Testes portáteis, remotos ou pontos de cuidados – TLPs – TLRs – POCT

Portable, remote tests or points of care – TLPs – TLRs – POCT

 

Irineu Keiserman Grinberg

Farmacêutico – Bioquímico. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas.

Instituição: LAB FARM CONSULT LTDA

Recebido em 28/07/2020
Artigo aprovado em 12/08/2020
DOI: 10.21877/2448-3877.20200005

Prezado Editor

Existem equipamentos e dispositivos laboratoriais destinados a realizar exames ao lado do paciente, geralmente à beira do leito hospitalar, ou em unidades de urgência e emergência localizadas em Prontos-Socorros, Unidades de Atendimento (UPA) ou outros estabelecimentos com as mesmas afinidades laborais. Apresentam resultados quase imediatos para exames urgentes, portanto podem antecipar diagnósticos e terapias, bem como a monitorização do paciente no decorrer do tempo que estiver internado. Muitos deles são indispensáveis aos diagnósticos e orientam, de forma precoce, decisões fundamentais na conduta clínica. Um dos melhores exemplos da utilidade desses testes é a pesquisa de marcadores cardíacos em pacientes com dor torácica, pois em poucos minutos podem-se obter resultados de troponina I, mioglobina e CKMB, através de TLP’s.

Esses testes laboratoriais, em sua grande maioria, consistem em reações antígeno-anticorpo que ocorrem numa pequena caixa plástica, na qual a amostra a ser examinada e o tampão diluidor percorrem, por migração, o trajeto num leito de nitrocelulose. Em determinado espaço, acontecerá a reação antígeno-anticorpo mediada pelo conjugado. Em resultado reagente, aparecerá uma coloração na linha correspondente. Existe no “pack”, em que se realiza a reação, uma segunda linha de leitura chamada de controle da migração, onde  sempre deve aparecer a coloração. Caso não apareça, o teste deverá ser invalidado, pois poderá não ter ocorrido a migração. Não se trata de controle de qualidade. Apenas da migração, apesar de alguns profissionais de vendas tentarem afirmar a clientes que o controle da qualidade já vem anexado ao teste.

Nos casos de infecção pelo SARS-CoV-2 serão extremamente úteis na condução de estudos de imunidade, mapea­mento populacional e liberação de contaminados para as suas atividades profissionais. Não são indicados para o diagnóstico inicial, o padrão ouro é o RT-PCR, que pesquisa o RNA viral ou suas partículas de forma direta. Este teste só pode ser realizado a partir do início dos sintomas até o sétimo dia.

Na consecução poderá acontecer resultado negativo, mesmo que o paciente esteja contaminado, com leves ou moderados sintomas clínicos. Nos casos de maior gravidade em pacientes de UTI, intubados ou não, em termos de quantidade é maior e, desta forma, o RT-PCR poderá perdurar positivo por mais tempo.

Passado o tempo de fase aguda, existe a necessidade de avaliação da formação de anticorpos. São testes de importância fundamental, pois, juntamente com a avaliação clínica, revelarão o estado de imunidade ou mapeamento da população. As imunoglobulinas pesquisadas são a IgM, IgA e IgG. Ou Ig totais. Estão sendo utilizadas as metodologias ELISA EIA, quimioluminescência, QML ou, a maioria, pela modalidade TLP’s, preferentemente em soro ou em gota de sangue capilar.

Em quase todas as definições dos TLP’s predominam os termos, “são de fácil realização e executados em tempo inferior a 30 minutos”. Essa frase foi traduzida e condensada para “testes fáceis”, que propiciou o surgimento das mais variadas espécies de profissionais auto-habilitados a realizar esses exames. Essa é uma culpa que deve ser assumida por todo o segmento laboratorial (por quem escreve essa matéria inclusive). Muito mais fácil citar testes rápidos do que Testes Labo­ratoriais Portáteis, remotos ou POCT. Com essa atitude desprestigiamos o trabalho por nós realizado.

A Anvisa, por meio da RDC 302/2005, efetivada após anos de discussões, possui um capítulo extenso em que trata apenas desses procedimentos. Portanto, há mais de 15 anos já existiam esses cuidados. A RCD expõe de forma clara que todos os TLP’s, onde forem realizados, deverão estar vinculados a um laboratório de análises clínicas, cujo responsável técnico será também o tutor das liberações dos laudos e do controle de qualidade.

Entretanto, as farmácias, no presente momento, enqua­dráveis como estabelecimentos de saúde e em franco crescimento nas atenções voltadas à farmácia clínica, vêm tentando habilitar-se a esse tipo de atendimento através da utilização dos TLP’s. As entidades que representam os setores labora­toriais, utilizando-se de atitudes que configuram a manutenção da qualidade laboratorial e a segurança do paciente, não se manifestaram contrárias. Todavia, não abrem mão do cumprimento total da RDC 302/2005 por serem procedimentos laboratoriais. E como tal devem ser tratados.

