Personagem da História da Saúde V: Robert Koch

Personalities of the History of Health V: Robert Koch

Robert Heinrich Herman Koch foi um microbiologista alemão, nascido em 11 de dezembro de 1843, nas montanhas altas de Harz, em Clausthal, em Hanover, na região alemã da Baixa Saxônia. Era o terceiro filho de Mathilde Julie Henriette Biewend (1818-1871) e Hermann Koch (1814-1877), que tiveram 13 filhos, 11 homens e duas mulheres. Seu pai era engenheiro de mineração e, juntamente com Alfred Nobel, participou dos primeiros testes de explosão com nitroglicerina, nas montanhas onde Koch nascera. Em 1867, Koch casou com Emmy Adolfine Josephine Fraatz, filha de um pastor evangélico de sua cidade natal, nascendo, em 1868, sua única filha, Gerttrude Koch. Em 1893, divorciou-se de Emmy Fraatz, casando com Hedwig Freiberg (1872-1945), uma jovem atriz de teatro.

Koch foi considerado uma criança prodígio, já que, aos 5 anos de idade, aprendeu a ler sozinho, por meio de jornais trazidos por seu pai. Seus estudos iniciais foram realizados no ginásio de Clausthal, tendo sido bastante atuante tanto em sua vida escolar quanto desportiva. Durante os anos de infância e adolescência, acompanhava seu pai em longos passeios e viagens, o que desenvolveu em Koch um vívido interesse pelas ciências naturais. Uma figura importante na vida de Koch foi seu tio materno Eduard Biewend, que também estimulou seu interesse pela natureza, por coleções de insetos e outros animais, além de tê-lo introduzido no mundo da fotografia.

Sua vida profissional teve início em 1862, aos 19 anos, quando se matriculou na Universidade de Göttingen, para estudar medicina. Em 1866, graduou-se com maxima cum laude. A Universidade de Göttingen era um local onde lecionavam importantes nomes da medicina da época e que tiveram uma profunda influência sobre o jovem estudante Robert Koch, como o patologista Wilhelm Krause, o fisiologista Geoge Meissner, o químico Friedrich Wöhler e o histologista e anatomista Jakob Henle. Com a orientação de Krause, Koch levou a cabo seus estudos sobre a inervação do útero e, sob a supervisão de Meissner, estudou o ácido succínico, redundando em sua tese de graduação. Henle, com sua teoria do Contagium Animatum, que propunha serem as doenças causadas por entidades vivas transmissíveis, impactou cientificamente Koch de forma indelével. Em decorrência desse intenso convívio acadêmico, aos 22 anos, Koch publicou dois substanciais artigos. Em 1865, ainda como estudante, ganhou um prêmio pela sua dissertação acerca da inervação uterina. Nesse mesmo ano, foi indicado para o cargo de assistente do Museu de Patologia da universidade onde estudava, o que lhe deu grande experiência em patologia e microscopia. A premiação que venceu permitiu que Koch fosse até Hanover conhecer o fisiopatologista mais renomado da Alemanha, Rudolf Virchow. Inclusive, por um curto intervalo de tempo, Koch estudou com Virchow em Berlim.

Após formado, em 1866, Koch foi trabalhar como médico assistente em diversas cidades provinciais, incluindo Hamburg. Nessa cidade, no entanto, Koch ficou apenas três meses, seguindo posteriormente para Langenhagen, onde trabalhou como médico num hospital psiquiátrico até 1868. Após o nascimento de sua filha, Koch deixou Langenhagen e se transferiu para Rakwitz, desenvolvendo uma prática médica de sucesso. Quando a Guerra Franco-Prussiana irrompeu, em 1870, Koch se alistou como médico-cirurgião, aproveitando a oportunidade do conflito para estudar as doenças que acometiam aos soldados no front. Ao dar baixa, em 1872, assumiu a posição de Kreisphysikus (médico distrital), na cidade de Wöllstein. Entre 1872 e 1880, Koch praticou medicina geral, bem como inspeção sanitária e controle de epidemias. Nessa cidade, no dia do seu aniversário, sua esposa o presenteou com um microscópio. Isso o estimulou a montar um laboratório rudimentar num quarto de sua casa, com o microscópio presenteado, um micrótomo, uma estufa e uma câmara escura, e a começar a investigar sobre as doenças infecciosas. A partir desse momento, Koch iniciou seu trabalho revolucionário na bacteriologia e imunologia médica.

