Visão sobre o diagnóstico laboratorial e acompanhamento terapêutico da Puberdade Precoce

Vision on laboratory diagnosis and therapeutic monitoring of Early Puberty

 

Gabriel Isaac de Oliveira1, Luiza Tolentino da Hora1, Anna Elisa Amaro da Silveira2

 

1  Acadêmico(a) de Medicina – Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE. Brusque, SC, Brasil.

2  Mestre Docente – Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE. Brusque, SC, Brasil.

 

Recebido em 17/02/2021

Aprovado em 14/03/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202202108

 

 

INTRODUÇÃO

 

A puberdade corresponde ao período transicional entre a infância e a vida adulta, caracterizada pelo aparecimento de caracteres sexuais secundários, aceleração do crescimento e maturação das gônadas, o que promove, consequentemente, capacidade reprodutiva e alterações psicológicas em ambos os sexos.(1,2)

Dois episódios fisiológicos independentes compõem o desenvolvimento puberal: a adrenarca, que é o aumento de andrógenos adrenais e de seus precursores, e a gonadarca, em que há a reativação do eixo gonadotrófico, também denominado hipotalâmico-hipofisário-gonadal (HHG).(1)

A puberdade advém da elevação de secreção do hormônio hipotalâmico estimulador da secreção de gonadotrofinas (GnRH), que, por sua vez, estimula a secreção dos hormônios luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH), os quais irão estimular a secreção dos esteroides sexuais e acarretarão a gametogênese.(2)

A evolução puberal se baseia nos critérios de Tanner,(2) que possuem cinco divisões e dois parâmetros de análise: o desenvolvimento da genitália (no caso das meninas, mamas) e dos pelos pubianos.(3,4) Para ser considerada precoce, a puberdade deve ocorrer antes dos 8 anos de idade no sexo feminino, e antes dos 9 anos de idade no sexo masculino.(1)

No eixo HHG, responsável pela secreção dos hormônios gonadotróficos, há fatores estimuladores e inibidores. A estimulação pode ser ocasionada por fatores nutricionais, de origem metabólica ou por estresse, que atuam no mecanismo de liberação do GnRH.(5) A puberdade apenas se tornará precoce se o mecanismo de retrocontrole negativo da unidade hipotalâmica-hipofisária não estiver ativo perante os esteroides sexuais e frente à redução de influência dos centros inibitórios.(6)

A puberdade precoce (PP) possui duas classificações principais: a PP verdadeira ou a central (PPC),(1) a qual abrange a maior parte dos casos (cerca de 80%), em que o desenvolvimento das características sexuais secundárias é consequência da ativação preambular do eixo gonadotrófico.(2) E, de outra forma, a pseudopuberdade ou PP periférica (PPP), a qual provém da produção autônoma dos esteroides sexuais.(1)

A prevalência da PP é descrita na literatura como majoritariamente feminina. Estudos publicados no Brasil e com dados nacionais estipularam que 95% das crianças diagnosticadas com PP eram meninas.(6) Segundo a Portaria nº 111, de 23 de abril de 2010, do Ministério da Saúde (MS), a frequência de crianças meninas afetadas com PP é de 10 a 23 vezes maior que em meninos.(2) Demais estudos descrevem uma estimativa de que a cada 100.000 meninas, 15 a 29 desenvolvam PP a cada ano. Há também o aumento da incidência de casos de PP em uma população específica, acreditando-se que fatores como obesidade podem estar relacionados ao aumento da secreção de hormônios de maneira prévia.(7)

