Um século do exame parasitológico de Lutz e sua relevância atual

A century of Lutz parasitological examination and its current relevance

 

Felicson Leonardo Oliveira Lima1

Catharine Santa Clara dos Santos2

Fabiana Carneiro de Almeida1

Letícia Silva Rocha3

Artur Gomes Dias Lima4

1Graduando de Biomedicina pela Faculdade Nobre de Feira de Santana (FAN). Feira de Santana-BA, Brasil.
2Graduada de Biomedicina pela Faculdade Nobre de Feira de Santana (FAN). Feira de Santana-BA, Brasil.
3Graduanda de Odontologia pela Unidade de Ensino Superior de Feira de Santana (UNEF). Feira de Santana-BA, Brasil.
4Doutor em Biologia Parasitária (Fiocruz), docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública –
EBMSP. Salvador-BA, Brasil.

Instituição: Faculdade Nobre de Feira de Santana (FAN). Feira de Santana-BA, Brasil.

Recebido em 08/09/2019
Artigo aprovado em 12/12/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900908

 

INTRODUÇÃO

Em 1860, aproximadamente, a parasitologia foi então estabelecida com uma ciência e os parasitos caracterizados como agentes causais de diversas patologias que acometiam seres humanos e seus animais domésticos. Desde então, esta ciência se perpetuou e evoluiu ao longo dos anos nos laboratórios das universidades.(1)

O exame parasitológico de fezes consiste em um procedimento para a investigação das funções digestivas, seja pela metodologia macroscópica ou microscópica, possibilitando determinar possíveis síndromes coprológicas. O estudo coproparasitológico possibilita a detecção dos parasitos em estágios distintos de seu desenvolvimento, sendo a sedimentação espontânea um dos princípios das técnicas laboratoriais mais utilizadas.(1,2)

A técnica de Lutz (1919) fundamenta-se na sedimentação espontânea, sendo uma técnica qualitativa e de baixa sensibilidade, descrita primordialmente para o diagnóstico de ovos de Schistosoma mansoni. Posteriormente, foi mais bem embasada por Hoffman, Pons & Janer no ano de 1934. Consiste em uma técnica respaldada na lei gravita­cional, que objetiva diagnosticar parasitos intestinais, permitindo a concentração de ovos, cistos, oocistos e larvas de inúmeras espécies por meio de uma amostra fecal.(3,4)

Os serviços de saúde destinados ao diagnóstico adotam a sedimentação espontânea como principal método de investigação devido ao seu baixo custo e amplo espectro para identificação de espécies parasitárias.(5)

Este artigo de revisão tem por objetivo descrever aspectos gerais sobre a sedimentação espontânea, sua eficácia no auxílio diagnóstico de enteroparasitoses, bem como a importância e preservação da sua utilização no ambiente laboratorial durante seus cem anos de existência. Também visa prestar uma homenagem ao centenário do Método de Lutz, ao importante pesquisador Adolpho Lutz (1855-1940) e transcorrer sobre os avanços das técnicas de exames coproscópicos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Este trabalho fundamentou-se na revisão literária, por meio da pesquisa nas bases de dados SciELO, Bireme e Lilacs, de artigos publi­cados entre os anos de 2003 a 2018. As terminologias utilizadas nas buscas foram: Sedimentação Espontânea; Método de Hoffman, Pons e Janer; Método de Lutz. Foram encontrados duzentos artigos vinculados à temática, sendo selecionados 13 artigos. Os critérios de seleção se destinaram a artigos publicados dentro do período estipulado e que demonstravam a eficácia da utilização da técnica, excluindo-se as publicações repetidas que surgiram em mais de uma base de dados.

 

DISCUSSÃO

 

Coura retrata um trabalho publicado por Adolpho Lutz, nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz no ano de 1919, intitulado “O Schistosomum e a Schistoso­matose”. Lutz descreve desde a descoberta do S. haematobium no Egito, por Bilharz, em 1831, até a publicação de seu trabalho, uma revisão com conceitos bastante acurados, como morfologia e fisiologia do gênero, em especial do S. mansoni, mecanismo de infecção e as técnicas de diagnósticos. Predecessor de quase tudo que sabemos sobre parasito, Lutz explanou, de forma irrefutável, o método de sedimentação com as seguintes palavras:(6)

O exame torna-se mais fácil pela lavagem repetida das fezes, seguida de sedimentação simples ou centri­fugação. Com estas combina-se o uso do tecido de arame e de gaze de moleiro para reter todos os corpos mais grossos. Assim obtém-se um sedimento que contém quase exclusivamente corpúsculos amiláceos e ovos de parasito, sendo fácil examinar“. (7)