Com um microscópio mais potente, adquirido pelo próprio Koch, ele deu início às suas pesquisas sobre o Antraz (Carbúnculo), que era uma doença prevalente em animais de produção naquela época. Assim, ainda em Wöllstein, em 1876, Koch descreveu o ciclo biológico do Bacillus anthracis, provando que esse organismo era o agente causal do Antraz. Em seu estudo, Koch adaptou o método do botânico Ferdinand Cohn, cultivando o Bacillus anthracis por muitas gerações no laboratório, demonstrando seu estágio de esporo e injetando-o em cobaias saudáveis. Koch inoculou cutaneamente o sangue de um animal enfermo, que havia sido necropsiado, em um animal sem a doença, que a desenvolveu em todas as suas fases clínicas. Koch apresentou seus resultados a Cohn, na Universidade de Breslau, que concordou em reproduzir o experimento no Instituto de Fisiologia de Plantas. Dessa forma, independentemente, Koch e Cohn desenharam o que viram no microscópio e anotaram o que observaram no teste com animais (camundongos e coelhos), encontrando os mesmos resultados acerca do agente causal e da doença. Uma contribuição importante ainda foi dada pelo patologista Julius Cohnheim, que ensinou Koch a corar as bactérias de seu estudo. A pesquisa foi publicada em 1876, no Jornal de Botânica, do qual Cohn era editor-chefe, sendo a primeira evidência direta da relação entre a presença tecidual de uma bactéria e a doença por ela desencadeada. Koch foi depois convidado a se estabelecer em Breslau para continuar suas pesquisas em bacteriologia, e os anos em que esteve radicado nessa cidade (1877 a 1880) foram extremamente fecundos e produtivos.

As descobertas sobre bactérias e suas patologias continuaram com a identificação de Staphylococcus sp. e Staphylococcus sp. isolados de feridas infecciosas em animais e Vibrio cholerae. Koch identificou vários estados da doença bacteriana como septicemia, gangrena, abscesso e advogava a teoria de que as bactérias existiam como espécies distintas e que cada uma produzia uma única síndrome clínica. Assim, segundo ele, somente estudando um patógeno específico é que se poderia entender uma doença específica.

Nesse período de pesquisa com o Antraz, Koch desenvolveu uma técnica refinada de microscopia, bem como um elaborado desenho de inoculações em animais de laboratório para o estudo das etiologias e patologias das doenças infecciosas, o que permitiu visualizar os microrganismos, isolá-los e mantê-los artificialmente em meios de cultura e estudar sua patogenia e lesões decorrentes da destruição tecidual. Koch também estabeleceu os princípios da moderna pesquisa microbiológica, introduzindo lâminas de microscopia e lamínulas, exame por gota suspensa, fixação e coloração de bactérias, meios de cultura líquidos e sólidos, iluminação artificial, lentes de imersão e condensador em microscópios, acopla­mento de máquina fotográfica em microscópios para obtenção de fotomicrografias e técnicas de desinfecção/esterilização, empregando vapor d’água. Além disso, Koch também se preocupou com o método científico, definindo o tamanho de amostra, utilização de grupos controles e reprodutibilidade de experimentos.

