Relação entre tipo sanguíneo ABO e prognóstico de pacientes com Covid-19: uma revisão integrativa

Relationship between ABO blood type and prognosis of patients with Covid-19: an integrative review

 

Thais de Melo do Nascimento Brunharo1, Jaqueline Caldana1, Luís Otávio Alves Mendonça1, Diovanna de Paula Mesquita1, Paulo Otávio Lopes1, Amanda Silva Schiassi1, Diego Pereira Scotini1, Mariana de Sousa Oliveira1, Beatriz Gimenez Alves1, Poliana da Silva Romão2, Caroline Brandão Chiovatto3, Sabrina Thalita dos Reis Faria4

 

1  Universidade do Estado de Minas Gerais. Passos, MG, Brasil.

2  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.

3  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil; Centro Universitário São Camilo. São Paulo, SP, Brasil.

4  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil; Hospital Moriah. São Paulo, SP, Brasil.

 

Recebido em 01/02/2022

Aprovado em 06/12/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202200015

 

INTRODUÇÃO

 

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (2020), até a descoberta do SARS-CoV-2, causador da doença Covid-19, sete coronavírus eram conhecidos, entretanto não causavam doenças mais graves em humanos, sendo os responsáveis pela segunda maior causa de resfriados comuns. Todavia, em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia que vinham afetando uma expressiva população em Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Em 7 de janeiro de 2020, a China confirmou se tratar de uma nova cepa de coronavírus. Desde então, a OMS, junto a autoridades chinesas e especialistas de vários países, tenta entender mais sobre essa nova cepa.

Dessa forma, diversos estudos foram surgindo, seja para investigar as medidas de contenção do novo vírus, para avaliar e entender o porquê de diferentes prognósticos, ou para descobrir terapêuticas que fossem eficazes no tratamento. A redução da mobilidade das pessoas foi evidenciada em várias pesquisas, como destacado por Nouvellet et al.,(1) o qual mostra redução da transmissão em 73% dos 52 países analisados após a adoção das medidas restritivas de circulação. O uso de máscara e a limpeza das mãos foram recomendados como barreiras físicas e na diminuição da carga viral visando, portanto, uma redução na transmissibilidade.

Além disso, estudos relacionados a diferentes prognósticos foram realizados para tentar prever quais pacientes poderiam ter um agravamento maior do caso. Assim, uma lista de comorbidades foi considerada para um risco maior de um quadro grave, como exemplo, temos o estudo de Yang et al.,(2) o qual analisou pacientes internados no hospital da Universidade de Wuhan, e chegou a conclusão que pacientes com comorbidades cardíacas, renais ou hepáticas poderiam ter um prognóstico ruim e correndo um maior risco de morte. Além das comorbidades encontradas, outros fatores também foram observados e estudados, como a relação entre a tipagem sanguínea e a infecção ou prognóstico.

Estudo realizado na França por Guillon et al.(3) evidenciou que a infecção pelo SARS-CoV, vírus responsável por um surto de síndrome respiratória aguda grave (SARS) ocorrido no final de 2002 na China, está diretamente relacionada ao grupo sanguíneo ABO do paciente. Nessa pesquisa, uma análise de bancada foi feita para averiguar se a adesão entre a proteína “S” do vírus em questão e o receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2) que, por sua vez, é de fundamental importância para que o patógeno consiga realizar a infecção das células do hospedeiro, poderia ser inibida por anticorpos anti-A ou anti-B. Os resultados mostraram que os anticorpos anti-A conseguiram bloquear a interação em questão e, portanto, poderiam conferir proteção àqueles que os possuíam.

Posto isso, como o SARS-CoV e o SARS-CoV-2 pertencem ao gênero Betacoronavírus e, portanto, apresentam características semelhantes, a presente revisão integrativa objetivou verificar a existência de associação entre o sistema ABO de grupos sanguíneos e o prognóstico da Covid-19, visando possibilitar uma melhor previsibilidade da doença em seus portadores, bem como auxiliar na definição dos critérios de uma possível revacinação contra o vírus responsável pela pandemia vigente.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Tipo do estudo

Trata-se de uma revisão integrativa (RI), metodologia que integra achados de pesquisas, com a finalidade de reunir e resumir o conhecimento científico já produzido sobre o tema investigado com diferentes desenhos, permitindo a compreensão de problemas relevantes e a análise da necessidade de estudo sistemático.

