O exame citopatológico como ferramenta para o diagnóstico do câncer de mama: análise dos resultados no âmbito nacional, estadual e do município de Governador Valadares – MG 

The cytopathological examination as a tool for the diagnosis of breast cancer: analysis of the results at the national, state and municipal levels of Governador Valadares – MG

 

Jannayna de Cássia Godinho Macedo1, Michel Rodrigues Moreira1

 

1  Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências da Vida / Departamento de Farmácia. Governador Valadares, MG, Brasil.

 

Recebido em 18/08/2022

Aprovado em 09/01/2023

DOI: 10.21877/2448-3877.202300063

 

INTRODUÇÃO

 

O câncer é um dos principais problemas de saúde pública e está entre as quatro principais causas de morte prematura (antes dos 70 anos de idade) na maioria dos países. A incidência e a mortalidade pela doença vêm aumentando no mundo, em parte pelo envelhecimento, mas também pelo crescimento populacional, mudança na distribuição e prevalência de fatores de risco, especialmente os associados ao desenvolvimento econômico, com um declínio dos tipos de câncer associados a infecções e aumento daqueles associados à melhoria das condições socioeconômicas, com a incorporação de hábitos e atitudes relacionados à urbanização, como o sedentarismo, alimentação inadequada, entre outros.(1)

O câncer de mama é o tumor maligno mais frequente entre as mulheres no mundo, excluindo os cânceres de pele não melanoma. Ele corresponde a 25,2% de todos os tumores malignos femininos e apresenta uma taxa de incidência de 43,3 casos para cada 100.000 mulheres,(2) sendo a principal causa de morte por câncer entre as mulheres.(3)

No Brasil, estima-se que para cada ano do triênio 2020-2022, ocorrerão 66.280 novos casos de câncer de mama, correspondendo a um risco estimado de 61,6 novos casos a cada 100.000 mulheres. Em 2017, ocorreram em nosso país 16.724 óbitos por câncer de mama feminina, o que equivale a um risco de 16,2 para cada 100.000 mulheres.(1)

Existem múltiplos fatores de risco para o câncer de mama, entretanto, a idade acima de 50 anos é considerada o fator mais importante. Outros fatores que contribuem para o aumento do risco de desenvolver a doença incluem alterações genéticas, como mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, história de câncer de ovário na família, menopausa tardia, obesidade, sedentarismo e exposições frequentes a radiações ionizantes.(4,1)

O câncer de mama é uma doença heterogênea, com variações na forma da apresentação clínica, nas características histopatológicas e moleculares e, consequentemente, tende a apresentar também uma heterogeneidade no prognóstico.(5) A detecção precoce desta neoplasia é de fundamental importância para diminuir a taxa de mortalidade e melhorar a qualidade de vida das pacientes.(6,3) Uma avaliação tripla, realizada por meio do exame clínico, da mamografia ou ultrassonografia e do exame citopatológico de material obtido por punção aspirativa com agulha fina (PAAF) permite o diagnóstico inicial preciso de massa mamária palpável e reduz o risco de um possível diagnóstico incorreto.(7)

A punção por agulha fina na mama consiste em um método acessível tanto para as pacientes quanto para os médicos, usualmente sem contraindicações, com altas taxas de sensibilidade e especificidade, sendo praticável em ambulatório. Em mãos experientes, representa um ganho de tempo e de recursos que viabilizam sua aplicação em programas de rastreio, além de viabilizar os próprios programas.(8,2) Normalmente, o  exame citopatológico do material obtido por PAAF é realizado em massas mamárias palpáveis, principalmente em casos em que há suspeita de malignidade, sendo uma técnica menos invasiva que a biópsia, e um resultado positivo pode ser considerado evidência suficiente para o diagnóstico do câncer de mama.(7,2)

O exame citopatológico da descarga espontânea do mamilo (descarga papilar), ou após compressão do mesmo, também pode fornecer informações importantes para a detecção de modificações dentro da mama, sem a necessidade de técnicas invasivas. A maioria das descargas do mamilo é benigna, especialmente quando bilaterais ou de diversos ductos. Por sua vez, a descarga unilateral de um único ducto pode ser sugestiva de uma lesão maligna.(9)

