Investigação Translacional em Análises Clínicas
Translational Research in Clinical Analyses
DOI: 10.21877/2448-3877.201700634
Durante a última década, o conceito de investigação translacional ganhou grande espaço dentro da comunidade científica internacional. Esse termo tem origem na expressão inglesa translational research e está associado com a transferência de conhecimentos biomédicos gerados em pesquisas básicas para as diferentes áreas da investigação clínica, sobretudo no que se refere ao diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças. Na realidade, o objetivo da investigação translacional é promover a integração entre os produtores e os usuários da pesquisa científica.(1) Atualmente, considera-se que a investigação translacional é a forma mais rápida para que a informação científica seja transmitida tanto para a investigação clínica quanto para a prática assistencial. Isso significa uma transferência efetiva dos novos conhecimentos, mecanismos e técnicas em prol da saúde da população, colaborando, de forma inequívoca, para a tomada de decisões médicas e políticas.(2,3) É importante reiterar que a investigação translacional não é aquela que busca conhecer isoladamente os fundamentos patológicos de uma determinada enfermidade (objeto de estudos básicos), mas sim é aquela que busca desenhar e estudar, o mais rapidamente possível, novas aproximações diagnósticas e/ou terapêuticas, baseadas nos mais recentes avanços da ciência básica e/ou da tecnologia.(1,4)
Historicamente, a investigação translacional tem início com a abordagem hermenêutica de distintas áreas do conhecimento como a linguística (estudo da linguagem verbal humana), semiótica (estudo dos signos e da semiose) e teorias da informação (estudo e conceituação matemática da informação) e da comunicação (estudo dos efeitos, origens e funcionamento do fenômeno da comunicação social), o que possibilitou uma melhor interpretação dos sentidos e significados dos diferentes textos escritos na humanidade, tornando mais eficiente, assim, a tradução desse material entre os vários idiomas.(1) No âmbito da saúde, a palavra translacional foi empregada, inicialmente, em 1975, para se referir à transferência, intercambiamento e interpretação dos dados obtidos tanto em pesquisas básicas quanto médicas na área da endocrinologia clínica e diabetes.(1,5) Na década de 1990, o termo foi empregado na literatura para descrever os esforços científicos para o desenvolvimento de novas drogas antineoplásicas. Consecutivamente, na década de 2000, o termo foi sistematizado e seu escopo definido, passando a ser utilizado em cardiologia, neurologia, psiquiatria, patologia clínica e em muitas outras áreas da medicina.(6,7)
Importa mencionar que, para que uma investigação translacional possa ocorrer e cumprir seus objetivos, é necessário que exista uma equipe de trabalho integrada e constituída por diversos profissionais com expertises diferentes capazes de identificar e priorizar necessidades e situações de maior complexidade com a finalidade de empregar, de forma efetiva, os resultados obtidos para a resolução de problemas clínicos ou de saúde pública.(1) Dentro do conceito inicial de investigação translacional, dois momentos distintos da pesquisa científica têm sido considerados: investigação translacional T1 e T2.(7) Na investigação T1, há a transmissão de novos conhecimentos produzidos em laboratórios vinculados às ciências básicas acerca de mecanismos de produção de doença e resistência a drogas e quimioterápicos para o desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico, tratamento e prevenção de diferentes patologias. Aqui podem ser realizados ainda tanto estudos pré-clínicos quanto os primeiros testes em humanos.(2,8) No momento T2, a investigação objetiva assegurar que os novos modelos de diagnóstico e tratamento cheguem aos pacientes ou às populações para as quais foram desenhados e que sejam aplicados de forma correta e com uma relação custo-benefício aceitável.(2,9) Exemplificando, o desenvolvimento de uma nova droga pode ser considerada o ponto final de T1, no entanto, será o ponto de partida para T2, que buscará melhorar a qualidade de acesso e a organização e coordenação dos sistemas de cuidado.
