Importância da qualidade na fase pré-analítica

Importância da qualidade na fase pré-analítica

Importance of quality in the pre-analytical phase

 

Karen Cristina Barbeiro Marques1

 

1  FHO – Fundação Hermínio Ometto – (Técnica de coleta II). Araras, SP, Brasil.

 

Recebido em 06/07/2020

Aprovado em 18/03/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202202035

 

INTRODUÇÃO

 

Os laboratórios de medicina diagnóstica têm papel importante nas decisões médicas perante o paciente. Logo, é importante estabelecer confiança e segurança diante dos laudos laboratoriais. Para a redução dos erros e aumento da segurança e confiabilidade dos processos pré-analíticos, é necessária uma série de atividades que visem à educação continuada dos profissionais envolvidos nos processos de obtenção e manipulação de amostras biológicas. Sendo assim, é exigido que os serviços de medicina diagnóstica assumam a responsabilidade por todos os testes laboratoriais e busquem a redução de erros.(1)

Existem quatro razões para a solicitação de um teste laboratorial: suporte diagnóstico; monitoramento (p. ex., efeito medicamentoso); rastreamento e pesquisa (compreensão da doença). Em virtude disso, a quantidade de testes laboratoriais disponíveis aos médicos tem crescido desde 1920, quando Folin e Wu usaram o primeiro teste de quantificação de glicose sérica. A lista atual dos exames oferecidos por um grande laboratório excede 3.000 analitos.(2) Um exame é apropriado quando é efetivo, devidamente indicado, pouco oneroso e disponível para a população. Na solicitação de um exame, deve-se avaliar o custo/benefício, ou seja, se o teste será benéfico para o diagnóstico, prognóstico ou tratamento. Caso contrário, o exame pode ter um custo desnecessário, e elevar o risco de resultados incorretos, fazendo assim surgirem novas investigações e gerar alterações errôneas na terapia, atraso no diagnóstico ou aumento de internação hospitalar.(3)

O treinamento correto e rotineiro dos profissionais que realizam a coleta do espécime diagnóstico sanguíneo (sangue arterial, venoso e/ou capilar), no que se refere à correta postura do paciente, hora da coleta, ao tempo de aplicação do torniquete, ao procedimento inadequado de constrição do músculo do antebraço e a correta sequência dos tubos nas coletas em sistema a vácuo, são condições primordiais para a qualidade do resultado(4). Para manter essa qualidade também dividimos os procedimentos laboratoriais em três fases distintas, sendo elas: pré-analítica, analítica e pós-analítica. De todas as fases, a pré-analítica contempla maior número de erros registrados, logo é a mais depreciada pelos profissionais de saúde.(5)

É importante salientar que a detecção precoce dos erros evitará recoletas de amostras biológicas e custos adicionais pela repetição das análises, que além de comprometer a  reputação dos laboratórios, pode aparentar uma ineficácia na qualidade do serviço prestado(6). Outros motivos para os elevados índices de falhas nessa etapa laboratorial é a baixa automatização, o difícil controle dos itens dessa etapa, como as informações dadas pelos pacientes durante os questionamentos às vésperas da coleta, por exemplo, omitir se está em jejum, se tomou os medicamentos ou praticou exercícios, os quais podem comprometer a qualidade do exame. Dessa forma, ao êxito da fase pré-analítica depende não apenas do profissional de saúde, mas também da colaboração do paciente.(7)

Portanto, resultados equivocados podem prejudicar a interpretação de uma doença e a prescrição do tratamento. Por isso, o Controle Externo de Qualidade em laboratórios clínicos visa aumentar a qualidade dos serviços prestados em função do paciente.(8) Por fim, a evolução tecnológica foi uma alavanca, que permitiu a implementação dos conceitos de qualidade no laboratório clínico. No entanto, as novas práticas causam um aumento do custo nos processos laboratoriais e nem sempre acompanham o crescimento da remuneração pelas fontes pagadoras. Pelo contrário, os laboratórios clínicos, particularmente no Brasil, passaram a sofrer pressão dos provedores de serviço de saúde suplementar, no sentido de diminuir os custos de execução dos exames.(3)