Cenário: segundo Mendes, Silveira e Galvão,(4) para se elaborar uma revisão integrativa necessita-se que etapas sejam seguidas: 1º Passo – Definição da pergunta da revisão. 2º Passo – Busca e seleção dos estudos primários. 3º Passo – Extração de dados dos estudos primários. 4º Passo – Avaliação crítica dos estudos. 5º Passo – Síntese dos resultados da revisão. 6º Passo – Apresentação da revisão.

 

Questão norteadora

Ao realizar-se a identificação da temática para a revisão integrativa, delimitou-se o seguinte tema: tipagem sanguínea de pacientes com Covid-19.

A prática baseada em evidências (PBE) propõe a decomposição dos problemas clínicos que surgem na prática, no ensino e na pesquisa e, em seguida, que sejam organizados dentro de uma pergunta focalizada (Akobeng, apud Santos, Pimenta e Nobre, 2007, p. 2).(5)

Nesse sentido, o acrônimo PICO (Quadro 1) significa (P) considerar a população, paciente ou problema alvo; (I) considerar o interesse da intervenção, interesse ou indicação; (C) comparação com procedimento padrão, placebo, intervenção de comparação ou não intervenção; (O) (“outcomes”) desfecho ou resultado esperado, considerando os efeitos a serem alcançados com a intervenção.

Dentro desse contexto, a pesquisa tem como questão norteadora a seguinte indagação: Em pacientes com Covid-19, o tipo sanguíneo ABO influencia no prognóstico?

Quadro 1

Estratégia PICO para formular a questão norteadora.

P  Paciente com Covid-19
I  (Não se aplica)
C Tipo sanguíneo A ou B ou AB ou O
O  Redução da admissão na UTI; Redução de intubação; Redução da mortalidade

 

Critérios de busca

Foram estabelecidos os descritores (DeCS): Coronavirus Infections, ABO Blood-Group System, Blood Group Antigens e Prognosis. A busca foi feita por mais de um revisor de modo independente, de acordo com a metodologia “peer review”. As estratégias de busca estabelecidas (Quadro 2) foram baseadas em suas combinações nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola com o uso dos operadores booleanos AND e OR, buscando em título, resumo ou assunto. As fontes de informação estabelecidas foram: BVS, PubMed e Cochrane. O recorte temporal foi no ano de 2020, especificamente, até dia 14 de junho de 2021.

 

Critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão para seleção dos artigos foram: artigos originais qualitativos ou quantitativos que analisaram e propuseram informações sobre os tipos sanguíneos A, B, AB ou O em pacientes com Covid-19, que poderiam ser relacionados à redução da admissão na UTI, de intubações, da mortalidade, de complicações e sequelas; publicados em português, inglês e espanhol; na íntegra; que retrataram a temática definida como tema central a partir de pesquisas pelo título e resumo dos artigos; com artigos publicados até 14 de junho de 2021.

Foram excluídas as publicações que não correspondiam à temática da pesquisa; as que não apresentavam texto completo; as publicações repetidas; as que abordavam a temática de maneira tangencial em relação ao objetivo deste estudo; as publicações que abordavam relato de caso ou série de casos; as publicações não finalizadas (“preprint”); as revisões de literatura.

 

Resultados das buscas

A amostra final constituiu-se de 212 artigos. As bases de dados, as estratégias de busca correspondentes, as referências identificadas e os artigos selecionados estão registrados no Quadro 2.