Resumidamente, então, a investigação translacional se caracteriza como um processo bifásico, já que os novos conhecimentos passam da ciência básica para a ciência clínica (bench to bedside – do laboratório à beira do leito) e da ciência clínica para a saúde dos pacientes e saúde pública (bedside to practice – da beira do leito à assistência à saúde), e bidirecional, pois o fluxo de informação migra do laboratório à clínica e da clínica volta ao laboratório (bench – bedside – back again).(3,8,10) Para o funcionamento desse processo, a investigação T1 requer laboratórios universitários ou de centros de pesquisa que trabalhem com biologia molecular, citologia, bioquímica, biofísica, farmacologia, microbiologia e/ou imunologia com infraestrutura e tecnologia de ponta. A investigação T2, em contrapartida, tem como laboratório de ensaio o hospital e o ambiente da comunidade, associado a intervenções baseadas nos grupos humanos e populacionais, epidemiologia, estatística, observação e evidência clínica, psicologia e ciências do comportamento, investimento privado, políticas governamentais e financiamento público.(1,3,8)
Além do modelo T1-T2 de transmissão de novos conhecimentos, modernamente, um modelo ampliado e fundamentado na epidemiologia, que contém pelos menos cinco fases ou etapas operacionais (T0-T4) de investigação translacional, tem sido proposto.(2,8) Nesse modelo de transmissão, T0 representa pontualmente a descoberta e a descrição do achado científico pela equipe de pesquisadores, T1 representa a fase que vai da descoberta à aplicação clínica ou em saúde (testes, intervenções), T2 representa a fase que vai da aplicação clínica ou em saúde à avaliação da eficácia e à proposta de adoção ou recomendação baseada nas evidências, T3 representa a fase de operacionalização e execução prática em saúde das recomendações ou diretrizes, T4 representa a fase de avaliação do impacto e dos resultados da prática em saúde na qualidade de vida da população e dos reais benefícios à sociedade.(2,8,9) Encerrando o ciclo, há a fase T4 à T0, onde o conhecimento aplicado ou prático em saúde retorna ao laboratório solidificando ou dando nova orientação às linhas de pesquisas desenvolvidas. Finalmente, no cerne de todo o processo está a síntese do conhecimento, representada por uma abordagem sistemática para a revisão das evidências sobre o próprio conhecimento gerado na pesquisa translacional.(2,9)
Particularmente no âmbito das análises clínicas, essa transferência de conhecimentos entre as ciências básica e clínica, a partir de investigações translacionais, tem produzido impactos nas áreas de imunologia, endocrinologia, oncologia, neurologia e neurociências e reprodução humana.(6) Os resultados de investigações translacionais em análises clínicas irão refletir diretamente no manejo dos pacientes, já que essas investigações contribuem para uma melhor compreensão e percepção dos mecanismos fisiopatológicos e das complexas interações que ocorrem nos sistemas biológicos.(10) Como um exemplo, a pesquisa por novos marcadores bioquímicos e/ou tumorais e sua aplicação no biodiagnóstico tem papel chave no controle, monitoramento e segurança dos pacientes, bem como na predição da eficácia de tratamentos frente a diferentes tipos de doenças neoplásicas, degenerativas e cardiovasculares.(6,9) As análises clínicas translacionais podem fornecer maior apoio científico às intervenções médicas, informando em que contexto essas intervenções irão ser mais efetivas, quando elas deverão ser procedidas e por quanto tempo deverão ser estabelecidas. As pesquisas translacionais na área do laboratório clínico têm como objetivo demonstrar de que maneira um grupo de variáveis bioquímicas e moleculares pode contribuir para a escolha da melhor intervenção clínico-cirúrgica e/ou farmacológica.(10)
ReferÊncias
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Paulo Murillo Neufeld, PhD
Editor-Chefe da Revista Brasileira de Análises Clínicas (RBAC)