Um dos principais instrumentos que auxiliam a consolidação das ações de um programa de controle de câncer é a utilização de um sistema informatizado para gerenciamento das informações oriundas das unidades de saúde, o qual deve ser atualizado constantemente. Atualmente, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) é o gestor do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), uma ferramenta de apoio para monitorar ações de detecção precoce do câncer de mama. Os dados gerados pelo sistema permitem avaliar a oferta de exames para a população-alvo, estimar sua cobertura, avaliar a qualidade dos exames e a distribuição dos diagnósticos, dentre outras informações relevantes ao acompanhamento e melhoria das ações de controle da doença, sendo utilizado por unidades de saúde, clínicas e laboratórios que realizam exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas coordenações estaduais, regionais e municipais responsáveis pelo acompanhamento das ações de detecção precoce do câncer.(10)

Este sistema permite a qualquer indivíduo acessar informações estatísticas relacionadas aos exames, a partir do site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS – Ministério da Saúde), o qual disponibiliza informações em saúde para Gestão e Controle Social do SUS, bem como para apoio à pesquisa em saúde.(11)

Assim, o objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento dos resultados dos exames citopatológicos de mama realizados a nível nacional e estadual, a partir de dados obtidos do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), e contextualizar com dados obtidos para o município de Governador Valadares – MG, a fim de determinar as taxas de exames com alterações malignas e benignas em cada esfera.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Foi realizado um estudo observacional, retrospectivo, a partir de dados secundários obtidos do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), disponível na plataforma eletrônica do DATASUS, que pode ser acessado por meio do endereço eletrônico https://datasus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/sistema-de-informacao-do-cancer-
siscan-colo-do-utero-e-mama/. Foi verificada a situação do município de Governador Valadares, Minas Gerais, que possui uma unidade territorial de 2.342,325 km2, população estimada de 281.046 habitantes (estimativa 2020 – IBGE) e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – 2010 (IDHM 2010) de 0,727, comparando os dados encontrados com aqueles obtidos a nível estadual e nacional.

Foram realizadas buscas no banco de dados da plataforma SISCAN-DATASUS com o intuito de obter informações do período de janeiro de 2013 a dezembro de 2020. Foram verificados o quantitativo de exames citopatológicos da mama, considerando a forma de obtenção do material, se PAAF ou descarga papilar, quantos se apresentaram insatisfatórios para avaliação oncótica, os percentuais dos exames relacionados com a presença de nódulo, considerando o tipo do mesmo e em qual mama estava localizado, dos que apresentaram algum tipo de alteração, quais foram estas alterações e qual a faixa etária dos exames positivos para malignidade, além do tempo gasto para a liberação do resultado a partir da data da coleta.

Neste projeto, os objetos de pesquisa foram dados públicos, obtidos através de consulta realizada à plataforma SISCAN-DATASUS, de forma remota. Não houve contato entre pesquisadores e pacientes, não foi solicitada a coleta de nenhum tipo de material biológico de pacientes, e não houve identificação dos mesmos.

Os resultados encontrados em GV foram comparados com aqueles encontrados nas demais esferas, e as análises das taxas de prevalência foram realizadas por meio do programa estatístico BioEstat 5.0 (Belém – PA, Brasil). A significância estatística foi definida por um valor de p ≤ 0,05.

 

RESULTADOS

 

No período avaliado, foram realizados 106.879 exames em todo o Brasil (BR), 11.148 em Minas Gerais (MG) e 527 em Governador Valadares (GV), sendo 99,3%, 99% e 99,6% em mulheres, respectivamente. A maior parte foi realizada por meio de punção aspirativa com agulha fina: 73,2% (BR), 70% (MG) e 84,3% (GV) dos casos, sendo significativamente maior em GV em relação a MG (p = 0,0002) e BR (p = 0,003). O conteúdo cístico foi obtido para 8,64% (BR), 6,8% (MG) e 3,6% (GV) dos exames, sendo significativamente menor em GV em relação a MG (p = 0,007) e BR (p = 0,001), e o material de descarga papilar para 18,2% (BR), 23,3% (MG) e 12,1% (GV), resultado significativamente menor em GV em relação a MG (p < 0,0001) e BR (p = 0,001) (Tabela 1). Entretanto, 13,3% (BR), 16% (MG) e 13,1% (GV) das amostras apresentaram-se insatisfatórias para avaliação oncótica, com destaque para aquelas obtidas por punção aspirativa em todas as esferas (Tabela 2). As faixas etárias em que a descarga papilar foi mais frequente foram de 40 a 44 anos (BR e MG) e 55 a 59 anos (GV).