Os serviços médicos necessitam de um suporte labora­torial confiável para tomar decisões adequadas e formular políticas. O sistema de acreditação de laboratório é necessário para a aceitação dos resultados dos testes nas esferas nacional e internacional. Esse processo repercute de forma positiva na imagem da instituição, conferindo fidedignidade na qualidade dos serviços, traduzindo-se na confiança tanto dos profissionais que fazem parte das instituições quanto dos clientes e usuários desses serviços.(9)

 

REFERENCIAL TEÓRICO

 

O laboratório de análises clínicas

O laboratório de análises clínicas auxilia nas escolhas diagnósticas e terapêuticas, emitindo os laudos, que são documentos contendo os resultados das análises laboratoriais, validados pelo responsável técnico.(10) Logo, é necessária a assertividade nos resultados emitidos, pois esses dados têm influência na tomada de decisão dos médicos solicitantes e no diagnóstico dos pacientes.(1) Na assistência à saúde, são essenciais os serviços que auxiliam na conduta médica nas situações clínicas do paciente. Neste contexto, os laboratórios de análises clínicas são fundamentais, pois contribuem na assistência e promoção da saúde através do funcionamento de diferentes setores (hematologia, bioquímica, imunologia, bacteriologia, parasitologia e uroanálise, dentre outros) e, pelos progressos na automação, podem atuar de forma inter-relacionada na análise de diversas amostras biológicas (sangue, urina, fezes, líquor, escarro, dentre outros) e na emissão de laudos (bioquímicos, hematológicos, imuno­lógicos, micro­bio­lógicos, de uroanálise) contendo o estado fisiológico do paciente, além de emitirem resultados de forma rápida, precisa, exata e confiável. Após a interpretação correta pelo médico, podem comprovar, estabelecer ou adicionar um diagnóstico condizente ao histórico clínico do paciente. Assim, os exames laboratoriais podem influenciar em aproximadamente 70% das decisões médicas aplicadas ao paciente.(6)

Para se ter uma organização de confiança, é importante ter o controle de todos os procedimentos, identificando falhas, e agir para reduzir suas consequências. Por isso, é importante o treinamento constante da equipe, desde a recepção até a liberação do laudo, mantendo-os constantemente atualizados, fornecendo o Procedimento Operacional Padrão (POP) caso haja alguma dúvida durante algum procedimento, levantando as causas de falhas e intervindo de forma efetiva antes que elas cheguem ao paciente, gerando transtornos ou comprometendo o tratamento ou, ainda, infligindo algum risco a sua saúde.(8) Vale ressaltar que a liberação de um laudo de forma incorreta pode ocasionar aumento de consultas médicas e de testes laboratoriais e de imagem, elevando o custo dos serviços de saúde.(3)

Logo, as medidas de biossegurança nos laboratórios têm por objetivo reduzir ou eliminar os riscos inerentes às atividades, visando a saúde dos pacientes, a preservação do ambiente e a qualidade dos resultados, valendo ressaltar que os profissionais devem estar atentos a essas medidas e ser treinados e avaliados. Procedimentos eficazes de orientações para promover a padronização, harmonização, detecção e o manuseio de amostras realizado por pessoal competente e bem treinado são essenciais para garantir um resultado com grau de exatidão ideal, precisão e confiabilidade fornecidos pelo laboratório.(8)

 

As fases analíticas no laboratório de análises clínicas

Os testes no laboratório de análises clínicas passam por uma série de fases, que servem para obtenção de um laudo laboratorial que ajudará no diagnóstico do paciente e têm início fora do laboratório.(1) O processo que finaliza na execução de um exame laboratorial tem início na avaliação clínica, onde é estabelecida uma hipótese diagnóstica e ocorre a solicitação dos exames. O processo final se concretiza por meio do médico utilizando a informação gerada pelo laboratório.(3) Esse ciclo é composto pelas seguintes fases: pré-analítica, analítica e pós-analítica, que estão sujeitas a vários possíveis erros que afetam a qualidade e confiabilidade do resultado.(2)

A fase pré-analítica é iniciada após a definição do médico sobre quais exames solicitar, levando em consideração outros exames, relatos do paciente e anamnese; prosseguindo na sua preparação para coleta, quando então é importante orientar em relação às medicações a usar ou evitar, cuidados com higiene, alimentação, dentre outros; após esta etapa inicia-se a coleta, manipulação e armazenamento do espécime antes da análise.(5)