Durante a busca de dados, realizou-se a seleção dos estudos primários, de acordo com a questão norteadora e os critérios de inclusão previamente definidos, sem necessidade de refinamento do ano de publicação, já que todos os artigos são de 2020 e 2021. Foram retiradas 96 duplicatas. A partir disso, realizou-se a leitura e análise por título e resumo, que resultou na exclusão de 73 artigos, finalizando com a leitura de texto completo dos 43 artigos selecionados e obtendo-se a exclusão de 37 artigos por abordarem o tema de forma secundária e tangencial. Essa leitura permite identificar e isolar enunciados que tangenciam o objetivo dos conteúdos proveitosos. Após isso, fez-se um tabelamento dos conteúdos. O processo de seleção dos artigos é apresentado na Figura 1. Assim, os seis artigos finais atenderam aos critérios de inclusão propostos na metodologia deste estudo, com informações imprescindíveis para elucidar a questão norteadora deste estudo. Esta análise foi realizada de forma minuciosa, buscando respostas para os resultados diferentes ou conflitantes nos estudos.

Ademais, o nível de evidência proposto a esse artigo de acordo com a classificação internacional Centre for Evidence-Based Medicine de Oxford (OCEBM) é 2A, visto que é uma revisão sistemática com estudos de coorte.

 

Quadro 2

Tabela de base de dados, estratégia de busca, referências identificadas, texto disponível e artigos selecionados.

Fonte de dados Estratégia de busca Referências identificadas Artigos selecionados
 

BVS

ti:((Covid-19 OR SARS-CoV-2 OR Coronavirus OR “Coronavirus Infections” OR 2019-nCoV) AND (“Blood Grouping and Crossmatching” OR “ABO Blood-Group System” OR “Blood Grouping” OR “Blood Group” OR “Blood Group Antigens” OR  “Blood Typing” OR “Blood Type” OR “ABO Blood Types” OR “ABO System” OR “ABO Blood”)) 105 1
 

PubMed

(((“covid-19″[Title/Abstract]) OR (“coronavirus”[Title/Abstract])) OR (“sars-cov-2″[Title/Abstract])) AND ((((((“blood type”[Title/Abstract]) OR (“abo system”[Title/Abstract])) OR (“blood group”[Title/Abstract])) OR (“blood typing”[Title/Abstract])) OR (“abo blood”[Title/Abstract])) OR (“blood grouping”[Title/Abstract])) 185 5

Figura 1

Fluxograma de identificação, seleção, elegibilidade e inclusão de artigos.

 

RESULTADOS

 

Dentro das análises feitas nos resultados obtidos, no estudo observacional de Al-Youha et al.,(6) foram selecionadas 3.305 pessoas diagnosticadas com Covid-19 no Kuwait. Para seleção do grupo controle, utilizou-se uma base de dados nacional, com seleção de 3.730.027 indivíduos anônimos. Dentre o grupo de pacientes com Covid-19, houve um grande número de assintomáticos (34,2%) – o que os autores trazem como uma limitação do estudo –, sendo a maior proporção de indivíduos do grupo O (36,7%). Nos indivíduos sintomáticos, a maior diferença encontrada foi acerca da manifestação de pneumonia, com maior incidência (23,3%) no grupo A. No entanto, não foi possível associar o tipo sanguíneo com um quadro de agravamento da doença e de pior diagnóstico, sendo a necessidade de requisição de ventilação mecânica e oxigênio sem diferença estatística entre os grupos (p=0,160). Dentre os pacientes diagnosticados com Covid-19, foram encontradas maiores frequências de indivíduos do grupo B e grupo AB, em relação à frequência desses grupos na população geral. O estudo apresentou como limitação a ausência de dado estatístico completo.

Já no estudo observacional de Almadhi et al.,(7) foram selecionadas 4.985 pessoas no grupo controle, a partir de dados de um banco de sangue da King Hamad University. Para o grupo Covid-19, foram selecionadas 2.334 pessoas, a partir de diagnóstico positivo por exame swab nasofaringe (PCR), sendo que as frequências de grupo sanguíneo entre os grupos foram semelhantes. Evidenciou-se, por teste de qui-quadrado, que o grupo AB estava associado a um menor risco de infecção (p=0,001). Além disso, na análise acerca da predisposição sanguínea a um pior prognóstico, não foram encontradas diferenças estatísticas entre os diferentes grupos sanguíneos e a gravidade da doença (X²=1,85; p=0,603).

