Princípios analíticos da gasometria arterial

Characterization of acid-base regulation disorders: a didactic and intuitive approach

 

Maria Amanda dos Santos Freitas                  

Janaina Lopes de Melo                              

Fernando César Rodrigues Pinto                  

Jamille Silveira Martins                            

Carla Andrade Silva                                         

Pedro Aurio Maia Filho                                  

Andréa Bessa Teixeira

 

Universidade Metropolitana da Grande Fortaleza (Unifametro). Fortaleza-CE, Brasil.

 

Instituição: Universidade Metropolitana da Grande Fortaleza (Unifametro). Fortaleza-CE, Brasil.

 

Recebido em 29/08/2019

Aprovado em 19/11/2020

DOI: 10.21877/2448-3877.202100898


 

INTRODUção

 

O reconhecimento dos processos homeostáticos que regulam o equilíbrio ácido-base é um passo fundamental para a realização de diagnóstico, pois os distúrbios ácido-base estão associados ao maior risco de disfunção de órgãos e sistemas, utilizando para isso dados obtidos da gasometria arterial. A gasometria arterial (GA) é um exame que permite a avaliação da condição respiratória e metabólica, sendo uma das formas mais comuns de investigação clínica em casos emergenciais e de cuidados críticos. É utilizada para medir as concentrações de oxigênio e também avaliar o distúrbio do equilíbrio ácido-base, da oxige­nação do sangue arterial e da ventilação alveolar.(1) A gaso­metria arterial mensura os valores de potencial de hidrogênio (pH), determinando assim o grau de acidez, neutralidade ou alcalinidade do sangue; a pressão parcial de gás carbônico (PaCO2) indica a eficácia da ventilação alveolar; o oxigênio (PaO2) indica a eficácia das trocas de oxigênio entre os alvéolos e capilares pulmonares; o íon bicarbonato (HCO3), participa do processo do sistema tampão; saturação da oxi-hemoglobina (SpO2); excesso de bases (BE) indica o grau de retenção ou excreção de bases pelo organismo.(2)

Nesse exame também são avaliados a evolução de doenças respiratórias e de outros quadros clínicos que acometem os pulmões. A gasometria pode ser utilizada para avaliar a efetividade da hematose, determinar a necessidade de tratamento para desequilíbrios ácido-base provocados por comprometimento renal, endócrino, cardíaco, infecções graves, overdoses, dentre outros. Através da interpretação do funcionamento dos sistemas tampões do organismo, a gasometria arterial oferece informações sobre doenças metabólicas.(1)

A gasometria arterial tem grande importância, sendo muito utilizada pela equipe médica e de enfermagem em pacientes atendidos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), pois são beneficiados pela medição dos gases arteriais, principalmente na ausência de monitorização como a capnografia e a oximetria.

MATERIAL E MÉTODOS

 

Realizou-se uma busca na literatura referente à gaso­metria arterial. Foram pesquisados bancos de dados do Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Google Acadêmico, por meio de descritores como: Princípios da Técnica, Fases analítica, Principais aplicações em doenças e Inovações da técnica. Foi incluso no artigo citações do livro: Tratado de Fisiologia Médica – Guyton AC et al., e a RDC Nº 302, de 13 de outubro de 2005. Os dados foram coletados baseados em artigos científicos e livro publicado no período de 2009 a 2019. Ao finalizar as pesquisas em cada base, as referências duplicadas foram excluídas.

 

PRÍNCIPIOS DA TÉCNICA

 

A punção arterial é um procedimento que exige competência técnica e científica para sua execução, devendo ser analisada quanto ao risco e benefício para o paciente. A coleta de amostras de sangue arterial deve ser feita exclusivamente por profissionais de saúde que demonstrem competência após receber treinamento formal, de acordo com a prática legal para seu cargo em seu país.(3) Segundo Barbosa e Cardoso,(4) ao escolher o local da punção arterial, deve-se refletir sobre a facilidade de acesso ao vaso e o tipo de tecido periarterial, visto que os músculos, tendões e gorduras são menos sensíveis à dor que o periósteo e fibras nervosas. Com isso, deve-se considerar a gasometria, pela própria punção, como uma prática dolorosa. Ao realizar a coleta da gasometria arterial (GA), um cuidado adicional é a execução do teste de Allen modificado, que se constitui em uma técnica simples e exata para se verificar a circulação colateral ao nível da artéria radial. É realizado antes da inserção da agulha na artéria para avaliar a circulação do sangue antes da punção da artéria radial, verificando se a artéria ulnar é capaz de conceder uma boa perfusão.(5)