Já a fase analítica ocorre a análise da amostra. Essa etapa é a mais automatizada e para seu controle existem parâmetros avaliadores, como precisão, sensibilidade, especificidade, exatidão, entre outros. Ao avaliar esses índices, é preciso atenção à calibração da aparelhagem, à conservação dos reagentes e ao uso de cálculos matemáticos, como o gráfico controle tipo Levey-Jennings, que analisa a imprecisão de determinado analito.(7)

Por fim, na fase pós-analítica, se dá a entrega do resultado do exame, segundo legislação vigente, considerando aspectos legais e posterior análise pelo médico, que terá como referência os dados fornecidos para concluir o diagnóstico e iniciar o procedimento adequado. Para isso é importante que nos laboratórios de análises clínicas os profissionais sigam as recomendações de forma a reduzirem erros que podem ocorrer durante as três fases. Elas também estão relacionadas com orientações aos pacientes para o procedimento de coleta, execução do material coletado e avaliação da concordância no resultado, oferecendo assim segurança no diagnóstico médico. Logo, todas as variáveis relacionadas são passíveis de erros recorrentes nas análises clínicas e devem ser avaliadas por profissionais com responsabilidade e qualificação profissional. Não é correto afirmar que só ocorrem erros na etapa extra-analítica, por envolverem pessoas, e que máquinas não erram, mas com o envolvimento de vários membros da equipe corre-se o risco de aumentar a probabilidade de falhas.(5)

Diante disso, os laboratórios adotam vários tipos de metodologias para assegurar a credibilidade, precisão e exatidão dos laudos emitidos. Isto inclui métodos para diminuir os erros nas fases pré-analítica, analítica e pós-analítica, procedimentos de controle em qualidade interno e externo, como o monitoramento das análises realizadas, acreditação laboratorial e programas de certificação labo­ratorial e instruções ao paciente antes da coleta do material biológico.(6)

 

A fase pré-analítica

É na fase pré-analítica que ocorre um elevado número de erros na análise de amostras biológicas, pela dificuldade em controlar as variáveis pré-analíticas, uma vez que esta fase envolve inúmeras atividades não automatizadas como a coleta, o manuseamento, o transporte e a preparação das amostras.(11) Estudos apontam que aproximadamente 40% a 70% dos erros ocorrem na fase pré-analítica.(2) No Brasil, raros são os laboratórios que possuem sistemas pré-analíticos totalmente automatizados.(4)

Para diminuir os índices de erros é importante instruir o paciente quanto ao preparo no momento da solicitação dos testes. Conforme a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/ Medicina Laboratorial (SBPC/ML), o médico solicitante ou seus auxiliares diretos devem ser responsáveis pela primeira instrução ao paciente sobre as condições para a realização do exame, informando-o sobre a eventual necessidade de preparo, como jejum, interrupção do uso de alguma medicação, dieta específica, ou ainda a não realização de atividade física antes da coleta dos exames.

Ao flebotomista cabe, antes da coleta das amostras, o conhecimento e observação de informações relevantes, junto ao paciente, a chamada condição pré-analítica: gênero, idade, posição do corpo, atividade física, jejum, dieta e uso de drogas para fins terapêuticos, tabagismo e etilismo, pois esses dados poderão comprometer a exatidão dos resultados.(1) Ainda existem as variações nos resultados laboratoriais que podem ser previstas levando-se em consideração ciclos biológicos e circadianos não modificáveis. Com o conhecimento desses ciclos e ritmos biológicos, pode-se escolher a melhor época para a coleta da amostra biológica, na qual o analito de interesse esteja dentro dos parâmetros clínicos esperados.