 

 

Tabela 1

Tipo de material enviado para a realização do exame citopatológico da mama no Brasil (BR), em Minas Gerais (MG) e Governador Valadares (GV), no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2020.

Material enviado BR (n%) MG (n%) GV(n%)
Conteúdo cístico 9.232 (8,6)* 757 (6,8)* 19 (3,6)
Descarga papilar 19.411 (18,2)* 2.592 (23,3)* 64 (12,1)
Punção aspirativa 78.252 (73,2)* 7.799 (70,0)* 444 (84,3)

BR: Brasil; MG: Minas Gerais; GV: Governador Valadares; *p ≤ 0,05 em relação a GV.

 

Tabela 2

Adequabilidade do material enviado para a realização do exame citopatológico da mama no Brasil (BR), em Minas Gerais (MG) e Governador Valadares (GV), no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2020.

Adequabilidade / material enviado BR (n%) MG (n%) GV (n%)
Satisfatório 92.719 (86,7) 9.361 (84,0) 458 (86,9)
Conteúdo cístico 8.886 (96,2) 726 (95,9) 17 (89,5)
Descarga papilar 18.676 (96,2) 2.506 (96,7) 62 (96,9)
Punção aspirativa 65.141 (83,3) 6.129 (78,6) 379 (85,4)
Insatisfatório 14.176 (13,3) 1.787 (16,0) 69 (13,1)
Conteúdo cístico 346 (3,8) 31 (4,1) 2 (10,5)
Descarga papilar 732 (3,8) 86 (3,3) 2 (3,1)
Punção aspirativa 13098 (16,7) 1670 (21,4) 65 (14,6)

BR: Brasil; MG: Minas Gerais; GV: Governador Valadares.

 

 

A presença de pelo menos um nódulo foi relatada na maior parte dos exames (74,7%, 72% e 87,5% para o país, estado e município, respectivamente), com taxas significativamente mais altas em GV em relação a MG (p < 0,0001) e BR (p = 0,0008). Os nódulos foram relatados com maior frequência na mama direita (MD) quando em comparação com a mama esquerda (ME) ou ambas as mamas, sendo relatados em 48,8% (BR), 52,5% (MG) e 50,8% (GV) dos exames apenas na mama direita. O tipo de nódulo mais frequente no Brasil e em Minas Gerais foi o sólido, com 20,2% (p < 0,0001) e 24% (p < 0,002), respectivamente, sendo o nódulo sólido-cístico observado em 20,1% dos casos no país (p < 0,0001) e 22,6% dos casos no estado (p < 0,0001). Ao contrário, em Governador Valadares, o nódulo sólido-cístico foi mais frequente, seguido do tipo sólido, em 31,9% e 31% dos casos, respectivamente, com diferença significativa quando comparado às taxas observadas em MG e BR.

As taxas dos exames que apresentaram algum tipo de alteração correspondem a 86,7%, 84% e 86,9% no país, no estado e no município, respectivamente. Os processos benignos negativos para a malignidade corresponderam a 55,3% (BR), 47,9% (MG) e 62,2% (GV) do total de exames realizados, com taxa significativamente mais alta em GV, sendo a lesão epitelial proliferativa benigna a alteração mais frequente no Brasil, com 11.874 casos (11,1%), enquanto em Minas Gerais e em Governador Valadares a alteração mais frequente correspondeu ao fibroadenoma, com 1.553 (13,9%) e 129 (24,5%) casos, respectivamente. A malignidade foi considerada indeterminada no Brasil, em Minas Gerais e em Governador Valadares em 724 (0,7%), 84 (0,8%) e 8 (1,5%) exames, respectivamente. Os resultados classificados como suspeitos para malignidade corresponderam a 2.938 (2,8%) exames no Brasil, 322 (3%) em Minas Gerais e 7 (1,3%) em Governador Valadares. Já os resultados considerados positivos para malignidade, com taxas significativamente mais altas no município, foram encontrados em 2.389 (2,2%), 358 (3,2%) e 36 (6,8%) exames no Brasil, Minas Gerais e Governador Valadares, respectivamente (Tabela 3), sendo associados com maior frequência com nódulo sólido-cístico no país e nódulo sólido no estado e no município.