No estudo retrospectivo de Dal et al.,(8) 39.850 pessoas diagnosticadas  laboratorialmente com Covid-19 participaram do estudo na Turquia, sem realização de grupo controle, com randomização pela idade, gênero e tipo sanguíneo. Notou-se que o grupo sanguíneo A está relacionado a um aumento da taxa de admissão à Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (OR=1,216; 95% IC: 1,023-1,44). Além disso, constatou-se ausência de diferença significativa entre grupo O e grupo não O, em relação ao tempo de internação, admissão na UTI, suporte de ventilação mecânica (VM) e taxa de letalidade (CFR). Como limitação deste estudo, notou-se a ausência de grupo controle para comparação dos resultados.

Em outra análise, Leaf et al.(9) abordam a mortalidade em 2.033 pacientes críticos com Covid-19, laboratorialmente diagnosticados, admitidos na UTI no seu estudo coorte multicêntrico. No artigo referido, foram utilizados dados da população de doadores de sangue dos Estados Unidos, totalizando 3,1 milhões de pessoas, como controle. Houve diferença significativa (p=0,02) entre a frequência observada e esperada na mortalidade entre pacientes brancos, com o tipo A apresentando maior fator de risco e o grupo O como fator protetor. Houve limitações no que se refere à ausência de acompanhamento e, por isso, de informações sobre o desfecho clínico de pacientes que permaneceram por mais de 1 mês e 7 dias na UTI. Além disso, o estudo não trouxe uma abordagem estatística completa, pois não há a presença do intervalo de confiança.

Já no estudo coorte de Ray et al.,(10) de acordo com os critérios de inclusão, 225.556 pessoas foram incorporadas no estudo, independente do resultado do teste PCR para Covid-19. Sendo assim, em uma avaliação geral, que incluiu todos os indivíduos, a estatística apontou fator de proteção relacionado ao tipo sanguíneo O em comparação com os demais (OR=0,87; 95% IC: 0,78-0,97). Em uma análise adicional, o estudo avalia apenas os indivíduos com teste PCR positivo para Covid-19 (7.071 pessoas), o grupo sanguíneo O não se apresentou protetivo em relação à infecção pelo Sars-CoV-2 (RR=0,98; 95% IC: 0,90-1,07) e, sendo assim, não houve diferença estatística entre os grupos.

No trabalho realizado por Zietz et al.,(11) foram incluídos 14.112 indivíduos, que fizeram teste para SARS-CoV-2. Foram usadas três comparações: prevalência de infecção nos primeiros testes, sobrevivência para intubação e morte entre aqueles pacientes positivos no teste de esfregaço. Além da maior prevalência de infecção nos grupos A, B e AB em relação ao tipo O, foram analisados os dados para morte. Assim, apesar de haver um risco menor de intubação e morte no tipo A quando comparado ao tipo O, não houve significância estatística (RR=0,84; IC: 0,66-1,02). Além disso, também não foram estatisticamente relevantes: o maior risco no grupo AB (RR=1,07; IC: 0,59-1,57); o maior risco de intubação no grupo B  (RR=1,12; IC: 0,89-1,40); e o menor risco de morte do grupo B quando comparado ao tipo O (RR=0,79; IC: 0,56-1,05). No geral, foi estimada uma diferença de risco absoluto entre 0,1 e 8,2% entre os grupos sanguíneos, após ajuste de covariáveis.