É importante salientar que a maioria dos analitos de interesse médico podem sofrer variações importantes decorrentes dos hábitos que antecedem a coleta da amostra biológica, com­prometendo a precisão e exatidão das análises. É possível cons­tatar que nos estudos pesquisados os parâmetros biológicos mais passíveis de alterações são as dosagens de glicose, colesterol, triglicérides, enzimas e eletrólitos.(6)

Para realizar uma coleta em condições adequadas, o flebotomista deve estar devidamente instruído e capacitado. Também deve respeitar as normativas de biossegurança e instruções escritas, como manuais padronizados de coleta de sangue venoso ou arterial, para que o procedimento de coleta seja seguro, tanto para o paciente como para quem está realizando a coleta.(1) O processo de antissepsia deve ser realizado com movimentos circulares do centro para fora no sítio de punção, e não com movimentos lineares do sentido distal para o proximal no antebraço, a fim de induzir a estase venosa, fator que afeta a qualidade do espécime diagnóstico. Contaminações no local da punção podem ser favorecidas pela realização incorreta deste procedimento. O tempo de aplicação do torniquete não deve ultrapassar 1 minuto. A aplicação do torniquete durante a coleta aumenta significativamente a concentração de diversos analitos a partir de 1 minuto, quando em comparação com a coleta utilizando sistema de iluminação transdérmica. Para que a aplicação do torniquete não interfira na determinação quantitativa dos analitos, ele deve ser retirado quando a agulha for introduzida na veia. O ato errôneo da constrição do músculo do antebraço, representado pelo movimento de abrir e fechar a mão que muitos pacientes realizam espontaneamente ou por solicitação, deve ser monitorado, pois permite avaliar o grau de atenção e eventuais vícios do flebotomista. Estudos demonstraram que a constrição do músculo do antebraço causa elevação do potássio sérico, afetando significativamente os resultados e induzindo um falso diagnóstico.(4)

Em 1982, Calam e Cooper observaram que a ordem de retirada de sangue para tubos contendo aditivo pode alterar o potássio e o cálcio. Essas recomendações foram validadas pela Clínica e Laboratório Standards Institute e foram ligeiramente modificadas ao longo dos anos com a introdução de plástico em vez de tubos de vidro e o desenvolvimento do ativador de coágulos e aditivos separadores de gel.(12)

Também é importante salientar que de acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Clinical Laboratory Standards Institute (CLSI), para obter uma qualidade aceitável e evitar contaminação das amostras por metais ou anticoagulantes presentes, sugere-se uma ordem específica para coleta em tubos a vácuo, sendo ela: citrato de sódio (azul-claro), soro com ou sem ativador de coágulo (vermelho), heparina (verde), ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA, roxo), oxalato/fluoreto (cinza). Porém, uma pesquisa realizada na Bélgica afirmou que não existem interferências relevantes nos exames laboratoriais, independente da ordem de coleta dos tubos. No entanto, essa afirmação ainda deve ser analisada cautelosamente, pois se trata de uma contradição do senso comum existente até então sobre a importância da ordem de coleta.(10)

A observação da homogeneização correta do espécime diagnóstico permite monitorar uma etapa crítica do procedimento de flebotomia. Entende-se por uma correta homogeneização a inversão completa do tubo seguida do retorno à posição inicial pelo número de vezes recomendado pelo fabricante.(4)

Para manter a segurança na identificação do paciente e das amostras, devem-se usar pelo menos duas formas de identificação dos tubos colhidos. Por exemplo, deve-se perguntar de forma clara e objetiva o nome completo e a data de nascimento do paciente, e as amostras devem ser identificadas no ato da coleta ou no da sua entrega ao laboratório clínico. As amostras biológicas dos pacientes devem ser transportadas e preservadas em recipientes isotérmicos, quando requerido, higienizável, impermeável, identificado com o símbolo de risco biológico com os dizeres “Espécimes para Diagnóstico”, e com nome do laboratório responsável pelo envio, garantindo a estabilidade da coleta até a realização do exame. Quando as amostras forem coletadas e identificadas adequadamente, deverão ser encaminhadas, o mais rápido possível, para o processamento, que poderá estar localizado na mesma estrutura física onde foi realizada a coleta, ou afastado a distâncias variadas.