Os exames positivos para malignidade foram mais frequentes nos pacientes com faixa etária de 45 a 49 anos (BR), 45 a 54 anos (MG) e 70 a 74 anos (GV), sendo o carcinoma ductal o tipo mais frequente em todas as faixas etárias. A maior parte destes resultados foi liberada em até 30 dias, em ambas as esferas, no entanto, 12,7%, 6,4% e 0,2% deles tiveram um tempo de realização superior a 60 dias no Brasil, Minas Gerais e Governador Valadares, respectivamente.

 

Tabela 3

Resultados dos exames citopatológicos de mama realizados no Brasil (BR), em Minas Gerais (MG) e Governador Valadares (GV), no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2020.

Resultado BR (n%) MG (n%) GV (n%)
Positivo para malignidade 2.389 (2,2)* 358 (3,2)* 36 (6,8)
Suspeito para malignidade 2.938 (2,8) 322 (2,9)* 7 (1,3)
Malignidade indeterminada 724 (0,7) 84 (0,8) 8 (1,5)
Mastite 539 (0,5) 61 (0,6) 1 (0,2)
Abscesso subareolar 73 (0,1) 6 (0,1) 1 (0,2)
Fibroadenoma 10.583 (10,0) 1.553 (13,9) 129 (24,5)
Necrose gordurosa 647 (0,6) 87 (0,8) 28 (5,3)
Condição fibrocística mamária 8.650 (8,1) 963 (8,6)
Lesão epitelial proliferativa benigna 11.874 (11,1)* 368 (3,3)* 5 (0,9)
Outros processos benignos 26.721 (25,0)* 2.306 (20,7)* 164 (31,1)

BR: Brasil; MG: Minas Gerais; GV: Governador Valadares; *p ≤ 0,05 em relação a GV.

 

 

 

DISCUSSÃO

 

O exame citopatológico é uma importante ferramenta para o diagnóstico do câncer de mama devido à sua alta sensibilidade, rapidez e baixo custo. Contudo, para assegurar suas vantagens e eficácia, é fundamental que o material enviado para análise tenha boa adequabilidade.(12,13) Conforme relatado em nosso estudo, 13,3% (BR), 16% (MG) e 13,1% (GV) das amostras apresentaram-se insatisfatórias para avaliação oncótica, principalmente aquelas obtidas por PAAF, método mais utilizado em todas as esferas. Os principais motivos para inadequabilidade da amostra são os erros no momento da coleta, como a má fixação ou ainda características inerentes da própria lesão (lesões menores ou não palpáveis; de difícil estabilização; com proliferação epitelial mínima ou fibróticas).(14) Sabe-se que a habilidade do profissional que faz a coleta influencia diretamente na eficácia da análise citológica, uma vez que uma boa coleta resulta em laudos mais precisos.(15) A fixação inadequada leva ao dessecamento do material, provocando, assim, a distensão das estruturas celulares e perda do detalhamento.(15) Além disso, em nota técnica publicada em 2011 pelo INCA, foi relatado, após estudo de caso realizado em um laboratório com altas taxas de exames insatisfatórios, em sua maioria exames provenientes de PAAF com material escasso ou acelular, que boa parte dessa classificação poderia ter sido considerada satisfatória e que a descrição dos motivos de inadequabilidade não se justificava, pois o material acelular e de baixa celularidade é um resultado que pode ser esperado tanto de material proveniente de descarga papilar quanto daquele proveniente de conteúdo cístico. Desse modo, mostra-se imprescindível o acompanhamento do índice de insatisfatoriedade da citologia para que se avalie internamente os motivos desta categorização, bem como a necessidade de reciclagem dos profissionais capacitados.(16)