A sedimentação espontânea é o método parasito­lógico mais utilizado nos serviços de saúde devido ao seu amplo espectro, melhor observação dos parasitos ou dos seus ovos/larvas, facilitando a identificação das espécies, baixo custo e facilidade para execução. Pode, assim, fornecer um diagnóstico satisfatório e preciso. Por também apresentar ampla abrangência no diagnóstico das para­sitoses, o método de sedimentação espontânea tem sido utilizado ao longo dos anos em laboratórios de análises clínicas. Para Sant’Anna,(2) o valor unitário para a imple­mentação da técnica de Hoffman, Pons e Janer, no âmbito laboratorial, foi mensurado em R$ 3,70. Azevedo totaliza a execução da técnica de Lutz em um valor de R$ 4,10.(8)

O método apresenta como fundamento a lei gravita­cional, isto é, quando uma porção da amostra é homo­geneizada em água destilada até que a dissolução seja obtida. O conteúdo filtrado é transferido para um cálice completando o volume do recipiente, com água até cerca de 1 cm da borda e mantendo em repouso por uma hora a 24 horas até que se obtenha o sedimento. Os ovos, larvas, cistos ou oocistos, por serem mais densos quando comparados aos detritos e a água, vão acumular-se no fundo do recipiente.(5)

Vários trabalhos científicos presentes na literatura demonstram uma comparação da eficácia de diferentes métodos para o diagnóstico de parasitoses intestinais. Em um estudo realizado por Barbosa et al., cinco técnicas para­sitológicas para o diagnóstico dos cistos de Balantidium coli foram executadas, chegando-se à conclusão que o exame direto e o de Lutz são os melhores métodos para o diag­nóstico dessa parasitose. Em contra­partida, as técnicas de flutuação, Faust e Sheather, modificada, não mostraram eficácia. No trabalho de Gonçalves et al., ao se comparar o desempenho de duas técnicas, foi observado que o Paratest® apresentou uma maior sensibilidade (53,8%) para o diagnóstico de Blastocystis spp. e a técnica de sedimentação espontânea para ancilos­tomídeos (49,2%), ambos categori­zados como testes de alta espe­cificidade.(9,10,11)

Hodiernamente, podem ser encontrados testes rápidos para a detecção qualitativa de antígenos específicos de Giardia lamblia e inúmeras outras parasitoses pela metodologia imunocromatográfica em amostras fecais. A tira reagente é constituída por anticorpos específicos contra Giardia lamblia, e, quando positivo, esses anticorpos se ligam aos antígenos mostrando-se reagente. Esse teste apresenta sensibilidade e especificidade elevadas, é fácil e de rápida execução. No entanto, atualmente, para os exames de rotina no Brasil, é mais oneroso à pesquisa por antíge­nos fecais de Giardia lamblia, pois o valor da sedimentação espontânea dificulta a sua utilização com mais fre­quência.(12)

O método de Lutz, quando comparado às técnicas de Baermann-Moraes, Faust e colaboradores, ganha destaque frente ao seu amplo espectro de observação das espécies de parasitos. Porém, mesmo seu protocolo desprezando a necessidade da utilização de reagentes, centrífuga ou vidrarias, o que o torna mais facilitado, a utilização da água fria impossibilita a migração de larvas de hel­mintos, podendo ser observadas apenas nos casos de infecções maciças. O método de Baermann-Moraes, por utilizar água a 45º C, permite a detecção das larvas, mesmo quando há baixa carga parasitária. Os métodos de Faust e colaboradores, assim como o de Baermann-Moraes e Kato-Katz, caracterizam-se como procedimentos de menor abrangência diagnóstica, muitas vezes destinados à pesquisa e levantamento epidemiológico.

Na atualidade, o foco principal de investimento em pesquisas no âmbito parasitológico são os novos métodos relacionados à detecção de infecções parasitárias, objetivando aumentar a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico. A escolha de técnicas para serem imple­mentadas na rotina laboratorial devem garantir melhor resultado, sendo que a associação de técnicas resulta sempre em uma maior confiabilidade, principalmente quando se utilizam técnicas de diferentes fundamentos.(9,13)

 

CONCLUSÂO

 

A técnica de Lutz como método para detecção de parasitoses intestinais mostra-se com grande eficiência, baixo custo e de cômoda execução, sendo muito utilizada nos laboratórios que realizam testes diagnósticos para enteroparasitoses.

Tendo em vista que existem diferentes formas de diag­nóstico parasitológico, cabe ao laboratório clínico a escolha de qual método será aplicado. O importante é certificar-se que a técnica utilizada resultará em um laudo fidedigno, pois é através desse resultado que intervenções medicamentosas serão introduzidas ao paciente. Os testes rápidos para diagnóstico de giardíase têm sido caracterizados como idôneos.