No total de artigos selecionados, foram incluídas seis referências listadas com seus resultados conforme descrito na Tabela 1. Houve muita heterogeneidade dos resultados, sendo que em Dal et al,(8) o grupo A teve maior risco de hospitalização na UTI. Na comparação grupo O e grupo não O,  há ausência de diferença significativa na admissão na UTI e na mortalidade. No estudo de Leaf et al,(9) o grupo A também demonstrou ter maior risco de mortalidade. Em contrapartida ao estudo de Dal, o grupo O apresenta-se como um fator protetor. No estudo de Al-Youha et al.,(6) houve um grande número de indivíduos assintomáticos, predominando indivíduos do grupo O, e uma predisposição do grupo A em desenvolver pneumonia, no entanto não foi possível associar, estatisticamente, grupo sanguíneo e pior prognóstico para suporte de oxigênio. No mesmo sentido, no coorte de Almadhi et al.,(7) não houve relação entre tipo sanguíneo e gravidade da doença. Em contrapartida, o grupo AB foi relacionado a um menor risco de infecção. Fora isso, no estudo de Ray et al.,(10) houve maior probabilidade de agravamento da doença nos grupos AB e B; ao final das análises, viram que o grupo O não foi protetivo contra o agravamento da doença. Já no estudo de Zietz et al.,(11) mostrou-se que o tipo A teve um risco menor de intubação e morte quando comparado ao tipo O, além disso o grupo AB teve um risco maior. No geral, foi estimada uma diferença de risco absoluto entre 0,1 e 8,2% entre os grupos sanguíneos. Sendo assim, é importante deixar claro que os dados publicados até o presente momento não nos permitem concluir que o sistema ABO seja considerado um fator de risco para a gravidade da Covid-19.

 

Tabela 1

Principais características e desfechos encontrados nos artigos incluídos.

Autores (Ano) País Tipo de estudo N amostral (Covid-19/ Controle) Critérios de seleção do grupo Covid-19 Critérios de seleção do grupo controle Nível de evidência Principais desfechos
1 Al-Youha (2021)(6) Kuwait Estudo coorte 3.305 / 3.730.027 Pacientes com diagnóstico laboratorial de Covid-19, internados no período de 24 de fevereiro a 27 de maio de 2020. Banco de dados nacional de indivíduos anônimos. 2b Maior frequência de assintomáticos no grupo O. Alta frequência de pneumonia, dentre os sintomáticos, no grupo A. Não houve significância estatística entre grupo sanguíneo e pior prognóstico para suporte de oxigênio.
2 Dal (2021)(8) Turquia Caso controle 39.850 / NR Pacientes com diagnóstico laboratorial de Covid-19, maiores de 18 anos, com randomização por idade, gênero e tipo sanguíneo. NR 3b

 

Aumento da  admissão na UTI no grupo A (OR=1,216; 95% IC: 1,023-1,44). Não houve significância estatística na taxa de internação, UTI, ventilação mecânica e mortalidade entre grupo O e não O.
3 Leaf (2020)(9) Estados Unidos

 

Estudo coorte multicêntrico 2.033 / 3,1 milhões Pacientes com diagnóstico laboratorial de Covid-19, maiores de 18 anos, admitidos na UTI, no período de 4 de março a 8 de maio de 2020. Dados de banco de sangue dos Estados Unidos. 2b Maior fator de risco para mortalidade no grupo A. Fator protetor contra agravamento no grupo O (p=0,02).
4 Almadhi (2021)(7) Bahrein Estudo coorte 2.334 / 4.985 Pacientes com diagnóstico laboratorial de Covid-19, através de exame PCR, via swab de nasofaringe. Dados do banco de sangue do King Hamad University, em um intervalo de 2 anos. 2b Não houve significância estatística entre grupo sanguíneo e pior prognóstico.
5 Ray (2021)(10) Canadá Estudo coorte 225.556 / 2.659.328 Pacientes com diagnóstico laboratorial de Covid-19 no período de observação. Pessoas que haviam realizado tipagem sanguínea entre janeiro de 2007 a dezembro de 2019. 2b Fator protetor contra agravamento no grupo O. Não houve significância estatística entre grupo sanguíneo e pior prognóstico ou morte.
6 Zietz (2020)(11) Estados Unidos Estudo coorte 14.112 / NR Pacientes com diagnóstico laboratorial de Covid-19 com um ou mais testes de esfregaço. Banco de dados do NYP/ CUIMC EHR 2b Menor risco de intubação e morte  no grupo A em relação ao grupo O. Maior risco de intubação e morte  no grupo AB em relação ao grupo O. Maior risco de intubação e menor risco de morte no grupo B.