Outro ponto importante sobre a qualidade das amostras está relacionado ao impacto de uma amostra insatisfatória na sobrevida da paciente. De acordo com Caplan (2014), estágios avançados do câncer de mama têm sido associados a atrasos da paciente e do sistema. O primeiro refere-se à demora na procura de atendimento médico após percepção dos primeiros sintomas, enquanto o segundo é definido pela dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde, baixa capacitação dos profissionais envolvidos ou dificuldade na gestão de casos suspeitos e no atendimento da demanda.(17) Nesse sentido, uma amostra inadequada prolonga o tempo de diagnóstico e atrasa o início do tratamento, favorecendo a evolução da doença.(18)

O aparecimento de pelo menos um nódulo é o sintoma mais comum do câncer de mama. Geralmente, apresenta-se duro, indolor e irregular. Contudo, também podem ser observados tumores de consistência branda, globosos e bem definidos.(19) Outros sinais e sintomas suspeitos são a descarga papilar unilateral, lesão eczematosa da pele sem resposta a tratamentos tópicos, presença de linfadenopatia axilar, aumento progressivo no tamanho da mama, aspecto de casca de laranja, retração na pele e mudança no formato do mamilo.(20) No trabalho de Weber et al.,(21) uma análise dos resultados de exames citopatológicos de mama de pacientes atendidas entre 2006 a 2009, no município de Santo Ângelo – RS, teve o nódulo como a principal queixa mamária (56,7%). Em nosso trabalho, a presença de nódulo foi detectada na maior parte dos exames, sendo a mama direita o local com maior prevalência. Dessa forma, é importante evidenciar o valor da educação das mulheres e dos profissionais de saúde para o reconhecimento dos sinais de alerta de câncer mamário a fim de se obter um diagnóstico precoce e, consequentemente, a possibilidade de um melhor prognóstico.(22,20)

Quanto às alterações observadas no período avaliado, assim como Minas Gerais, Governador Valadares apresentou o fibroadenoma como o processo benigno mais comum. No trabalho de Dixit et al.,(23) realizado no norte da Índia, foram avaliados os resultados de 512 exames de citologia mamária de material obtido por PAAF e o fibroadenoma também foi o resultado mais comum (33,3%). Este tumor normalmente ocorre em mulheres em idade reprodutiva, mas pode ser encontrado em qualquer idade. Estima-se que 10% da população feminina mundial possa apresentar essa lesão uma vez na vida. Sua etiologia é discutível, mas acredita-se que os esteroides sexuais sejam os agentes promotores, e que haja aumento da sensibilidade do tecido mamário ao estrogênio.(24) Cabe ressaltar que, por possuir incidência maior em mulheres jovens, idade em que a mamografia não está indicada, pois o fibroadenoma possui a mesma textura radiológica do tecido mamário normal, a PAAF apresenta-se como um importante método diagnóstico.(25)

Por outro lado, a lesão epitelial proliferativa benigna foi o processo benigno negativo para malignidade mais prevalente no Brasil. Este tipo de lesão faz parte de um grupo heterogêneo de doenças que inclui a lesão epitelial proliferativa sem atipia e a lesão epitelial proliferativa com atipia. Enquanto a primeira caracteriza-se pela proliferação do epitélio ductal e/ou estroma, sem aspectos citológicos sugestivos de carcinoma in situ, a segunda apresenta-se histologicamente similar ao carcinoma ductal in situ, sendo diferenciada pela não capacidade de preencher completamente com suas células o local em que se situa.(13)

Os resultados positivos para malignidade correspondem a 2,2%, 3,2% e 6,8% dos exames no Brasil, Minas Gerais e Governador Valadares, respectivamente, sendo mais frequentes nos pacientes com faixa etária de 45 a 49 anos (BR), 45 a 54 anos (MG) e 70 a 74 anos (GV). Sabe-se que a mamografia, método amplamente utilizado no rastreamento de câncer mamário, tem recomendação contrária forte para esta finalidade em idade abaixo de 50 anos e recomendação contrária para mulheres com 70 anos ou mais.(10,20)

De acordo com as determinações vigentes, essa técnica deve ser realizada bienalmente, em mulheres entre 50 e 69 anos.(20) Muitas são as justificativas para esta orientação, incluindo o baixo impacto na mortalidade das mulheres por câncer de mama em idade diferente da preconizada, os problemas de sobrediagnóstico e do sobretratamento, além da exposição à radiação associada a este exame ser fator de risco para a doença em estudo.(22) Além disso, as mamografias realizadas em mulheres jovens apresentam menor sensibilidade e especificidade e maior proporção de resultados falsos negativos e falsos positivos em razão da maior densidade mamária.(20) Dessa forma, considerando os resultados aqui encontrados, constata-se que as maiores taxas de citologia positiva para malignidade estão fora da faixa etária preconizada para um dos principais exames de rastreamento. Este fato reforça a importância e a necessidade da utilização de outras técnicas diagnósticas e de rastreamento visando contribuir para a detecção precoce.