Conforme a Associação Mercosul de Normalização (AMN), que elaborou a Norma Mercosul (NM311-4:2009), a qual estabelece os critérios para rejeição de amostras biológicas nos laboratórios clínicos, as amostras devem ser coletadas, identificadas, transportadas e processadas de acordo com as regras, com o intuito de diminuir os interferentes pré-analíticos. Para a exatidão dos resultados laboratoriais as amostras devem ser representativas, ou seja, deve apresentar condições homeostáticas do paciente no momento da coleta. Para isso, as amostras que apresentarem uma ou mais das características abaixo devem ser rejeitadas:

  • Amostra coagulada para exames como hemograma e testes de coagulação;
  • Coleta realizada com anticoagulante incorreto;
  • Tubos coletados com a proporção inadequada de sangue e anticoagulante;
  • Tubos contendo amostras com identificação errada;
  • Tubos incorretos e sem identificação do paciente;
  • Amostras de sangue hemolisadas, lipêmicas ou insuficientes;
  • Amostras não transportadas de forma adequada.(1)

 

Algumas publicações contêm os indicadores mais utilizados pelos laboratórios clínicos e seus limites de aceitabilidade. Esses dados possibilitam que outros laboratórios monitorem seus processos em busca de melhoria. Além disso, a escolha indevida de testes laboratoriais ou de seus painéis também pode ser considerada como erro pré-analítico. Por todos esses motivos, durante a requisição de um exame labora­torial, o médico solicitante deve orientar de forma precisa e clara as precauções necessárias antes da coleta de amostra biológica, visto que o paciente não é um fator nulo, sendo capaz de comprometer a qualidade do serviço que lhe é prestado. Além disso, o paciente deve procurar o laboratório antes da coleta para reforçar as informações recebidas e eliminar qualquer dúvida pertinente.(6)

 

Os erros laboratoriais e impactos para os pacientes

Os erros no diagnóstico são uma grande ameaça para a segurança dos pacientes, pois podem acarretar atraso e/ou falta de diagnóstico fundamentais, especialmente quando se trata de portadores de condições clínicas graves, como doenças cardíacas, endócrinas e câncer. Estima-se que aproximadamente 70% de todos os diagnósticos são feitos embasados nos testes laboratoriais, e que seus resultados são responsáveis por afetar entre 60% a 70% das decisões sobre a admissão, alta hospitalar e regime terapêutico dos pacientes.(1)

Os riscos definem indicadores laboratoriais como medidas numéricas de erros ou falhas em determinado processo em relação a seu número total (acertos e erros). São especificações da qualidade, pois o desempenho de um processo é adequado quando está dentro dos limites estabelecidos nos indicadores. Seu objetivo não é somente prover respostas, mas apontar problemas potenciais que necessitam de ações preventivas.(3)

A fase pré-analítica possui falhas de 46% a 68,2%, sendo mais comuns pela amostra insuficiente, erro na coleta, manuseio e transporte inadequado e identificação incorreta. Já na fase analítica os erros podem variar de 7% a 13%, sendo que eles podem ocorrer na troca de amostras, interferência e o mau funcionamento de equipamentos. Por fim, na fase pós-analítica, na qual ocorrem 18,5% a 47% dos erros, a grande maioria se deve à digitação incorreta de informações, dados e resultados. Geralmente, quando as falhas se iniciam na fase pré-analítica somente são corrigidas na última etapa do processo laboratorial.(8)

A relevância dos erros pré-analíticos como problema de saúde pública está relacionada com potenciais danos aos pacientes e custos extras para o sistema. A crescente automação nos serviços de saúde nem sempre é a melhor indicação quanto ao controle de qualidade, pois esta pode expor a riscos e a erros sistemáticos além do seu controle, o que poderia colocar em risco os pacientes e acarretar custos desnecessários.(13) Devemos observar que o elemento mais sensível na produção de erros na fase pré-analítica se dá pela atividade humana, em que múltiplos indivíduos interagem no processo do espécime diagnóstico.(5) Esses problemas, geralmente, decorrem de rotatividade de pessoal, negligência, falta de entendimento sobre boas práticas em laboratório e treinamento ineficaz.(1,2)

Atualmente, a segurança do paciente e a confiança nos resultados de análises clínicas emitidos são prioridade nos laboratórios. A ocorrência de erros também está relacionada a falhas na ação planejada, seja ela intencional ou não, ou à aplicação de um plano incorreto no procedimento.(8) Para minimizar os erros pré-analíticos, é necessária a orientação correta aos pacientes em relação à necessidade de jejum prévio à coleta da amostra, a suspensão de exercícios físicos extenuantes no período que antecede a coleta, e outras informações relativas ao hábito de fumar e ao período do ciclo menstrual. É importante obter informações sobre a utilização de medicamentos e drogas terapêuticas. Os principais erros estão também na identificação das amostras, no preenchimento inadequado dos tubos, na hemólise e na falta de informações sobre o paciente.