Legenda: NR = not report.

 

DISCUSSÃO

 

Observa-se uma grande variedade de resultados a partir da análise de cada trabalho incluído, demonstrando diferenças em relação à existência ou não de associação entre grupos sanguíneos a quadros de agravamento ou de pior prognóstico após infecção por Covid-19. Isso se afirma, pois nos estudos de Al-Youha et al.(6) e Almadhi et al.(7) não foram encontradas diferenças estatísticas significativas entre a relação de grupos sanguíneos e gravidade de casos, entretanto o estudo de Dal et al.(8) relata aumento de taxa de admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) para indivíduos do grupo sanguíneo do tipo A, apesar de não serem constatadas diferenças significativas entre grupos O e não O em relação ao tempo de internação, admissão na UTI, suporte de ventilação mecânica (VM) e taxa de letalidade (CFR).

Por outro lado, o trabalho de Leaf et al.(9) demonstra diferença significativa entre frequência de mortalidade observada como maior para pacientes com o tipo sanguíneo A, e menor para pacientes com o tipo sanguíneo O. Além disso, no estudo de Ray et al.(10) também foram observadas menores taxas de infecção por Covid-19 para o grupo sanguíneo do tipo O com Rh-, e maiores taxas de infecção para o grupo B Rh+, que ressalta os efeitos protetores do grupo O especialmente aos indivíduos com idade inferior a 70 anos. Em relação aos quadros de agravamento, Ray et al.(10) afirmam que houve maior probabilidade entre os tipos AB e B, porém o grupo O já não se demonstrava como fator protetivo contra o agravamento ou contra a evolução para morte nos casos de infecção. A análise, contudo, do trabalho de Zietz et al.(11) apresenta diferença significativa para o grupo sanguíneo e o risco de infecção como maior para os grupos A e B e menor para o grupo AB. Já em relação à possibilidade de agravamento ou morte, o trabalho de Zietz et al.(11) conclui que há menor risco de intubação e morte para indivíduos do tipo sanguíneo A e maior para indivíduos do tipo AB, quando comparados ao O. Nesse ínterim, como resultado desta revisão pode-se observar que, apesar de três dos artigos analisados não apresentarem diferenças entre grupos sanguíneos e gravidade da doença, os demais estudos apontam piores prognósticos para os tipos sanguíneos A, AB e B, com fatores Rh+, e melhores prognósticos para os tipos sanguíneos O e com fator Rh-.

Dessa forma, observa-se grande heterogeneidade de resultados que contrastam ainda com resultados obtidos a partir de outros estudos, como o estudo canadense de Latz et al.(12) que aponta o tipo O como maior propensão a condições severas. É possível também realizar uma comparação à metanálise desenvolvida por Liu et al.(13) que concorda com o resultado apontado para os piores prognósticos de agravamento por Covid-19 desenvolvidos por pacientes do tipo A, e à revisão literária publicada por Zhang et al.(14) que também apresenta grande diversidade de resultados em relação ao quadro de severidade, mas concorda com o resultado apontado para um maior fator de proteção atribuído ao tipo O Rh- contra a infecção por Covid-19.

É importante destacar ainda que os estudos oferecem justificativas plausíveis quanto aos mecanismos de suscetibilidade maior para os grupos não O: os antígenos do grupo ABO modulam a expressão de receptores contendo ácido siálico, e sua grande expressão maximizaria a capacidade de ligação entre os vírus e célula do hospedeiro, sendo que os tipo AB e B estimulam o agrupamento de carboidratos, facilitando as interações carboidrato-carboidrato, e maximiza a agregação, reconhecimento e interação celular, aumentando a probabilidade da ligação do Covid à célula do hospedeiro. Outro fator se deve aos tipos O e B apresentarem a produção de anticorpos anti-A e, portanto, serem menos suscetíveis à infecção, devido a seus efeitos inibitórios contra a proteína S do vírus, como já citado em estudo realizado por Guillon et al.(3)

Ressalta-se que algumas limitações para o estudo devem ser citadas. Dessa forma, as variáveis para avaliação do prognóstico dos pacientes de cada estudo são diferentes, como internação em UTI, necessidade de intubação, morte, entre outros. Outrossim, as amostras de populações de cada estudo são diferentes, o que dificulta a comparação de resultados.