Quanto aos tipos de câncer de mama relatados, o carcinoma ductal foi o tipo mais frequente em todas as faixas etárias. Medeiros et al.,(26) a partir de dados oriundos do Sistema de Registros Hospitalares de Câncer (SisRHC) do Brasil, constataram que, entre os anos 2000 e 2017, o tipo mais comum na população amostrada foi o carcinoma ductal invasivo, com 87,4% dos casos. Santos et al.,(27) em estudo envolvendo pacientes do sexo feminino com diferentes idades e com diagnóstico de carcinoma de mama (in situ ou invasivo), atendidas em um hospital de referência em diagnóstico e acompanhamento do câncer em Cascavel – PR , encontraram como mais prevalente o carcinoma ductal infiltrante (77,7%), com um grau de comprometimento tumoral intermediário. Cavalcante et al.,(28) em estudo epidemiológico com mulheres atendidas no hospital Napoleão Laureano, no município de João Pessoa-PB, e Constâncio et al.,(29) em estudo dos casos de câncer com localização primária na mama em mulheres em um Centro de Assistência em Alta Complexidade em Oncologia do Distrito Federal, também obtiveram resultados semelhantes, com presença do carcinoma ductal em 78,6% e 88% dos casos, respectivamente.

Os dados obtidos através do SISCAN revelaram que a maior parte dos resultados foi liberada em até 30 dias, em ambas as esferas. Entretanto, 12,7%, 6,4% e 0,2% deles tiveram um tempo de realização superior a 60 dias no Brasil, Minas Gerais e Governador Valadares, respectivamente. A Lei nº 12.732/2012(30) estabelece um prazo máximo de 60 dias para o início do tratamento de pacientes com neoplasia maligna, contados a partir da confirmação do diagnóstico por laudo histopatológico. Após atualização da mesma em 2019, também foi estabelecido um prazo de até 30 dias para a realização dos exames necessários para elucidação do diagnóstico, nos casos em que a principal hipótese seja de malignidade. Desta forma, é recomendável e esperado que os resultados dos exames sejam liberados no menor tempo possível para que não haja evolução para complicações, permitindo o tratamento ainda no início e um melhor prognóstico, com menores taxas de morbidade e mortalidade.

 

CONCLUSÃO

 

O câncer de mama é uma doença heterogênea, complexa e que apresenta grande impacto na vida dos pacientes. Na presença de sinais e sintomas suspeitos, realiza-se uma investigação por meio do exame clínico, exame de imagem e, posteriormente, o diagnóstico é confirmado através da biópsia. Contudo, inicialmente, nem sempre as biópsias são a melhor opção, uma vez que são mais invasivas, implicam o uso de anestesia e, eventualmente, até internações hospitalares, além de expor o paciente a complicações e desconforto desnecessários, principalmente considerando que grande parte dos resultados apresenta apenas alterações benignas, conforme relatado neste estudo. Assim, o exame citopatológico representa uma importante ferramenta para o diagnóstico inicial do câncer de mama por ser um método seguro, com boa acurácia, de baixo custo e com boa aceitação pelos médicos e pacientes.

O município de Governador Valadares apresentou diferenças significativas em relação às outras esferas, inclusive com taxas significativamente mais altas de resultados considerados positivos para malignidade. Os resultados obtidos neste estudo permitem investigar como a doença tem se apresentado e podem auxiliar os órgãos competentes no estabelecimento de prioridades e estratégias para melhorar a detecção precoce, e tornar o tratamento mais rápido, resultando em um melhor prognóstico, com redução da morbidade e mortalidade por câncer de mama.

 

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Correspondência

Michel Rodrigues Moreira

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