Assim, é necessário um treinamento correto para a realização da coleta de materiais biológicos de forma invasiva (sangue arterial, venoso e/ou capilar), para evitar interferentes nos resultados laboratoriais como a postura do paciente na hora da coleta, o tempo de aplicação do torniquete, o efeito da constrição do músculo do antebraço antes da punção, a ordem correta dos tubos nas coletas em sistema a vácuo e a homogeneização. Para evitar maiores erros na fase pré-analítica, no momento da coleta não se deve realizar a punção em locais que foram realizados punções anteriores, mastectomia, infusão intravenosa, edemas, hematomas; “não aplicar tapinhas”, pois pode ocorrer hemólise principalmente em idosos portadores de ateroma, porque poderá haver deslocamento da placa, com sérias consequências.(5)

Estas são as principais alterações que resultaram em erros descritos nas pesquisas:

  • tempo no armazenamento (78,6%);
  • tempo com o torniquete (78,6%);
  • técnicas do flebotomista (64,3%);
  • informação incorreta aos pacientes (64,3%);
  • incorreto equilíbrio entre sangue/anticoagulante (57%);
  • tubos incorretos (50%);
  • amostras com algum tipo de contaminação (43%);
  • medicamentos (29%);
  • variações entre laboratórios (29%).

 

A demonstração dos erros laboratoriais varia de acordo com o laboratório e depende de um bom PGQ (Programa de Garantia de Qualidade) que seja avaliado frequentemente, de programas de aperfeiçoamento profissional ou cursos de reciclagem, nos quais o laboratorista passa pelas diversas seções laboratoriais. Um PGQ eficiente auxilia na escolha dos métodos, equipamentos, reagentes e pessoal, além de promover a observação constante de todas as atividades. Seu objetivo é elevar a segurança dos resultados e garantir efetivamente um produto final de qualidade.(7)

 

Gestão e qualidade no laboratório de análises clínicas

A qualidade é definida como a conformidade às exigências do usuário e/ou clientes, e refere-se à satisfação das necessidades e expectativas. Assim, é importante que o foco dos serviços de saúde seja nos indivíduos que os utilizam de forma direta ou indireta. Com a complexidade dos processos laboratoriais é necessária a implementação de programas de qualidade, buscando a qualidade do serviço, aumentar a produtividade e baixar o custo.(14) Um programa de gestão da qualidade é indicado para melhorias nos processos laboratoriais utilizando uma gestão de riscos e aprimoramentos nos processos.(1)

O gerenciamento exige organização dos principais processos laboratoriais que envolvem:

  • Gestão de pessoas;
  • Infraestrutura;
  • Tecnologia de informação;
  • Gestão de equipamentos;
  • Atendimento aos clientes;
  • Produção de exames laboratoriais;
  • Biossegurança;
  • Gestão de negócio;
  • Logística;
  • Gestão da qualidade;
  • Gestão ambiental;
  • Gestão de projetos.

 

No Brasil, a RDC (Resolução de Diretoria Colegiada), que regulariza o funcionamento de laboratórios clínicos é a nº 302/2005. Sua publicação ocorreu em 30 de outubro de 2005, e os laboratórios clínicos e postos de coleta teriam 180 dias (abril de 2006) para adequação. Essa resolução teve alguns requisitos esclarecidos por meio da Nota Técnica nº 039/2014 (GRECS/GGTES/Anvisa) e da RDC nº 30/2015. Ela é importante, pois regulamenta o funcionamento do laboratório clínico nas condições gerais de organização, recursos humanos, infraestrutura, equipamentos e instrumentos laboratoriais, produtos para diagnóstico de uso in vitro, gerenciamento de resíduos e biossegurança. Organiza também os processos operacionais das fases analítica, pré e pós-analíticas, garantindo o controle da qualidade e registros para rastrea­bilidade laboratorial.(14)

A qualidade como modelo de gestão se iniciou no Japão e foi adotada posteriormente por empresas norte-americanas e europeias.(9) Na evolução industrial em 1920, as indústrias bélicas com a Guerra Mundial precisaram de elevar a produção de armamentos. Iniciando assim a inspeção com finalidade de avaliar o produto, e separar os defeituosos, para evitar sua comercialização. A primeira fase evolutiva da qualidade foi a criação do departamento de engenharia de produção nas indústrias, instituindo instrumentos estatísticos voltados para medição e o controle da qualidade, utilizados para análise do produto.

