Sobre a Febre do Mayaro: uma emergente arbovirose

About Mayaro Fever: an emerging arbovirus

 

DOI: 10.21877/2448-3877.201700603

 

Desde que foi descoberto, em 1954, em Trinidad y Tobago, que o vírus Mayaro (MAYV), agente etiológico da febre do Mayaro, vem sendo identificado em várias regiões de floresta tropical e áreas rurais de países localizados na América Central e do Sul, como a Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Guiana, Guiana Francesa, México, Panamá, Peru Suriname e Venezuela.(1,2) Esse vírus, formado por RNA de cadeia simples, o que lhe confere grande adaptabilidade para hospedeiros e infecção, em decorrência de elevadas taxas de mutação, pertence à família Togaviridae, gênero Alphavirus, que inclui também outras 29 espécies, entre elas os agentes causais da encefalite equina do leste, encefalite equina venezuelana, encefalite equina do oeste e a febre Chikungunya.(3,4)

O vírus Mayaro é um arbovírus (arthropod-borne virus), tendo em vista ser transmitido por artrópodes hematófagos, que se mantém na natureza a partir de um ciclo zoonótico ecoepidemiologicamente complexo, que inclui, com frequência, primatas não humanos e mosquitos vetores da família Culicidae, em especial o gênero Hemagogus, à semelhança do que ocorre com a febre amarela silvestre.(3,5) Resumidamente, ao fazer o repasto sanguíneo sobre um animal virêmico (aves, répteis e mamíferos), o artrópode se contamina (período de incubação extrínseco) e se torna capaz de transmitir, em novo repasto sanguíneo, o vírus a um animal saudável. Importa mencionar que, ao infectar o artrópode, o vírus se aloja em sua glandular salivar, contaminando, por conseguinte, a saliva, que, no momento da ingestão de sangue, é liberada na circulação vascular periférica do hospedeiro.(3,6) Uma transmissão vertical parece ser também possível através de uma via transovariana, onde o artrópode parental transmite o arbovírus à sua progênie.(7)

Os seres humanos que vivem ou ingressam em áreas rurais endêmicas podem também ser infectados pelo vírus Mayaro, desenvolvendo uma condição clínica inespecífica caracterizada por febre, calafrios, rash cutâneo, mialgia, dor retro-orbital, fotofobia, enxaqueca, dores nas articulações, náuseas e diarreia.(3,8,9) As erupções na pele acometem, principalmente, a região torácica, braços e pernas e, com menos frequência, a face. A artralgia é um aspecto conspícuo e pode persistir por meses ou anos.(1,3) Dores abdominais, faringite, congestão nasal, tosse, icterícia e manifestações hemorrágicas podem ser observadas. Leucopenia e plaquetopenia podem também ocorrer.(3,8) A doença apresenta um período de incubação intrínseco de 3 a 11 dias, mas os sintomas, normalmente, estão presentes entre 5 a 7 dias.(1) O diagnóstico de febre de Mayaro com base em suas manifestações clínicas é difícil de ser realizado, em decorrência de outros quadros clínicos similares produzidos por diferentes agentes virais.(3) A sorologia é preferível, sendo mais efetiva quanto procedida na fase aguda da doença. Na fase de convalescência, reações cruzadas com o vírus Chikungunya têm sido descritas. A biologia molecular pode apresentar algumas limitações quanto à detecção viral, em função do período em que o vírus está presente no organismo.(3,8,9)