Quando a secreção dos hormônios sexuais ocorre de maneira antecipada, induz a aceleração do crescimento e a fusão precoce das epífises ósseas, o que torna prévio o final do crescimento. Este evento pode comprometer a estatura final, uma vez que esta condição está relacionada ao estirão da puberdade que ocorre durante o pico de maturação precoce, mas que estaciona após o fim da puberdade.(8) Nos casos de PPC pode haver, inclusive, iniciação da vida sexual prematura.(6) Entretanto, em algumas crianças, mesmo tendo iniciado a puberdade de forma antecipada, ela contém uma evolução lenta e não compromete a altura na fase adulta.(2) Dessa maneira, a avaliação do progresso de 3 a 6 meses pode contribuir na determinação de necessidade ou não de tratamento nos casos de puberdade em estágios iniciais.(2)

A portaria de 2017, publicada pelo MS, apresenta, ainda, uma atualização na conduta terapêutica: normas sobre assistência farmacêutica para essa patologia. O documento adverte sobre os medicamentos disponíveis dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da PP, mais precisamente da PPC, bem como os anexos obrigatórios para o requerimento de tais agentes terapêuticos, administração, prescrição máxima, monitoramento, fatores de exclusão, tempo de tratamento, se há possibilidade de associação medicamentosa, além de expressar as especialidades médicas responsáveis por requerer os exames e solicitar os fármacos descritos no referido documento.(9)

A avaliação e o encaminhamento de crianças suspeitas de PP é um desafio para o sistema de saúde, pois os sintomas não são clássicos e podem estar vinculados a outras patologias por não serem patognomônicos da doença.(5) Assim, este trabalho tem como objetivo colher na literatura as formas mais atualizadas e fidedignas de diagnóstico e acompanhamento da PP.

 

DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO

 

O diagnóstico e a diferenciação da PP são clínicos e laboratoriais. Eles estão baseados em anamnese, exame físico, testes radiológicos e hormonais, citologia vaginal e ecografia pélvica. Em crianças do sexo feminino, a avaliação é feita através do crescimento mamário e pelos pubianos, e em crianças do sexo masculino verifica-se o tamanho dos genitais (volume testicular) e aparecimento de pelos pubianos e axilares, seguindo os critérios de Tanner para desenvolvimento puberal.(7)

Há indicações, inclusive, de que durante a anamnese faz-se necessário atenção para as características faciais dos indivíduos portadores de PP.(10) Oleosidade da pele, presença de acne com vínculo de puberdade e odores axilares podem ser indícios físicos de maturação sexual e, dependendo da idade, serão precoces. A obesidade também está relacionada com a PP, seja no vínculo com a liberação hormonal, ou até mesmo evidenciando a dificuldade na avaliação primária para afirmação da presença de telarca. Há a necessidade do exame físico, como a palpação, para evidenciar a presença da formação mamária, ou apenas o aumento tecidual por consequência do aumento de peso.(5)

Deve-se considerar suspeito o aparecimento dos caracteres sexuais secundários antes dos 8 anos em meninas e antes dos 9 em meninos. A manifestação inicial em meninas é o surgimento do botão mamário e em meninos o aumento do volume testicular maior ou igual a 4mL (Tanner II para ambos os sexos).(2) É necessário, também, monitorar a velocidade de progressão dos mesmos para os estágios subsequentes de Tanner. Em média, o intervalo entre dois estágios puberais é de um ano, sendo que intervalos inferiores a seis meses devem ser considerados anormais e podem indicar que o paciente esteja com puberdade patológica.(2,11,12)

 

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

 

O diagnóstico laboratorial da PP, como visto, permite diferenciar se há alteração hormonal e justificar a precocidade de crescimento sexual. Dosam-se como conduta laboratorial os esteroides sexuais (LH e FSH), o hormônio do crescimento (GH) e a Somatomedina (IGF-1).(5) Alguns autores defendem, em seus estudos, a avaliação dos hormônios basais no diagnóstico preliminar da PP, justificando esse fato ao aumento da sensibilidade analítica nas dosagens basais, o que poderia evitar a exposição da criança ao teste de estímulo.(13)