Em 1880, Koch foi nomeado para o Departamento Imperial de Saúde (Kaiserlich Gesundheitsamt), deixando Breslau e indo para Berlim, levando seu método de trabalho microbiológico, adaptado das propostas de Cohn e Cohnheim. Em Berlim, ele se juntou ao staff do Departamento Imperial de Saúde, dando continuidade às suas investigações para o estabelecimento de culturas puras, que naquele período eram laboriosas e difíceis de serem obtidas com as técnicas disponíveis. Apesar das inúmeras tentativas de Theodor Albrecht Edwin Klebs e Joseph Jackson Lister, suas técnicas em meio líquido para a obtenção de culturas puras tinham baixo rendimento. No entanto, observando o crescimento fúngico em fatias de batata, Koch percebeu que o crescimento sobre o vegetal exibia colônias isoladas e puras. Desse modo, ele decidiu inocular, em seus meios de cultura sólidos à base de gelatina, as amostras de bactérias que estavam em meios líquidos, obtendo, assim, colônias isoladas e puras, como as observadas nas fatias de batata. Essa técnica de plaqueamento para purificação de culturas, publicada juntamente com as técnicas de incubação e coloração de bactérias, em 1881, tornou-se o fundamento do trabalho microbiológico. Também deram importantes contribuições ao trabalho de Koch e à microbiologia, alguns de seus assistentes, como Walter Hesse, que introduziu o ágar como meio de cultura sólido, e Julius Petri, que desenvolveu um recipiente com tampa (Placa de Petri), onde o meio sólido poderia ser vertido, ficando protegido de contaminação. Relativamente à desinfecção e esterilização, Koch observou, empregando diversas substâncias químicas, que algumas delas inativavam definitivamente e outras inibiam temporariamente o crescimento microbiano. Essa observação foi importante para construção da ideia do trabalho asséptico em microbiologia, bem como para os conceitos de droga bacte­ricida e bacteriostática, que seriam estabelecidos na futura era dos antibióticos.

Em 1881, Koch participou, em Londres, do VII Congresso Médico internacional, apresentando suas técnicas microbiológicas, as quais fizeram enorme sucesso, com importantes comentários de personalidades da pesquisa microbiológica da época, como Louis Pasteur e Joseph Lister. Nesse congresso, a tuberculose foi um dos principais assuntos tratados e Koch retornou para Berlim firmemente determinado a dar sua contribuição para o entendimento desse que era um dos mais antigos flagelos da humanidade. Apesar de estudos anteriores sobre a tuberculose já terem definido que se tratava, de fato, de uma doença infecto-contagiosa, faltava ainda a demonstração do agente. Começando seus experimentos em agosto de 1881, Koch, em menos de oito meses, apresentou seus exitosos resultados sobre essa enfermidade, na Sociedade de Fisiologia de Berlim, em 24 de março de 1882.  Ao abrir sua conferência, disse Koch:

“Em função das minhas inúmeras observações, considero provado que, em todos os casos de tuberculose, em pessoas e animais, é encontrado o que chamei de bacilo da tuberculose. Um microrganismo que, através de suas características peculiares, diferencia-se de todas as outras bactérias conhecidas.”

Com sua pesquisa em bacteriologia consolidada no Departamento Imperial de Saúde Pública, Koch desenvolveu um método que continha coloração (modificada de Paul Ehrlich) para visualização tecidual do bacilo da tuberculose, cultura, empregando meio de cultivo sólido dentro de placas idealizadas por Julius Petri, e sequência de etapas e procedimentos propostos por Jakob Henle para o isolamento em cultura pura do agente etiológico.

Nesse ano de 1882, Koch, em artigo sobre o bacilo da tuberculose publicou seus Postulados modificados, cujos estudos foram iniciados com os experimentos com o Antraz, onde foram empregados os postulados formulados por Henle, em 1840, e adaptados por ele, em 1877. A enunciação final de seus Postulados, todavia, foi apresentada à comunidade científica, em 1884 e em 1890, em conferências e publicações. Os Postulados de Koch foram aplicados para estabelecer a causalidade da tuberculose, tornando-se, a partir de então, de amplo uso para um grande número de doenças infecciosas. Nesse sentido, a etiologia de uma dada infecção poderia ser determinada da seguinte forma:

  1. O patógeno deve ser isolado de animais doentes e nunca de animais saudáveis;
  2. O patógeno deve ser recuperado do corpo do animal doente em cultura pura;
  3. O patógeno isolado em cultura pura deve reproduzir a doença ao ser inoculado em um animal susceptível;
  4. O mesmo patógeno inoculado em um animal susceptível deve ser isolado a partir das lesões em cultura pura.