A análise das medidas gasométricas norteia os profissionais de saúde como intervir no tratamento de um paciente que está em uso de oxigenoterapia para tentar obter sucesso na oxigenação, através de alterações nos parâ­metros do suporte ventilatório, ao qual está submetido.(3)

 

FASES PRÉ ANALITICA, ANALÍTICA E PÓS- ANALÍTICA

 

Os laboratórios de análises clínicas são compreendidos por um processo dinâmico que inicia desde a coleta da amostra e termina com a liberação de um laudo. Os programas de garantia de qualidade (PSQ) necessitam englobar desde o preparo do paciente até a emissão dos resultados dos exames. Didaticamente, o processo é classificado em três fases: pré-analítica, analítica e pós-analítica.(6) A fase pré-analítica se inicia com a chegada do paciente à unidade de saúde, anamnese, preparação do mesmo, coleta, manipulação e armazenamento do espécime, isto é, a fase engloba todas as atividades que antecedem o ensaio laboratorial.(6,7) Na gasometria arterial, a fase pré-analítica é de grande relevância e requer um amplo cuidado, a amostra pode ser alcançada por uma punção percu­tânea de uma artéria palpável, como a radial, braquial ou femoral. Deve ser feito o processo de esterilização na região da punção, seguido do puncionamento com uma seringa com agulha apropriada, com a finalidade de se obterem 2 mL a 3 mL de sangue. Após o procedimento, o local deve ser pressionado por dez minutos.(8)

Na fase analítica, o material vai ser analisado e processado. Esta etapa finaliza quando a determinação analítica estabelece um resultado.(6,7) Finalmente, a fase pós-analítica se inicia após aquisição dos resultados analíticos, englobando a descrição dos ensaios e a caracterização do diagnóstico, sendo concluída após entrega do laudo conforme RDC N° 302, de 13 de outubro de 2005.(7,9) O exame laboratorial gasometria arterial só será relevante se seus resultados forem precisos e exatos. Erros podem surgir em todas as etapas, mas, neste exame, 70% do total de erros acontecem na fase pré-analítica, segundo o guia BPLC.(6) Entre os principais fatores que podem interferir nessa fase estão o tipo de seringa utilizada, o anticoa­gulante empregado, a temperatura de estocagem e as condições respiratórias do paciente.(10,11) Visando minimizar estes erros, o Programa Nacional de Segurança do Paciente possui como estratégia a realização de protocolos manuais e guias de segurança do paciente, como os Procedimentos Operacionais Padrão (POPs). O Procedimento Opera­cional Padrão tem como objetivo descrever cada etapa para garantir que cada fase seja realizada corretamente e garantir um resultado competente.(12,13)

 

PRINCIPAIS APLICAÇÕES EM DOENÇAS

 

A gasometria arterial é um exame utilizado para fins diagnósticos e auxiliar a eficácia terapêutica. É realizado rotineiramente em pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), pois fornece dados sobre a função respiratória, metabólicas ou renais que possam vir a causar um desequilíbrio ácido-base.(2,14) Um quadro se agrava para acidose metabólica em casos nos quais o paciente diabético descompensado acumula ácidos graxos ou em paciente com problemas renais há perda excessiva de bicarbonato de sódio ou um consumo excessivo dessa base.(15,16)

Os alvéolos pulmonares são responsáveis pela eliminação do carbono caso haja alteração na ventilação pulmonar. Essa situação levará a uma insuficiência na eliminação de CO2 e, consequentemente, a uma elevação do ácido carbônico e formação de íons H+, os quais irão diminuir o ph. Umas das causas da acidose respiratória é a obstrução das vias respiratórias, que pode ser ocasionada por objeto estranho, bronquite e enfisema; depressão do centro respiratório causada por medicamentos como: barbitúricos, analgésicos e anestésicos, e na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O exame da gasometria arterial indica a elevação de oxigênio, pois repercute nos níveis elevados de dióxido de carbono. Em caso de níveis menores que 25 mmHg de PaCO2 ocasionará uma vaso­constrição com predomínio nos vasos cerebrais. Convulsões, confusão e ansiedade são sintomas de hipocapnia, originando quadros psiquiátricos ou neurológicos.(2,17,18)