A abordagem laboratorial, em presença de um diagnóstico de puberdade precoce, permitirá caracterizar se o processo tem origem central ou periférica. Esta caracterização da origem do processo que leva à puberdade assume enorme importância na conduta terapêutica e no prognóstico.(2,14)

O diagnóstico diferencial entre as formas de puberdade precoce baseia-se nas dosagens das gonadotrofinas em condição basal e/ou após estímulos com GnRH. Como padrão ouro, o teste com hormônio estimulador de gonadotrofinas consiste na administração endovenosa de 100µg de GnRH com coletas de LH e FSH nos tempos de 0, 15, 30, 45 e 60 minutos. Um pico de LH>9,6 UI/L em meninos e >6,9 UI/L em meninas representa resposta puberal e, consequentemente, confirma diagnóstico de PPC.

Com exceção do teste GnRH, os testes que dosam as gonadotrofinas basais, por meio de anticorpos monoclonais, também podem ser utilizados para determinação de PPC. São exemplos a quimioluminescência (ICMA), a eletroluminescência (ECLIA) e o imunofluorométrico (IFMA).(14, 1)

Um grupo de proteínas Kisspeptina também pode estar relacionado ao desenvolvimento puberal precoce, o que poderá futuramente resultar em uma avaliação a nível familiar dos envolvidos no processo de diagnóstico puberal. A reprodução está intimamente ligada à neuroanatomia funcional, o que pode tornar compreensível o vínculo de estudos acerca do gene Kiss1 entre os envolvidos no processo, como pais biológicos e irmãos.(10)

 

DIAGNÓSTICO POR EXAMES DE IMAGEM

 

Além do diagnóstico laboratorial, há também o diagnóstico por exames de imagem. As imagens são importantes na determinação da idade óssea (IO) da criança, em que duas radiografias realizadas com intervalo mínimo de seis meses devem ser examinadas pelo mesmo observador, utilizando o método Tanner-Whitehouse (TW-20) para 20 núcleos das mãos e punhos, determinando avaliação da IO.

Salvo a idade óssea, é de suma relevância a verificação, por meio de ultrassom, do útero e ovários femininos, à procura de cistos e processos neoplásicos.

Ademais, deve-se fazer uma avaliação anatômica do SNC – após diagnóstico de PPC – para detecção de possíveis lesões expansivas no sistema nervoso, como hamartomas hipotalâmicos de pequenas dimensões. A ressonância magnética é a forma adequada de exame nestes casos.(11, 1)

 

CONCLUSÃO

 

Abordar uma doença sem a presença de sinais e sintomas clássicos é um desafio para o diagnóstico médico. Diagnosticar PP pode ser uma tarefa um tanto complicada, visto que sua fisiopatologia é complexa e o diagnóstico depende exclusivamente de um olhar clínico e apurado do médico.

A abordagem multifatorial no tratamento e acompanhamento da PP é essencial, pois engloba aspectos não só orgânicos, como é o caso de alterações hormonais, mas também psicológicos, fator que pode contribuir para o surgimento da patologia. Dessa forma, as diretrizes e normas sobre a terapêutica são de grande ajuda no manejo e acompanhamento do paciente com PP.

Este trabalho, por sua vez, procurou retratar as informações mais relevantes e atualizadas sobre a fisiopatologia da PP, o manejo do paciente com a doença e seu acompanhamento, podendo, assim, auxiliar os profissionais da saúde, que frequentemente encontram dificuldades nesses aspectos em sua prática clínica, ou interessados sobre o assunto.