Pressionada, a Anvisa, numa tentativa de decisão Salo­mônica, editou a RDC 377/2020, que permite aos estabelecimentos farmacêuticos, de forma temporária (enquanto durar a pandemia causada pelo Novo Coronavírus), a execução dos TLP’s para a pesquisa de anticorpos. Essa RDC não contempla nenhum conceito dos sistemas da qualidade laboratorial, apenas refere, de forma muito rápida e superficial, citações de rastrea­bilidade.

Os TLP’s cromatográficos, apesar de existirem há pelo menos 30 anos, requerem vigilância permanente em todos os ítens componentes dos sistemas da qualidade interna e externa. Os destinados a pesquisar anticorpos totais ou fracionados para SARS CoV-2 são de criação e manufatura recentes. Possivelmente não foram suficientemente testados ante a necessidade de tê-los disponíveis com muita celeridade e, também, pela necessidade de que os primeiros a se apresentar teriam a vantagem do “pioneirismo” e  valores de venda mais proeminentes. A  Anvisa licenciou dezenas de marcas, algumas totalmente desconhecidas. As avaliações iniciais dos testes  foram realizadas nos laboratórios que os adquiriram e muitos foram enquadrados como invalidáveis.

As entidades que congregam os laboratórios clínicos, SBPCML, SBAC e  Abramed, com o apoio da CBDL, criaram o comitê para avaliação e validação de marcas que se apresentaram de forma voluntária. Ao mesmo tempo, as nossas entidades que mantêm setores de ensaios de proficiência da qualidade laboratorial começaram a produzir material de controle interno e externo para os TLP’s que pesquisam anticorpos para o SARS-CoV-2. Já estão disponíveis para todos os laboratórios interessados.

Desta forma, parece que tudo se dirige aos lugares corretos. Os testes estão sendo mais bem avaliados, tanto em especificidade quanto sensibilidade. Os de má qualidade perdem espaços e os valores de aquisições, muito altos no lançamento, estabilizam. Entretanto, ainda é difícil aceitar que um “pack” tenha seu preço fixado em valores aproximados a 10 unidades de testes para hepatite ou gestação. Certamente existe espaço para novas e melhores negociações. A utilização dos mesmos é garantida e em grande volume, pois serão utilizados para o mapeamento imunológico da população no período pós-pandemia.

Contudo, muito teremos que aprender em relação aos aspectos imunitários dessa linhagem viral responsável pela COVID19.

Tudo o que se previa inicialmente em relação aos anticorpos formados pelos pacientes acometidos pelo SARS-CoV-2 é algo similar ao que acontece em outras doenças infecciosas. Primeiro o aparecimento de anticorpos IgM e, após, IgG, que perduravam por um tempo razoável ou de forma  permanente, conferindo imunidade.

No entanto, não é o que tem ocorrido. Já foram verificadas algumas variações que vão desde o aparecimento inicial da IgG, sem IgM, bem como um quadro contrário. Foram relatados, também, alguns casos de ausência de soroconversão ou desaparecimento de todos os anticorpos em pouco tempo. Parece tratar-se de um vírus fora da curva habitual, que vai requerer inúmeros estudos focados inclusive na manufatura e testagem de vacinas.

Os TLP’s se completam com a utilização de equipamentos fundamentais na execução de procedimentos laboratoriais subsidiários de utilização mais ampliada, porém indispensáveis no monitoramento de pacientes acometidos pelo SARS-CoV-2.

Atualmente, existem empresas que se especializaram em sistemas para traduzir os sinais complexos dos sistemas imunológicos. Desenvolveram e validaram uma plataforma pioneira que propicia, em poucos minutos, a diferenciação entre infecções virais e bacterianas. São ferramentas indispensáveis para minorar o uso de antibióticos e, desta forma, além de orientar a terapia de maneira rápida, diminuir expressivamente a resistência bacteriana.

A startup Sight Diagnostics desenvolveu um pequeno equipamento, pouco maior que uma torradeira doméstica, que realiza o hemograma (19 parâmetros) com duas gotas de sangue digital. O resultado do exame é liberado em 90 segundos.

Devem ser lembrados ainda os oxímetros digitais “sem efeito” existentes há razoável tempo, mas agora com utilização multiplicada no controle da saturação de oxigênio dos pacientes de COVID 19.

Diante dessa tempestade viral que assolou quase todo o planeta, existe a necessidade de respostas tecnológicas atuali­zadas e eficientes. O laboratório de análises clínicas ocupa posto da mais alta relevância nessa dura e provavelmente longa situação. Portanto, deve buscar por todos os meios possíveis a qualificação necessária para não ser apenas um coadjuvante.

 

 

 

Irineu Keiserman Grinberg

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