Dois motivos podem originar a alca­lose metabólica: perda de hidrogênios decorrente de vômitos e pacientes que fazem uso de diuréticos tiazídicos, no acúmulo de bicarbonato de sódio ocasionado por ingestão crônica de antiácidos, infusão excessiva de bicarbonato de sódio ou na insuficiência renal, que impossibilita a eliminação dessa base.(2) Quando o paciente apresenta hipoxemia, pneumonia, tromboembolismo pulmonar, infecções por salicilatos, infecções sistêmicas, dor severa, encefalopatia hepática e síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) originará a hiperventilação compensadora, que é feita pelos pulmões, levando à alcalose respiratória, que é a diminuição dos níveis de co2, redução dos níveis de ácido carbô­nico e, consequentemente, diminuição dos níveis de íons H+.(18)

 

INOVAÇÕES DA TÉCNICA

 

A coleta de sangue arterial para gasometria ocorre por um procedimento invasivo de punção arterial. Tal procedimento é executado pelo profissional enfermeiro e exige qualificações técnicas e científicas. A localização da artéria radial ocorre por meio de palpação.(19,20) No entanto, novas tecnologias têm sido aplicadas durante a técnica da coleta de sangue arterial. Um estudo realizado em uma unidade de terapia intensiva pediátrica da cidade de São Paulo, onde 92 crianças participaram, demonstrou o uso da ultrassonografia vascular para o direcio­namento da inserção de cateteres periféricos, sendo a inovação utilizada por enfermeiros na execução do procedimento de punção arterial. De acordo com o estudo, as 92 crianças participantes foram submetidas à punção arterial guiada por ultrassonografia realizadas pelo profissional enfermeiro.(21)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A gasometria arterial (GA) tornou-se um exame de rotina ao longo dos anos nas unidades de emergência e de terapia intensiva. Assim, diante da complexidade do procedimento vê-se a importância de o profissional adquirir o conhecimento adequado para a avaliação do paciente e assim definir o local para a realização da punção arterial, e então definir a técnica a ser utilizada. As informações acerca do exame constituem uma importante ferramenta para que se possam compreender a complexidade da técnica bem como os distúrbios ácido-base envolvidos na clínica do paciente.

Ao realizar a revisão de artigos científicos observou-se que não há estudos na literatura sobre a origem da técnica e sua evolução ao decorrer dos anos. A última inovação relatada foi no ano de 2009, e desde então não houve estudo relacionado ao procedimento de punção arterial. Portanto, é importante que haja sempre uma atualização relacionada ao exame, visto que é utilizado em pacientes críticos, sendo necessária uma atualização constante dos profissionais que realizam rotineiramente a técnica de punção arterial.

 

 

Abstract

Arterial blood gas (GA) is an exam that allows the assessment of respiratory and metabolic condition, being one of the most common forms of clinical investigation in emergency cases and critical care. It is used to measure oxygen concentrations, as well as for evaluation of acid-base balance disorder, arterial blood oxygenation and alveolar ventilation. This study aims to point out and evaluate the principles of arterial blood gas technique, analytical phases, main diseases in which the examination is used and innovations of the technique over the years, based on data from scientific articles and Scielo database (Scientific Electronic Library Online) and Lilacs (Latin American and Caribbean Health Sciences Literature). The collection of arterial blood for blood gas analysis occurs through an invasive procedure in which an arterial puncture is performed. Such procedure is performed by the professional nurse and requires technical and scientific qualifications. The study showed that the information about the exam is an important tool to understand the complexity of the technique, as well as the acid-base disorders involved in the patient’s clinic.

 

Keywords

Blood gas analysis; acid-base equilibrium; arterial pressure

 

 

 

REFERÊNCIAS

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  2. Mota IL, Queiroz RS. Distúrbios do equilíbrio ácido básico e gasometria arterial: uma revisão crítica. Rev Digital – Buenos Aires 2010;14 (141).
  3. WHO – World Health Organization. Aliança mundial para a segurança do paciente; 2009. Disponivel em: http://www.who. int/patientsafety/en. Acesso em: 30 abr.2019.
  4. Barbosa AL, Cardoso MVLML. Alterations in the physiological parameters of newborns using oxygen therapy in the collection of blood gases. Acta paul. enferm. [Internet]. 2014  Ago;27(4):367-372. Disponible en: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-21002014000400013&lng=es.  https://doi.org/10.1590/1982-0194201400061.
  5. Pinto JMA, Saracini KC, Lima LCA, Souza LP, Lima MG, Algeri EDBO. Gasometria arterial: aplicações e implicações para a enfermagem. Revista Amazônia Science & Health, Amazônia v. 5, n. 2, p. 33-39, 2017. DOI: 10.18606/2318-1419/amazonia. sci.health. v5n2p33-39.
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Correspondência

Maria Amanda dos Santos Freitas

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60010-260 – Fortaleza-CE, Brasil