Nas décadas seguintes, a evolução da qualidade tornou-se evidente, principalmente no Japão, visto a necessidade de se reconstruir economicamente após a guerra. Inicia-se a fase da garantia da qualidade, objetivando a prevenção. Chegando assim a preocupação com a qualidade nas empresas. Em 1950, W. Edwards Deming cria um novo conceito em qualidade denominado ciclo PDCA, cujas iniciais, em inglês, significam plan, do, check e act (planejar, executar, verificar e atuar) corretamente. Na atualidade a qualidade é importante para a sobrevivência das organizações no mercado, principalmente a satisfação do cliente. Logo, a necessidade de qualidade, o aumento da produtividade e a redução de custos tornaram-se imprescindíveis para uma empresa manter-se no mercado e ser competitiva.(3)

Os conceitos da qualidade na saúde são os mesmos das indústrias. Um produto ou serviço que esteja de acordo com as necessidades dos clientes é um princípio de qualidade aplicável aos diversos serviços de assistência à saúde. Logo, os laboratórios devem adotar um sistema de gestão de qualidade com controles para todas as fases, de forma a identificar e tratar as não conformidades, aplicando ações corretivas e preventivas, objetivando a garantia da qualidade das análises laboratoriais, o diagnóstico correto e minimizando os impactos negativos sobre a saúde dos pacientes.(9)

A SBPC/ML (Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial) teve papel fundamental na história da qualidade e da acreditação laboratorial. Quando fundada, em 1944, já possuía em seu estatuto, como objetivo, o estabelecimento de padrões para a realização dos diferentes exames laboratoriais. Na década de 1970, recomendou revisar e adaptar à realidade brasileira as práticas do Colégio Americano de Patologistas (CAP), com a Revista Brasileira de Patologia Clínica, publicação da própria SBPC/ML.

Em 1977, obteve contrato com a Control-Lab, e assim pôde instaurar o programa de controle de qualidade interno e externo, pioneiro no país, intitulado Programa de Excelência de Laboratórios Médicos (PELM), e, em 1998, criou o PALC (Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos), os quais foram revisados e atualizados nos anos 2004, 2007 e 2010. O PALC concede aos laboratórios brasileiros um norte para melhorias contínuas da qualidade, principalmente pelas auditorias feitas por pares, isto é, por laboratoristas, concedendo a troca de conhecimentos técnicos entre auditores e auditados. Recentemente, em parceria com a Control-Lab, a SPBC/ML disponibilizou o Programa de Indicadores Laboratoriais, dando aos laboratórios clínicos do Brasil a possibilidade da padronização dos indicadores, assim como a comparabilidade entre eles.

Em 1999, foi criada a ONA (Organização Nacional de Acreditação), que tinha por objetivo a implementação de melhorias na qualidade da assistência à saúde, incentivando os serviços a alcançarem altos padrões de qualidade (www.ona.org.br). Em 2001/02, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) reconheceu oficialmente o Sistema Brasileiro de Acreditação por meio da Resolução nº 921/02 e firmou um convênio com a ONA para a colaboração técnica e treinamento de pessoal, o qual contou com a participação, entre outras, da SBPC/ML.(3)