 

 

Abstract

Lutz parasitological examination (1919) is a type of coproscopic examination that is based on spontaneous sedimentation and aims to diagnose intestinal parasites. This examination allows the concentration of eggs, cysts, oocysts and larvae of countless species by gravitational sedimentation of a fecal sample. It is characterized as a qualitative and low sensitivity technique. It is the main method of usual research and daily laboratory, for its low cost and broad spectrum, for identification of parasitic species. Although there are already different methods for the parasitological diagnosis of feces, with higher sensitivities and specificities, and new technologies, Lutz method, which this year completes its centenary, is still the most usual of laboratory diagnostic tests in Brazil. This article aims to pay tribute to the centenary of the Lutz Method, the important researcher Adolpho Lutz (1855-1940) and to advance the advances in coproscopic examination techniques.

 

Keywords

Sedimentation; feces; parasitic diseases

 

REFERÊNCIAS

  1. Mascarini LM. Uma abordagem histórica da trajetória da parasitologia. Ciência & Saúde Coletiva, 2003;8(3):809-814.
  2. Sant’anna LML, Oliveira FJ, Melo CM. Estudo comparativo de técnicas parasitológicas baseada no princípio de sedimentação espontânea (Hoffman) e Parasitokit®. Scire Salutis, Aquidabã, 2013;3(1): 6-15. DOI: 10.6008/ESS2236 9600.2013.001.0001.
  3. Nakashima FT, Uchôa C. Universidade Federal Fluminense – Instituto Biomédico – Departamento de Microbiologia e Parasitologia. Disponivel em: http://ter.sites.uff.br/wp-content/uploads/sites/41/2018/08/T%C3%A9cnica-Lutz.pdf . Acesso em 16 de julho de 2019.
  4. Carvalho GL, Moreira LE, Pena JL, Marinho CC, Bahia MT, Machado-Coelho GL. A comparative study of the TF-Test®, Kato-Katz, Hoffman-Pons-Janer, Willis and Baermann-Moraes coprologic methods for the detection of human parasitosis. Mem Inst Oswaldo Cruz, 2012; 107(1): 80-4. http://dx.doi.org/10.1590/S0074-02762012000100011.
  5. De Carli GA. Parasitologia clínica: Seleção de métodos e técnicas de laboratório para diagnóstico das parasitoses humanas. São Paulo, Editora Atheneu p.58, 2007.
  6. Coura JR. Adolpho Lutz – Autor e pioneiro do método de sedimentação para o diagnóstico de ovos de S. mansoni nas fezes. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 1973;7(6). http://dx.doi.org/10.1590/S0037-86821973000600001.
  7. Lutz AO. Schistosomum mansoni e a Schistosomatose segundo observações, feitas no Brazil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz. 1919;11(1): 121-55. https://doi.org/10.1590/S0074-02761919000100006.
  8. Mello FCS, Pilar BC, Stroher DJ, Manfredini V. Prevalência de Parasitoses em Escolares da Escola Estadual de Ensino Fundamental Paso de los Libres no Município de Uruguaiana, RS. NewsLab. 2013;116:104-15.
  9. Azevedo EP, Almeida EM, Matos JS, Ramos AR, Siqueira MP, Fonseca ABM, et al. Diagnóstico parasitológico em amostras fecais no laboratório de análises clínicas: comparação de técnicas e custo de implantação. RBAC. 2017;49(4): 401-7.
  10. Barbosa Ada S, Bastos OM, Uchôa CM, Pissinatti A, Bastos AC, Souza IV, et al. Comparison of five parasitological techniques for laboratory diagnosis of Balantidium coli cysts. Rev Bras Parasitol Vet. 2016 Jul-Sep;25(3):286-92. doi: 10.1590/S1984-29612016044.
  11. Gonçalves AQ, Abellana R, Pereira-da-Silva HD, Santos I, Serra PT, Julião GR, et al. Comparison of the performance of two spontaneous sedimentation techniques for the diagnosis of human intestinal parasites in the absence of a gold standard. Acta Trop. 2014 Mar; 131:63-70. doi: 10.1016/j.actatropica.2013.11.026.
  12. Dutra RL, Koga AH, Fritzen M, Manfé C. Estudo comparativo entre o método de Faust e o método imunocromatográfico para detecção qualitativa de Giardia lamblia em amostras de fezes. Revista Eletrônica Estácio Saúde. 2014;3(2):35-40.
  13. Buonfrate D, Formenti F, Perandin F, Bisoffi Z. Novel approaches to the diagnosis of Strongyloides stercoralis infection. Clin Microbiol Infect. 2015;21(6):543-52. doi: 10.1016/j.cmi.2015.04.001.

 

 

Correspondência

Felicson Leonardo Oliveira Lima

Faculdade Nobre de Feira de Santana – FAN

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