 

CONCLUSÃO

 

Esta RI permitiu mapear a produção científica sobre a relação entre o tipo sanguíneo dentro sistema ABO de pacientes com Covid-19 e a sua influência no prognóstico desta patologia. Os resultados mostraram-se bem heterogêneos quanto à possível influência do tipo sanguíneo na probabilidade de um pior ou melhor quadro de Covid. Enquanto metade dos estudos selecionados não apresentaram diferença estatística significativa entre os diferentes grupos sanguíneos e seu prognóstico para o Covid-19, os demais apontaram melhor prognóstico para os tipos O e Rh-.

Com isso, fica evidente que os estudos existentes em relação à temática em questão não nos permitem chegar a uma conclusão clara. Posto isso, é importante ressaltar a importância da realização de mais estudos que abordem tal temática com uma maior padronização nas análises realizadas e, consequentemente, consigam esclarecer a existência ou não da relação entre os tipos sanguíneos ABO e o prognóstico da infecção por SARS-CoV-2.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Nouvellet P, et al. Reduction in mobility and Covid-19 transmission. Nature communications, v. 12, n. 1, p. 1-9, 2021.
  2. Yang R, et al. The role of essential organ-based comorbidities in the prognosis of Covid-19 infection patients. Expert review of respiratory medicine, v. 14, n. 8, p. 835-838, 2020.
  3. Guillon P, et al. Inhibition of the interaction between the SARS-CoV spike protein and its cellular receptor by anti-histo-blood group antibodies. Glycobiology, v. 18, p. 1085-1093, 2008.
  4. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & contexto enfermagem, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008.
  5. Santos CM da C, Pimenta CA de M, Nobre MRC. A estratégia PICO para a construção da pergunta de pesquisa e busca de evidências. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 15, n. 3, p. 508-511, 2007.
  6. Al-Youha SA, et al. The impact of ABO blood groups on clinical outcomes and susceptibility to Covid‐19: A retrospective study in an unselected population. Transfusion, v. 61, n. 5, p. 1631-1641, 2021.
  7. Almadhi MA, et al. The effect of ABO blood group and antibody class on the risk of Covid-19 infection and severity of clinical outcomes. Scientific reports, v. 11, n. 1, p. 1-5, 2021.
  8. Dal MS, et al. Covid-19 Clinical Course and Blood Groups: Turkish Population-Based Study. Turkish Journal of Medical Sciences, 2021.
  9. Leaf RK, et al. ABO phenotype and death in critically ill patients with Covid‐19. British journal of haematology, 2020.
  10. Ray JG, et al. Association Between ABO and Rh Blood Groups and SARS-CoV-2 Infection or Severe Covid-19 Illness: A Population-Based Cohort Study. Annals of Internal Medicine, 2021.
  11. Zietz M, et al. Associations between blood type and Covid-19 infection, intubation, and death. Nature Communications, 2020.
  12. Latz CA, DeCarlo C, Boitano L, Png CYM, Patell R, Conrad MF, Eagleton M, Dua A. Blood type and outcomes in patients with COVID-19. Ann Hematol. 2020.
  13. Liu N, et al. The impact of ABO blood group on Covid-19 infection risk and mortality: a systematic review and meta-analysis. Blood Reviews. v. 48, 2021.

14.       Zhang Y, et al. Association between ABO blood types and coronavirus disease 2019 (Covid-19), genetic associations, and underlying molecular mechanisms: a literature review of 23 studies. Annals of Hematology. v. 100, n. 5, p. 1123-1132.

 

Correspondência

Sabrina Thalita dos Reis Faria

E-mail:  [email protected]