Por vezes, a suspeita diagnóstica recai sobre a assistência, o atendimento de base, as unidades básicas de saúde. É necessária a amplitude de informações para que profissionais clínicos tenham acesso ao manejo de diagnóstico e encaminhamento.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Vilar L. Endocrinologia Clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019.
  2. Ministério da Saúde (Brasil). Portaria SAS/MS nº 111, 23 de abril de 2010. Puberdade Precoce Central. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas [Internet]. 2010; vol 1. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolos_clinicos_diretrizes_terapeuticas_v1.pdf>
  3. Desenvolvimento Puberal Masculino. Critérios de Tanner Genitália G1 [Internet]; [citado em 18 Fev 2021]. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2016/10/EstgioPuberal.Tanner-Meninos.pdf>
  4. Desenvolvimento Puberal Feminino Critérios de Tanner [Internet]; [citado em 18 Fev 2021]. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2016/10/EstgioPuberal.Tanner-Meninas.pdf>
  5. Kaplowitz P, Bloch C. Evaluation and Referral of Children With Signs of Early Puberty. Pediatrics [Internet]. 2015 Dec 14 [citado em 17 Fev 2021]; 137(1):e20153732. Disponível em: <https://pediatrics.aappublications.org/content/137/1/e20153732.long.>
  6. Wanderley J, Luciano Lima Correia, Durval Damiani. Puberdade precoce: condições associadas. Revista Brasileira em Promoção da Saúde [Internet]. 2014 [citado em 18 Fev 2021];27(2):153–62. Disponível em: <https://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/2325>
  7. Kim SH, Huh K, Won S, Lee K-W, Park M-J. A Significant Increase in the Incidence of Central Precocious Puberty among Korean Girls from 2004 to 2010. Gonzalez-Bulnes A, editor. PLOS ONE [Internet]. 2015 Nov 5 [citado em 17 Fev 2021];10(11):e0141844. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4634943/>
  8. Guaraldi F, Beccuti G, Gori D, Ghizzoni L. Management of endocrine disease: Long-term outcomes of the treatment of central precocious puberty. European Journal of Endocrinology [Internet]. 2016 Mar [citado em 18 Fev 2021];174(3):R79–87. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26466612/>
  9. Secretaria de Estado de Saúde (Santa Catarina). Portaria SAS/MS n° 03, 08 de junho de 2017. Puberdade precoce central (PPC). [Internet]. 2018; Disponível em: <https://www.saude.sc.gov.br/index.php/informacoes-gerais-documentos/assistencia-farmaceutica/componente-especializado-da-assistencia-farmaceutica-ceaf/protocolos-clinicos-ter-resumos-e-formularios/puberdade-precoce-central/12778-resumo-puberdade-precoce-central/file>
  10. Taziaux M, Staphorsius AS, Ghatei MA, Bloom SR, Swaab DF, Bakker J. Kisspeptin Expression in the Human Infundibular Nucleus in Relation to Sex, Gender Identity, and Sexual Orientation. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism [Internet]. 2016 Jun 1 [citado em 17 Fev 2021];101(6):2380–9. Disponível em: <https://academic.oup.com/jcem/article/101/6/2380/2804768>
  11. Monte O, Longui CA, Calliari LEP. Puberdade precoce: dilemas no diagnóstico e tratamento. Arq Bras Endocrinol Metab [Internet]. 2001 Març 13 [citado em 18 Fev 2021]; 45(4). Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-27302001000400003&script=sci_arttext>
  12. Silva ACCS, Adan LFF. Crescimento em meninos e meninas com puberdade precoce. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia [Internet]. 2003 Aug [citado em 18 Fev 2021]; 47(4):422–31. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302003000400014&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>
  13. Chin VL, Cai Z, Lam L, Sah B, Zhow P. Evaluation of puberty by verifying spontaneous and stimulated gonadotropin values in girls. J Pediatr Endocrinol Metab [Internet]. 2015 mar [citado em 18 Fev 2021]; 28:387-392. Disponível em: https://europepmc.org/article/PMC/4767152
  14. Damiani D. Diagnóstico Laboratorial da Puberdade Precoce. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia [Internet]. 2002 Feb [citado em 18 Fev 2021]; 46(1):85–90. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-27302002000100012&script=sci_arttext>

 

Correspondência

Anna Elisa Amaro da Silveira

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