Classicamente, o ciclo de transmissão do vírus Mayaro está associado a áreas silvestres e a condições climáticas. No Brasil, a Febre do Mayaro está mais restrita à região amazônica, que é a área de endemicidade da doença no país.(2,4,9) Mudanças ambientais introduzidas pelos seres humanos, contudo, têm produzido alterações nas características ecológicas das arboviroses. As ingerências sobre os ecossistemas podem levar, de fato, ao aumento da prevalência dos artrópodes vetores, à criação de novos reservatórios ou à adaptação a novos ou alternativos ciclos de manutenção na natureza.(7) O crescimento populacional é um outro fator que tem contribuído para a emergência ou re-emergência das arboviroses. O adensamento e a degradação das áreas urbanas e periurbanas favorecem o contágio viral.(3,7) O deslocamento de pessoas infectadas em veículos com grande autonomia permitem ainda aos arbovírus atravessarem longas distâncias, disseminando-se dentro e entre continentes, o que confere um importante potencial para espalhamentos epidêmicos.(7,10,11) Igualmente, o deslocamento geográfico dos arbovírus pode se dar pela movimentação do reservatório animal ou do artrópode vetor. A migração dos arbovírus para áreas urbanas oportuniza a transmissão do agente por outros artrópodes, notadamente aqueles antropofílicos, levando a importantes alterações e riscos epidemiológicos e de saúde pública.(9,10,11) Nesse sentido, a transmissão em áreas urbanas, num ciclo homem-mosquito-homem, pode ocorrer fora dos focos enzoóticos pelo Aedes aegypti, Aedes albopictus e Aedes scapularis e determinar, potencialmente, grandes epidemias, à semelhança do que vem ocorrendo com a Dengue, Febre Amarela e Chikungunya, nas principais cidades brasileiras.(1,2,3,11) Importa reiterar que todos esses fatos combinados colocam, claramente, o vírus Mayaro em um contexto de alerta sanitário, tendo em vista representarem um risco epidemiológico de iminente transmissão urbana desse arbovírus.(3)

 

Referências

  1. Esposito DLA, Fonseca BALD. Will Mayaro virus be responsible for the next outbreak of an arthropod-borne virus in Brazil? Braz J Infect Dis. 2017; pii: S1413-8670(17)30163-0. [Epub ahead of print].
  2. Auguste AJ, Liria J, Forrester NL, Giambalvo D, Moncada M, Long KC, et al. Evolutionary and Ecological Characterization of Mayaro Virus Strains Isolated during an Outbreak, Venezuela, 2010. Emerg Infect Dis. 2015 Oct;21(10):1742-50.
  3. Muñoz M, Navarro JC. Mayaro: a re-emerging Arbovirus in Venezuela and Latin America. Biomedica. 2012 Jun;32(2):286-302. [Article in Spanish]
  4. Terzian AC, Auguste AJ, Vedovello D, Ferreira MU, da Silva-Nunes M, Sperança MA, et al. Isolation and characterization of Mayaro virus from a human in Acre, Brazil. Am J Trop Med Hyg. 2015 Feb;92(2):401-4.
  5. Lwande OW, Obanda V, Bucht G, Mosomtai G, Otieno V, Ahlm C, Evander M. Global emergence of Alphaviruses that cause arthritis in humans. Infect Ecol Epidemiol. 2015 Dec 18;5:29853.
  6. Serra OP, Cardoso BF, Ribeiro AL, Santos FA, Slhessarenko RD. Mayaro virus and dengue virus 1 and 4 natural infection in culicids from Cuiabá, state of Mato Grosso, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2016 Jan;111(1):20-9.
  7. Figueiredo LT. Emergent arboviruses in Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2007 Mar-Apr;40(2):224-9.
  8. Brunini S, França DDS, Silva JB, Silva LN, Silva FPA, Spadoni M, Rezza G. High Frequency of Mayaro Virus IgM among Febrile Patients, Central Brazil. Emerg Infect Dis. 2017 Jun;23(6):1025-1026.
  9. Figueiredo ML, Figueiredo LT. Emerging alphaviruses in the Americas: Chikungunya and Mayaro. Rev Soc Bras Med Trop. 2014 Nov-Dec;47(6):677-83.
  10. Marcondes CB, Contigiani M, Gleiser RM. Emergent and Reemergent Arboviruses in South America and the Caribbean: Why So Many and Why Now? J Med Entomol. 2017 May 1;54(3):509-32
  11. Goulda E, Pettersson J, Higgse, S, Charrela R, Lamballerie X. Emerging arboviruses: Why today? One Health. 2017;4:1-1

 

 

Paulo Murillo Neufeld, PhD

Editor-Chefe da Revista Brasileira de Análises Clínicas (RBAC)