Em 1883, Koch foi enviado ao Egito como líder da Comissão Alemã do Cólera, para investigar um surto naquele país. No Egito, Koch descobriu que o agente dessa enfermidade era o vibrião colérico e mostrou sua relação com a doença e seus modos de transmissão. Além de determinar a etiologia, ele também obteve culturas puras dessa bactéria, levando-as para estudos na Alemanha. Estudando o Cólera, Koch foi ainda à Índia. Como prevenção e controle da doença, Koch advogava a necessidade de uma estreita vigilância sobre a água de abastecimento e o esgoto sanitário. Outras doenças investigadas por Koch na Itália, África do Sul, Índia, Indonésia incluíram a malária, malária grave (quadro de febre hemoglo­binúrica), peste, peste bovina e tripanossomíase.

Devido à experiência adquirida na prática médica e microbiológica e em viagens e intercâmbios, em 1885, Koch foi indicado para o cargo de professor de bacteriologia na Universidade de Berlim e, em 1891, foi proposta a construção de um Instituto que levaria seu nome, para a realização de suas pesquisas e experimentos. Importa mencionar que Koch foi uma personalidade que influenciou e congregou diversos alunos, assistentes e outros pesquisadores a seguirem investigando e estudando a bacteriologia, e nomes como Gaffky, Eberth, Löffler, von Behring, Pfeiffer, Welch, Petri, Kitasato, Ehelich e Wasserman ficaram historicamente ligados à pesquisa de Koch. Gram, Ziehl e Neelsen foram outros importantes nomes igualmente associados ao trabalho de Koch. Um verdadeiro exército de “caçadores de micróbios” surgiu incentivados pelo exemplo de Koch e dezenas de bactérias foram descritas a partir do estudo de doenças como gonorreia, tétano, difteria, tifo, pneumonia e peste bulbônica, entre outras.

Em 1890, durante o X Congresso Médico Internacional, em Berlim, Koch anunciou ter encontrado um inóculo que poderia proteger e até mesmo curar a tuberculose. De acordo com Koch, esse inóculo, chamado de tuberculina, poderia ser empregado como uma terapia vacinal. Apesar de suas observações, a tuberculina não era, de fato, eficiente na propedêutica da tuberculose como ele, inicialmente, divulgara. O fracasso da tuberculina no tratamento da tuberculose, por falta de rigor científico de Koch, levou a comunidade científica a criticá-lo duramente, o que abalou seu prestígio acadêmico dentro e fora da Alemanha. A tuberculina, no entanto, seria usada, no futuro, como prova diagnóstica em procedimentos cutâneos e não para tratamento da tuberculose, que só se estabeleceu com o descobrimento dos antibióticos, por Alexander Fleming, em 1939.

Um outro equívoco de Koch foi pensar que a tuberculose bovina não era perigosa para humanos. Em seus estudos iniciais, em 1882, Koch considerou que as bactérias da tuberculose humana e bovina eram organismos diferentes. Em 1884, contudo, reconsiderou e determinou que eram organismos idênticos e que, apesar disso, não traziam maiores riscos à população humana. Ele expos essa crença em muitas conferências na Inglaterra e Estados Unidos, o que fez com que os médicos e a vigilância sanitária dos países negligenciassem o leite retirado de vacas com tuberculose, permitindo que fossem consumidos por crianças e adultos. Em alguns poucos anos, um grande contingente de pessoas adoeceu, por ingestão de leite contaminado. Em 1898, entretanto, Theobald Smith e a Real Comissão Inglesa demonstraram que os bacilos não eram iguais, bem como estabeleceram a relação do leite contaminado com o bacilo de origem bovina e a doença em humanos. Disso decorreu a necessidade de se controlar essa zoonose, sendo, então, proposta, por vários pesquisadores e instituições de saúde pública, a pasteurização do leite e a erradicação da tuberculose bovina.

Em dezembro de 1905, Koch foi laureado com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia por seus estudos e pesquisas sobre a tuberculose. Devido ao intenso trabalho e as inúmeras viagens que fazia, sua saúde veio se deteriorando com o tempo. Em decorrência do agravamento de seu estado cardiológico, em 27 de maio de 1910, Koch sofreu um infarto fulminante, no terraço de um hotel em Baden-Baden, na Alemanha. Conforme sua vontade, foi cremado e suas cinzas depositadas no Instituto de Doenças Infecciosas de Berlim.

 

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Paulo Murillo Neufeld, PhD                                        

Editor-Chefe da Revista Brasileira de Análises Clínicas