Na prestação de serviço de saúde existem dois componentes básicos da qualidade: o operacional, correspondendo ao processo, e a percepção, em que se nota a visão dos clientes sobre o serviço oferecido. Ambos são medidos por indicadores da qualidade e pelo reconhecimento obtido pelos processos de certificação ou acreditação.(3) Os indicadores ainda permitem comparações internas e externas com outros serviços de mesmas características. São denominados, na gestão da qualidade, de itens de controle.(2) A certificação também é importante, pois comprova que determinados produtos, processos ou serviços são realizados ou cumpridos de acordo com requisitos especificados, como é o caso das normas da International Organization for Standardization (ISO). Já na acreditação, os processos são avaliados com o intuito de verificar sua adequação aos serviços que estão sendo oferecidos, além do cumprimento dos requisitos exigidos em uma certificação. Por exemplo, a acreditação da Organização Nacional de Acreditação (ONA), da Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) e do Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (PALC) da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML).(3)

É imprescindível a qualidade na fase pré-analítica da medicina laboratorial. Assim, podemos definir indicadores que estão relacionados ao sistema global de gestão da qualidade em laboratórios, que é fundamental para reduzir as vulnerabilidades, emergência e proliferação de erros.(13) Logo, é importante conciliar custo e benefício atentando-se para a qualidade no serviço. O movimento pela qualidade, conhecido como Qualidade Total – Total Quality Management (TQM) –, trouxe alterações práticas na gestão, tanto no setor de produção de bens quanto no de serviços. Inicialmente, este movimento teve maior foco nos padrões técnicos de qualidade definidos pelos profissionais do setor e, mais tarde, passou a contemplar e atentar para os padrões e expectativas de qualidade percebidas pelo cliente. A este respeito, a literatura indica que clientes satisfeitos trazem benefícios para as empresas, pois tendem a realizar compras repetidas do mesmo fornecedor, além de, espontaneamente, contribuírem para a propaganda “boca-a-boca” da empresa.(15)

Mesmo com todo o reconhecimento da fase pré-analítica, ela carece de indicadores específicos dentro do sistema de gestão da qualidade nos laboratórios clínicos, tornando-a mais vulnerável ao aparecimento e aumento de erros. Esta constatação caracteriza o lado obscuro dos problemas associados à qualidade laboratorial.(4)

 

Material e métodos

 

Para a apresentação do tema proposto foram realizadas pesquisas em bases de dados científicos. Os artigos foram analisados quanto ao reconhecimento do tema. Diante das novas circunstâncias em que os exames de análises clínicas se tornaram essenciais para diagnóstico médico, o presente estudo objetivou a apresentação de ferramenta para evitar o erro na fase pré-analítica, através de revisão de literatura, com coleta de dados na National Library of Medicine (PubMed) e Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

 

CONCLUSÃO

 

Com os estudos analisados na revisão, constata-se que os erros pré-analíticos sempre irão ocorrer, por ser uma fase que envolve o maior número de pessoas de áreas e formações distintas. Porém eles podem ser minimizados com o apoio de estratégias de controle de qualidade, adotadas por todos que trabalham com medicina diagnóstica. Contudo, ressalta-se a importância de se manter os conhecimentos sobre as consequências dos erros laboratoriais e seu impacto na assistência à saúde, que podem significar perdas nos cofres públicos e gastos desnecessários com medicamentos e procedimentos médicos, prolongando o tempo de hospitalização, novas coletas de amostras biológicas, repetição de exames ou até mesmo demora ou não realização de uma intervenção cirúrgica. Erros durante a assistência à saúde podem causar sérias conse­quências ao paciente, desde uma incapacidade ou até mesmo morte.

Com esta revisão, espera-se organizar informações que serão de grande valia para alertar a todos os profissionais da importância da fase pré-analítica para o diagnóstico médico.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Guimarães AC, Wolfart M, Brisolara MLL, Dani C. O laboratório clínico e os erros pré-analíticos. Revista HCPA. 2011;31(1): 66-72.
  2. Codagnone FT, Guedes SS. Buscando a eficiência laboratorial por meio de indicadores de qualidade: ênfase na fase pré-analítica. Revista Acreditação: ACRED. 2014; 8(4): 27-41.
  3. Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita NM. A utilidade dos indicadores da qualidade no gerenciamento de laboratórios clínicos. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. 2011; 47(3): 201-210.
  4. Oliveira GSL, Picheth G, Sumita NM, Scartezin M. Controle da qualidade na coleta do espécime diagnóstico sanguíneo: iluminando uma fase escura de erros pré-analíticos. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. 2009; 45(6): 441-447.
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