Relato da emergência de Pseudomonas aeruginosa KPC em um hospital de referência terciária

Report of the emergence of Pseudomonas aeruginosa KPC in a tertiary referral hospital

 

Valéria Martins Soares1

 

1 Hospital Júlia Kubitschek (FHEMIG), Setor de Microbiologia/Laboratório. Belo Horizonte, MG, Brasil.

 

Recebido em 14/09/2022

Aprovado em 14/12/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202300070

 

Caro editor,

 

Pseudomonas aeruginosa é considerada um dos mais importantes patógenos oportunistas Gram negativos, responsável por grande variedade de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), como pneumonias associadas à ventilação mecânica, infecções do trato urinário, bacteremias e infecções em tecidos moles.(1)

Em setembro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) liberou um alerta de risco chamando atenção para o registro de casos de P. aeruginosa resistente a carbapenêmicos associada aos genes KPC e NDM nos estados do Paraná e de Santa Catarina, Brasil.(1)

O primeiro relato de Pseudomonas aeruginosa produtora de KPC ocorreu na Colômbia (KPC-2) em 2007. No Brasil, a primeira descrição aconteceu em fevereiro de 2010, em dois pacientes distintos que estavam internados na unidade de terapia intensiva de um hospital de referência terciária, localizado em Recife, Pernambuco.(2)

A partir de 2018, conforme recomendado pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI),(3) o método de inativação de carbapenêmicos modificado (mCIM) passou a ser utilizado na rotina do setor de Microbiologia do Hospital Júlia Kubitschek, sendo complementado pelo  método imunocromatográficoNG-Test CARBA 5 (NG-Biotech Laboratoires) em 2021, para a detecção de carbapenemases em P. aeruginosa.

Em abril de 2022, detectamos pela primeira vez uma cepa de P. aeruginosa KPC em uma secreção de escara. No mês seguinte, houve nova detecção em aspirado traqueal proveniente de outro paciente. Os dois isolados apresentaram o mesmo perfil de antibiograma, sendo resistentes aos medicamentos amicacina, aztreonam, ceftazidima, cefepima, imipeném, meropeném, piperacilina-tazobactam, sensível aumentando exposição para o ciprofloxacino e sensível a ceftazidima-avibactam, conforme padronização do BrCAST (Brazilian Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing).(4) As duas cepas apresentaram concentração inibitória mínima superior a 64 mg/L para a polimixina, por meio de microdiluição em placa. Os isolados foram enviados para o laboratório de referência da Fundação Ezequiel Dias (FUNED-MG) para a realização de reação em cadeia da polimerase (PCR) multiplex, havendo a detecção do gene blaKPC.

O desenvolvimento de diferentes mecanismos de resistência, muitas vezes disseminados através do mesmo plasmídeo, tem grande impacto clínico, comprometendo a eficácia dos fármacos utilizados, gerando alto custo da terapêutica, aumento do tempo de hospitalização e mortalidade.(1)

É interessante notar que nos dois pacientes em que se detectou P. aeruginosa KPC também se isolou Klebsiella pneumoniae KPC. No paciente no qual a amostra clínica foi escara, foi detectada uma K.pneumoniae KPC em urina colhida dois dias antes. Na amostra de aspirado traqueal do segundo paciente, isolou-se também uma K. pneumoniae KPC. Estudos relatam que a colonização do trato gastrointestinal com Enterobacterales pode permitir a transferência horizontal de genes e, dessa forma, a disseminação de resistência entre gêneros.(5)

Assim, conforme o alerta de risco da ANVISA, a vigilância laboratorial de Pseudomonas aeruginosa deverá ser reforçada em todos os serviços de saúde do país, com especial atenção aos resultados laboratoriais dos testes de sensibilidade aos antimicrobianos relacionados à P. aeruginosa com perfil de resistência a carbapenêmicos identificados. As medidas de prevenção e controle da disseminação de microrganismos multirresistentes deverão ser adotadas imediatamente. Ainda segundo esse comunicado, as P. aeruginosas resistentes aos carbapenêmicos e associadas aos genes KPC e NDM são microrganismos multirresistentes considerados de interesse e devem ser notificados ao Sistema Nacional de Vigilância e Monitoramento de Surtos Infecciosos em Serviços de Saúde.(1)

Além disso, devemos lembrar que pequena parte dos pacientes colonizados irá desenvolver infecção invasiva, porém esses funcionam como reservatórios para transmissão nosocomial. O primeiro relato de P. aeruginosa KPC na Europa ocorreu em um paciente que manteve o swab retal positivo por 8 meses, justificando a vigilância em pacientes de alto risco.(5)

 

REFERÊNCIAS

 

  1. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Alerta de Risco GVIMS/GGTES/Anvisa n°01/2021. Identificação de Pseudomonas aeruginosa resistente a carbapenêmicos, produtora de KPC e NDM. Brasília (DF); 2021.
  2. Jácome PR, Alves LR, Cabral AB, Lopes AC, Maciel MA. First report of KPC-producing Pseudomonas aeruginosa in Brazil. Antimicrobial Agents Chemotherapy, v. 56, p. 4990- 4992, 2012.
  3. CLSI. Clinical and Laboratory Standards Institute. Performance standards for antimicrobial susceptibility testing – Twenty-Eighth Edition: M100. CLSI, Wayne, PA, USA,2018.
  4. Brazilian Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing (BrCAST). Tabelas de ponto de corte para interpretação de CIMs e diâmetro de halos. V. 12.0, 2022.
  5. Hagemann JB, Pfennigwerth N, Gatermann SG, von Baum H,Essig A.KPC-2 carbapenemase-producing Pseudomonas aeruginosa reaching Germany, Journal of Antimicrobial Chemotherapy, v.73, n. 7, p. 1812-1914, 2018.

Correspondência
Valéria Martins Soares
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