70% dos leucócitos encontrados. Na série branca (leucócitos), a presença de granulócitos imaturos normalmente está associada a algum processo patológico como infecções bacterianas, doenças inflamatórias agudas, traumas cirúrgicos e neoplasias mieloproliferativas. Contudo, essas células podem também ser observadas durante a gestação, no período neonatal ou em casos de tratamentos com agentes estimuladores de granulopoiese.(5;10)

De acordo com o documento técnico da SYSMEX,(6) no momento da contagem, o maquinário hematológico considera como “granulócitos imaturos” os promielócitos, mielócitos e os metamielócitos, visto que os mieloblastos estão associados a problemas de caráter mais agudo. Como mostrado no documento técnico,(7) segundo estudos realizados pelo Dr. Rümke, a precisão dos resultados na contagem de leucócitos está diretamente relacionada à quantidade de células contadas; quando comparado com o método automatizado, o método manual de 100 células é vagaroso e pouco confiável devido ao baixo número de células registradas. O contador hematológico automatizado é capaz de identificar milhares de leucócitos, daí possuir um melhor intervalo de confiança, tendo sua eficácia comprovada por estudos prévios que tiveram como objetivo a enumeração de granulócitos imaturos através de equipamentos hematológicos.(11-14)

Em um estudo realizado por S. Buoro,(13) utilizando o contador XN-9000TM para avaliar granulócitos imaturos em pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com suspeita de septicemia, foi possível observar que a contagem de IG% automatizada não apresentava um desempenho inferior em relação ao método manual, e que estava em vantagem por ser mais ágil e processar maior número de amostras. Anos antes, em 2007, Fernandes e Hamaguchi(14) também observaram um bom desempenho do contador XE-2100TM para a contagem de IG%, através da comparação do método automatizado não só com a contagem manual, mas também com a técnica de citometria de fluxo usando os marcadores CD16 e CD11b, específicos para granulócitos imaturos. A SYSMEX, padrão ouro em seus equipamentos cientificamente comprovado, tem alta sensibilidade e especificidade em seus valores.

No presente estudo, é evidente que, para o contador XT-4000iTM, a qualidade do parâmetro automatizado se manteve. Na Tabela 1, foi possível observar que o número de resultados Falsos Positivos (FP) não existiu, resultando numa especificidade eficaz no valor de 1%, mostrando que de acordo com o limiar estabelecido (0,5%), amostras negativas não terão resultados relevantes na microscopia. No caso dos resultados Falsos Negativos (FN), acredita-se que essa divergência mínima seja por conta da limitação do método manual que foi previamente relatado. Ainda assim, foi possível observar uma sensibilidade de 0,90% considerada satisfatória no trabalho realizado. A Figura 1 corrobora com estudos que acreditam na substituição do método manual de contagem de granulócitos imaturos pelo método automatizado,(11-14) porque mostra que ambos os resultados estiveram próximos da linha de regressão disposta enquanto referência no gráfico, mostrando ao analista que sua substituição, além de confiável, trará agilidade e precisão para os resultados liberados pelo laboratório. O valor de r (0, 8775) obtido após a correlação de Spearman apresentou-se dentro do intervalo de confiança de 95% (0.8209 – 0.9169), como o esperado, e o p-value <0,0001 reafirma que a probabilidade de que os resultados encontrados não sejam verdadeiros é mínima ou quase nula.

 

CONCLUSÃO

 

O presente estudo constatou aquilo que a SYSMEX e a literatura afirmam sobre o uso do parâmetro IG% na rotina laboratorial: mostrou que resultados que não retratam a realidade dos pacientes são raros e que é possível utilizar o IG% automatizado de forma segura e confiável. Acredita-se que isso trará mais agilidade na liberação de laudos facilitando o trabalho do analista e melhorando os diagnósticos e tratamentos por parte da equipe médica. Esse trabalho poderá servir de subsídio para estudos posteriores que visem à implantação do IG% na prática clínica, trazendo grande enriquecimento aos resultados liberados. É necessário enfatizar que o uso refinado do parâmetro clínico avançado IG% dependerá das demandas apresentadas pelo público-alvo do local. Acredita-se que se fará necessário em situações que demandem intervenção médica imediata, de acordo com as condições clínicas apresentadas.

 

SUPORTE FINANCEIRO

 

O referido orçamento é oriundo dos próprios pesquisadores envolvidos.

 

AGRADECIMENTOS

 

Gratos pela aprovação do projeto de pesquisa por parte da Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da Fundação de Hematologia e Hemoterapia (HEMOPE) que culminou neste presente trabalho, e por todo o apoio da equipe técnica que compõe o setor de citologia na Unidade de Laboratórios Especializados (UNILABE) da mesma instituição.

 

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Williamson MA, Synder LM. Wallach: interpretação de exames laboratoriais. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2016.
  2. Failace R, Failace R, Fernandes FB. Hemograma: manual de interpretação. 6ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2015.
  3. Failace R, Pranke P. Avaliação dos critérios de liberação direta dos resultados de hemogramas através de contadores eletrônicos. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. 2004; 26(3): 159-166. doi: 10.1590/S1516-84842004000300004.
  4. SYSMEX. Manual:XE-2100TM Automated Hematology System. Paraná: SYSMEX; c2011.
  5. Bain BJ. Células sanguíneas: um guia prático. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2016.
  6. SYSMEX. Manual: XT-4000iTM Analisador Hematológico Automatizado. [Internet]: SYSMEX; c2020.
  7. SYSMEX. Documento técnico: O novo modelo de negócios para parâmetros avançados em hematologia – granulócitos imaturos (IG). São Paulo: SYSMEX; c2019.
  8. Melo M, Silveira CM. Laboratório de hematologia: teorias, técnicas e atlas. 1ª ed. Rio de Janeiro: Rubio; 2015.
  9. Roehrl MHA, Lantz D, Sylvester C, Wang JY. Age-Dependent Reference Ranges for Automated Assessment of Immature Granulocytes and Clinical Significance in an Outpatient Setting. Arch. Pathol. Lab. Med. 2011; 135(4): 471-7. DOI: 10.1043/2010-0258-OA.1.
  10. Hoffbrand AV, Moss PAH. Fundamentos em hematologia. 6. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
  11. Fujimoto H, Sakata T, Hamaguchi Y, Shiga S, Tohyama K, Ichiyama S, et al. Flow Cytometric Method Enumeration and Classification of Reactive Immature Granulocyte Population. Wiley Online Library. c2000; 42: 371-8. doi: 10.1002/1097-0320(20001215)42:6<371:AID-CYTO1004>3.0.CO;2-G.
  12. Nigro KG, O’Riordan MA, Molloy EJ, Walsh MC, Sandhaus LM. Performance of an Automated Immature Granulocyte Count as a Predictor of Neonatal Sepsis. American jornal of clinical pathology. 2005; 123(4): 618-624. doi: 10.1309/73H7K7UBW816PBJJ.
  13. Buoro S, Mecca T, Vavassori M, Azzarà G, Esposito SA, Dominoni P, et al. Immature granulocyte count on the new Sysmex XN-9000: performance and diagnosis of sepsis in the intensive care unit. Signa Vitae. 2015; 10(2): 4-0.
  14. Fernandes B, Hamaguchi Y. Automated Enumeration of Immature Granulocytes. American Journal of Clinical Pathology. 2007; 128(3): 454-463. doi: 10.1309/TVGKD5TVB7W9HHC7.

 

 

Correspondência

Artur Fernando Soares da Silva

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